quinta-feira, 30 de abril de 2020

O escolhido e a escolha.



The chosen one, é como se diz em inglês para designar àqueles que por alguma razão transcendental são colocados numa situação especial que lhes cabe, sem que saibam, ou que saibamos porque, lhes cabe essa missão, esta tarefa especial.

Portugal estava destroçado, preparando-se para não sei mais quantos anos de austeridade, essa palavra eufemística que quer dizer o que não diz, quando surge um homem com um plano macro-económico, que traz as soluções necessárias e recupera suas destroçadas finanças. Na sequência este homem é reconhecido internacionalmente, sendo eleito presidente do Euro-grupo.

O Dr. Centeno agora está novamente no olho do furacão, terá de usar todas as suas capacidades para conceber um plano macro-económico que possa fazer o impossível, repor nos trilhos economias em meio ao medo e ao desespero geral, porque a crise que esse micróbio gerou é uma coisa inusitada, desconhecida, inédita, e, como tudo que é desconhecido infunde terror, e não havendo exemplos em que nos possamos apoiar, não existe study case que possa  fornecer elementos para dar ideia de como devamos agir. Porque o Dr. Centeno? E porque lhe atribuo essa missão?





Bem as razões transcendentais que me levam a crer isso, comigo ficam, mas as características do Dr. Centeno apontam para  uma escolha das energias que regem o mundo, ou uma razão que nos ultrapassa, por isso o título da crónica. Estarei errado? Quem viver verá. Se estiver equivocado na pessoa, não estarei quanto ao que se irá passar.

O fato é que alguém terá de conceber um plano que permita, por vias incertas, mais que retomarmos os rumos do desenvolvimento económico, o único que conhece o planeta desde que os mercados se formaram, e isso é história, não é bom nem mau, o que requer crescimento constante para não morrer, aliás esse propósito é mais que estimulado, é imposto pelo crescimento populacional (mais gente para dividir o mesmo bolo, o que obriga a uma única solução, fazer crescer o bolo) com a necessária geração de postos de trabalho, para que essa gente toda possa existir, o que estimula a fantasia do dinheiro, uma fantasia vestida de fantasia, na qual se crê que os valores económicos são infindáveis, grande equívoco, ou seja fantasia, se preferirem, porque o dinheiro cria essa falsa impressão de normalidade, que em sua origem, quando era moeda feita de matéria nobre e escassa, realmente existia por ser limitada, mas que perdeu-se ao transformar-se em papel impresso, primeiro com, depois sem lastro ouro, e ainda depois sem limites e sem vergonha, sendo impresso aos borbotões.

O que vai ficar no cenário planetário quando o virus for posto no seu lugar? (Que é o desígnio da Humanidade, pôr tudo no lugar de algo, para que sempre o possamos controlar, essa tem sido a ação do homem) Porém o rastro de destruição que ficará não tem nada que se possa comparar na história, exceto os anos após a gripe espanhola, 1918/1919, que matou cerca de cem milhões de pessoas, talvez o dobro. Ou a peste negra, que terá matado igualmente cem a duzentos milhões, por volta da metade do XIV, o que era proporcionalmente muito mais, porque a população mundial rondava os quatrocentos milhões no XIV e em 1916 era apenas quase cinco vezes mais, e teve mais de um quarto da população infectada, logo, com o mesmo número de mortos, a espanhola terá matado, então, algo como dez porcento da população do planeta, a peste negra terá matado quase metade. Todavia a principal diferença entre o começo do XX e a metade do XIV, é o mercado, antes haviam os ferreiros, o alfaiates, os remendões, no XX, como hoje, há a industria metalúrgica e as confecções, e a indústria têxtil. A nossa fabulosa capacidade de nos reproduzir teve e tem essa extraordinária característica de defender a espécie, ao mesmo tempo que a ameaça, cria grandes estruturas, como cria grande destruição, e, porque vivemos num ambiente finito, que, como tal, tem de ter limites para tudo que viva nele, sendo que, com o grande número de  gente que há, corremos sério perigo (mas isso é outro assunto). E hoje a pandemia será muito menos mortífera por inúmeras razões que vão desde a difusão da informação até aos avanços da medicina e da farmácia que ocorreram depois (como a penicilina que é de 1928) passando pela brutal evolução na higiene e saúde.

