sexta-feira, 10 de maio de 2024

"DIGITUS IMPUDICUS".

Esta designação surge na Epigrammata - Marcial séc I d.C - mas crê-se que venha do séc V a. C, quando os gregos se ofendiam com o gesto Expressão macaca, simiesca, do mesmo estilo da que fazem os macacos pregos valendo-se de seus próprios pênis para demonstrar menosprezo. Este gesto também sói representar o próprio pênis. Linguagem clara e inequívoca de desprezo. Há sempre uma demarcação confrontacional em se pôr o dedo ao outro. Há uma raiva guardada, um menosprezo latente, um desafio, uma humilhação pretendida, uma agressividade desperta, quando fazemos o gesto. Ainda que não tenhamos perfeita consciência da linguagem oculta em nossos corpos, o estudo desta linguagem evoluiu e codificou todas as posturas, gestos, reações, e atitudes que experimentamos nas diversas situações em que podemos nos encontrar. Ainda que a fala e a postura, uma impostura muitas vezes, busque esconder, ou vá no sentido de protagonizar a suposta verdade formulada, a linguagem corporal juntamente com certos gestos, e formas de dizer, bem como sonoridades particulares, e/ou as escolhas feitas para articular uma contestação ao que o corpo está dizendo. No entanto temos que o corpo não mente, porque sua formulação é assimétrica, essa tentativa de simetria, de correspondência da formulação com a mentira imposta, que o corpo desmente porque seu diálogo é autônomo em virtude da correlação não correlata por parte dos nucleos cerebrais autônomos, impondo que o corpo diga outra coisa, muitas vezes diferente da história que esteja sendo contada verbalmente à conta da dissociação dos dois hemisférios cerebrais (Ver Assimetria Assintótica IV.). Quanto ao dedo, sua legitimação é inequívoca, ainda que tudo o justifique, nada o torna razoável, porque apesar de ser resposta, é confrontação ao mesmo tempo, exacerbando ânimos, apesar de estar tão normalizado em nossos dias, não deixa de ser gestualidade ofensiva e reles, portanto agressiva. O gesto do dedo médio é de toda sorte uma mascarada, porque sendo uma não resposta ao que quer que o tenha motivado, esse gesto é uma hipocrisia, tendo em vista que antes de mais é um despiste, uma charada, linguagem obscura que afasta e refuta sem mais explicação qualquer passo seguinte que pudesse ser articulado. Será referenciado muitas vezes, no Suda, a enciclopédia bizantiba, nos Adagia, a compilação de Erasmus, no Satyricon, que acreditamos ser de Petronius, e em Juvenal, Aulus Persius, Marcial, como referi, o bispo Isidoro de Sevilha, em todos sempre com similar interpretação, mas com diferentes usos, pretenções e intenções diversas. Em outras partes do mundo é o fazer figa o gesto ofensivo, e há outras preferências gestuais, algumas preferindo os braços, a do manguito ou de dar banana, no entanto o gesto do dedo do meio vem se generalizando, espalhando-se por todos os países do mundo, ainda que possa em alguns ter conotação mais ligeira como "só em seus sonhos" ou "desavergonhada", contudo seu intúito mais usual é o de mandar o outro fazer a ação que para os homens é anal e homosexual. Desrespeito, zombaria, infâmia, e obscenidade. A insultuosidade do gesto, 'katapygon' não impedirá Diógenes de Sinope de o evocar na sua comédia 'As núvens', com seu outro significado métrico, mas não nos esqueçamos que Diógenes era um 'cínico' e dirigindo o gesto a Demóstenes, não se equivoca na sua significação, mais tarde Epitecto em seus "Discursos" interpreta o gesto de Diógenes como dirigido a qualquer um dos sofistas. Nenhuma de suas outras conotações lhe restringirá a intenção infame. Repetido pelos séculos fora, insinuando que o dedo se deva introduzir no ânus, muitas vezes sendo feito com o acréscimo da saliva para mais significar a intenção, generalizou-se com uma conotação mais branda, mas sempre ofensiva, pretendendo sempre a repulsão a quem se o dirija. Ainda que... Significando um ataque a quem é direcionado, que ficará desarvorado e baterá em retirada, ou ficará quedo, o gesto multi-milenar sempre que empregado tem efeito desconcertante, sendo o eleito pelas mulheres para demonstrar seu desinteresse num homem que as admire, ou se insinue, é sempre ação repulsiva a quem se dirije, e repele qualquer um quando direcionado para além das palavras. Com tudo isso não alcança justificar nada, nem propor o que seja, só destrói qualquer hipótese de diálogo, de aproximação ou harmonia entre os polos de execução e recepção da gestualidade do dedo impúdico. Ilustração: escultura de David Cerny.

