Agora que o fantasma do Velho do Restêlo anda a ensombrar e assombrar espíritos por Brasil e Portugal, e a perturbar almas e a conjurar enganos, é bom que façamos um certo revisionismo histórico para o bem da verdade que, equivocadamente tanto quanto precipitadamente, vem sendo distorcida ao longo de séculos.
O Velho do Restêlo tinha razão, a contrapartida obtida da prosperidade fugaz que aquelas descobertas trouxeram foi a decadência econômica de uma sociedade que estava cega pela ganância. As palavras do Velho eram proféticas, era a voz da experiência, não havia nenhum pessimismo, havia, sim, uma boa avaliação do que se passava, como também boa previsão do que se iria passar. O Velho sabia, como soem saber os Velhos, que havia um risco muito grande na empresa para uma possibilidade de lucro limitada. O velho antevia que após toda aquela faina, pelos motivos que a ela levavam, aconteceria uma grande decadência, por que a sua realização não era sustentada. Logo se vê como o Velho, como aos Velhos cabe saber, sabia bem que tudo aquilo daria em nada, ou em muito pouco, já que o empreendimento era aventura, que a trazendo em si, de ventura carece.
Na semana do Mar Português, em que precisaríamos de outra 'Mensagem' que nos norteasse o rumo, na qual 609 cidadãos perderam seu norte por via de uma história que se repete, ou tem demasiadas vezes se repetido para desgosto e desgraça de uma nação gloriosa, numa miséria que lhe é desnecessária e estranha, e que para lembrar velhos tempos recorremos aos Jornais da época onde temos que em 1870 podemos encontrar no A Lanterna , a informação de que o Governo Português mendigava empréstimo. Será acaso? E 20 anos depois O Século nos informava que os banqueiros, com o Conde de Burnay à frente, vão entregando as grandes empresas portuguesas. Será sina? E nas Farpas pode-se ler que: « os ex-Ministros constituem pequenas dinastias...» Será coincidência? Ou Ramalho Ortigão queria ressaltar algo que me escapa? Tudo de uma oportunidade impressionante, sobretudo para os 609, algumas semanas antes do Natal.
Será que estamos prisioneiros da acertiva Marxista, de que a história se repete? O pior é que a afirmação completa é que se repete a primeira vez como tragédia, e a segunda como farsa. Entre farsas e tragédias nos movemos todos na comiseração das incertezas e dos interesses particulares contra o interesse maior do Bem Comum. Ou será que isto não mais existe? À bem ou à mal, estamos todos navegando neste Mar, para varar ou soçobrar, prisioneiros das esconjuras do velho, sem sermos herdeiros de nenhuma tradição carpideira, posto que a prudência inspira e revigora, como sabemos dos inúmeros trajetos históricos em que ela sempre se viu confirmada.
Lembrei-me que no velho livro que forja a estirpe das duas nações a que pertenço, há um alerta às estrofes 85 e 86 de seu Canto sétimo, que, pelo atual e edificante, resolvo transcrever:
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
86
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa.
E que por obras imerecidas promovem o sofrimento geral.
Porém neste caso particular , não se trata, como dissera o Velho à praia do Restêlo, de tempos do porvir, outrossim de tempos do presente que pressentem com fórmulas já aplicadas reiteradamente, e que não conseguiram produzir nenhum efeito que se veja virtuoso, contra o vicioso de comprometer o futuro desta pequena nação à beira mar plantada, no qual, quando considero o arbítrio versus o julgamento de intenções para o qual fui alertado, aluno de uma aula maior, onde sábios velhos buscavam outro caminho, só posso concluir de uma necessidade ingente e superviniente que se afirme para evitar uma ingovernabilidade futura.
Então lembrei-me de, entre tantos herois que esta gente deu às minhas duas pátrias, João Fernandes Vieira,
um mulato Madeirense que governou o Pernambuco, e quando da invasão holandesa, no episódio que ficou conhecido como Restauração Pernambucana, ou como queria o Padre Antônio Vieira na : " Guerra da liberdade divina " e que, contra a diplomacia de D. João IV, que não queria indispor a Holanda, expulsou os holandeses de solo brasileiro, afirmando desobedecer El-Rei para servir El-Rei, clivando a preeminência da sociedade sobre o Estado. Nada mais atual, sobretudo quando El-Rei e o Estado são hoje a sociedade, ou seja as pessoas, bem entendido.