Então fui pesquisar o que se passou em 1920, há cem anos, pós pandemia da gripe, único elemento de comparação possível, e o que apareceu, foi que após a pneumónica, foi como se tudo tivesse começado novamente, tal o nível de destruição e desarranjo económico que se evrificou.

Como já vimos, as autoridades europeias não têm empenhamento para enfrentar esse enorme problema em conjunto. Como sabemos o problema tendo afetado a todos, carece de resposta geral, global, como não há nenhum organismo a nível mundial que interfira na economia ativa, só a nível europeu há um organismo com esse propósito, ainda que vago, e esse é o Euro-grupo. Por isso entendo que caberá, 'sobrou', para o Dr. Centeno, tornando-o o escolhido. Por agora a dimensão da repercussão económica da pandemia é desconhecida, e, diferentemente dos EUA, onde muitos milhões foram logo para o desemprego, na Europa o lay-off, e outras medidas tentam retardar a ação direta da crise virótica sobre a economia. A China teve e tem, como sabemos, outros poderes para impedir o pesado fardo económico sobre seu gigante parque industrial e seus trabalhadores. Então caberá a Europa dar o exemplo no mundo ocidental. E qual deverá ser esse exemplo? Terá de ser uma solução que reconquiste a dinâmica económica de todos com todos, e com todos em simultâneo. O que obrigará a um profundo conhecimento das diversas chaves, dos diversos botões a mexer para ajustar todos os agentes económicos como um todo, para que a máquina volte a funcionar sem saltar dos trilhos, e sem ficar emperrada em nenhum trecho. É muito complicado, porque é inédito, e porque a razão da lesão é de natureza muito mais profunda que as que se tenha sofrido por qualquer agente conhecido até então, desde as desgraças financeiras que repetidamente se abatem sobre a economia, até às guerras, onde, entretanto, as economias não pararam, estavam voltadas para outras produções (as da economia de guerra) mas persistiam ativas. E com o fim do evento, todos estavam anciosos por voltar às suas vidas, hoje estão receosos. Agora, ajustar todas as variantes da economia, ainda sujeitas às restrições das medidas de saúde, e equilibrar todas as inúmeras ações necessárias a pôr em andamento todo o bloco, sem desequilibrá-lo e sem criar distorções insanáveis, será uma tarefa ingente.

Essa ideia de Plano Marshal de que se falou, está ligada a expectativa (vã esperança) de que alguma nação virá emprestar dinheiro e salvar os mercados arruinados, como estão todos, e a austeridade e as contenções orçamentárias são os únicos remédios conhecidos, que terão de ser aplicados na falta de outra melhor medicina. Remédios que, sem outras medidas paralelas, decretariam um longo período negro na história da economia europeia, portanto tem de haver um plano de estímulo e motivação das forças vivas da economia, para que possam encontrar outros e novos caminhos.

Caberá ao escolhido gizar e estabelecer um plano de recomeço económico baseado em três premissas básicas, 1ª- Aceitar as modificações e o novo normal, incorporando-as na economia que deve daí renascer,  2ª- evitar que a recuperação económica evolua para uma crise, como aconteceu em 1929, e 3ª- Convencer a UE que entramos num tempo de oportunidades, e que, portanto, tem de pôr-se a altura desse tempo, usando todo seu potencial, em ciência, pesquisa, capacidades instaladas, poder económico, e geo-estratégia, para sair mais forte da crise pandémica, e estar precavida para outra semelhante, bem como encontrando soluções conjuntas, a começar por uma receita comum provinda de impostos sobre atividades não taxadas.

Tomando a perspectiva histórica de que a recuperação económica após as crises, traz  Justiça Social, como mostra Walter Scheidel no seu "The Great Leveler" verificando que as desigualdades económicas decrescem após cada crise, e monstrando que os avanços sociais, com seus direitos conquistados, tendo imediato impacto na economia, são resultantes das medidas que foram tomadas como respostas às crises, demostrando a grande oportunidade que elas são, e as grandes alterações que geram, estará na hora do Dr. Mário Centeno valer-se dessa oportunidade histórica única, que lhe é dada, para definitivamente demonstrar suas capacidade e seu valor, com medidas de grande alcance que promovam a entrada num mais justo novo tempo de bonança.

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