Nós só pensamos com as palavras- III da Assimetria Assintótica.

Gostam muito de estabelecer a dicotomia: emoção/razão. É um grande equívoco. Razão e emoção não se opõem, se integram. Estabeleceu-se esta oposição devido a ideia que o emocional incapacita-nos para decidir. Ao contrário, a emoção estabelece conteúdos mentais que desencadeiam reações que se irão traduzir em compreeensão, inteligência do que se passa, logo, razão. O engano deve-se a crença de que não devemos estar sujeitos a influências do emocional para podermos ter coerência. Todas as funções funcionam autonomamente, e se integram no todo do pensamento. A lógica como maneira de raciocinar é, e será sempre, emocional, uma vez que o caminho das impressões seguem circuito emocional, como ficou claro no segundo artigo desta série, o anterior a esse, sobretudo devido a supremacia do entendimento emocional. Mesmo porque não existe entendimento fora do emocional, fora das emoções. Unidade de significação. As palavras codificam o entendimento, sintetizam pedaços lógicos do saber, tornando desnecessárias explicações para quem conhece a palavra. Eu digo água e você sente o potencial de ter sua sede saciada. Esse o fabuloso poder da palavra, a palavra é como uma sinapse que se estabeleça, mas que tem o dom de transmitir a informação, e não só memorizá-la. O processo é bi-unúvoco: O todo se encontra nas partes, e as partes dissolvem-se no todo. Como pensamos. Não existe pensamento sem a impressão exterior, se não a que o provoque de momento, a que formulou a sinapse que determina a memória que irá conformar o pensamento e que ficou registrada; ainda que esta se atualize, a origem da formulação será sempre exterior. Não há pensamento dentro da cabeça que não venha de fora, para dizermos isso de uma maneira bem simples.(1) Pensamos com as palavras. As palavras são atalhos, resumos, sínteses de ideias mais extensas, conclusões estabelecidas, sinapses extra-cerebrais autônomas, que trazem significado, significação e significância do que dizem. Portanto trazem consigo uma interpretação, uma escolha, uma preferência de entendimento; uma força expressiva particular, com um valor de sentido (2), uma acepção. Como ideia é um significante, que evolui em ter um significado, passando a ser uma palavra, uma síntese de ideias. Socialmente. Como diria o professor Heri Laborit: "Nous ne sommes pas plus rien que les autres." - os mamíferos têm o comportamento aprendido - e para o convívio é necessário um entendimento comum, e o primeiro entendimento é vernacular: são as palavras! Individualmente. Somos o resultado daquilo que recebemos. As informações, que traduzem os sentimentos, e mais que sua percepção seu entendimento, viajam com e como palavras. As palavras. Por isso com elas pensamos, com elas nos comunicamos, com elas sentimos, com elas expressamos o que é de nós e o que é em nós, na acepção comum. E é assim que todos os anos homenageamos no tempo do Verão mo hemisfério norte, e no de inverno, no sul; a dois grandes romanos, e mais uns quantos deuses da mitologia em outros meses (3), uma vez que trazemos nas palavras sempre um significado que se esconde por conta de sua orígem, uma vez que está tudo encadeado neste mundo, assim como milhares de outras palavras têm em si outras razões, outras histórias, outras orígens que as formaram. Assim são o que foram e não devemos nunca esquecer que é com as palavras que realizamos a maravilha da comunicação, e o sonho do entendimento, esse que se realiza na cabeça quando pensamos. (1) Desconsideremos a metafísica e as alucinações. (2) E sentido é sentir. Sentir o que? As emoções. (3) Julho de Júlio César, Agosto de Augustos, Janeiro de Janus, Março de Marte, etc...