terça-feira, 25 de maio de 2021

"A COMUNIDADE INVISÍVEL"

 

"Tapir, jabuti, liana, salamandra

Ali alaúde, piau, ururau, aqui ataúde..."

            das Querelas do Brasil, de Maurício Tapajós e Aldir Blanc - 1978.


Essas quatro décadas que vão desde este longínquo 1978, até hoje, baldado, tenho tentado acordar o Brasil. Entretanto as palavras do Aldir continuam cortantes: " O Brasil não conhece o Brasil                                                                                                                            O Brasil nunca foi ao Brasil..." E muito mais fortes, quando dizem: " O Brasil não merece o Brasil                                                                                                                             O  Brasil está matando o Brasil..." E cada vez mais isso é verdade!


E porque é assim? A resposta é muito simples: O Brasil não conhece seu lugar no mundo, ainda não entendeu qual a porção que lhe cabe nesse mundo, e onde está seu verdadeiro valor e poder. Não entendeu que sua pujança deve ser convertida em meios de produção para criar riqueza para todos, e não desperdiçada no luxo pretensioso de uns poucos, ou em prédios forrados a granito, e sim aplicada para que reprodutivamente a riqueza crie mais riqueza, e que o povo brasileiro em seu conjunto possa reger seu destino. Entretanto para que isso aconteça é mister 'o Brasil conhecer o Brasil', o Brasil ir ao Brasil, e mais que tudo merecer o Brasil! A orquestra desafinada segue a tocar insana, desafinando cada vez mais, atropelando-se sempre mais intensamente. Despropositada euforia de poder e grandeza, desde sempre sem se dar conta que sem uma base que reconheça a diversidade de seus músicos, e que os integre todos, não é nada, não é orquestra, é um bando de gente junta, não é nação, é apenas mais um país.

Graves questões suscitam essa realidade torta, e a primeira e mais contundente delas, é a não aceitação de sua grandeza identitária, essa que nos converte a todos numa só coisa, como os legumes na sopa, todos juntos no caldo é algo importante, nutriente - a sopa - individualizados sabe a pouco, rende pouco, vale pouco.

E é esta questão fundamental que faz toda a diferença! Identidade, lhe adimitamos o plural como quer o Dr. Cristian Góes em sua louvável visão traçada na continuação da sua tese de doutoramento, que editada sob o título que atribuí a esse artigo, traz uma visão lúcida do Brasil, revelando o que faz o Brasil capenga, "o desprezo brasileiro da lusofonia", a falta de convicção de que seus valores podem conquistar o mundo, porque sua legitimidade reside na assumpção de sua identidade, essa identidade que é negra, trigueira, criola, índia, ruiva, cafuza, cariboca, mameluca, loura, cabocla, cabra, mulata, bastarda, e ademais lusitana, nesta língua que falamos, rica e bela, rude e plural, forte e pujante, legado maior que só quando tomada em sua totalidade mestiça, poderá nos dar nossa identidade plena, sem amputações ou exclusões. Poderá fazer-nos ver que o menininho de nariz chato do outro lado do vidro do restaurante, assim como o flanelinha pardo no sinal de trânsito, são tão irmãos nosso como o menino prodígio louro na orquestra de câmara, bem como o pós-graduando da melhor universidade brasileira, seja qual for sua cor. E o fio que tece essa irmandade é nossa língua, com seus meneios e traquejos, seus passes, suas voltas e volteios, com essa sua mágica fusca, morena, lusa, e cabocla, que é o nosso imenso legado, este que, quando for acalentado, dominará o mundo, esse mundo de meu Deus, assim como se deu com a música de "Jobim Akarore *, Jobim açu" como o quiz Aldir em sua "Querela", esta querela com a qual precisamos de acabar, para tornar visível a comunidade que somos, sem "desprezos", sem rejeições, sem equívocos ou medos, e sem que valorizemos o que não é nosso em detrimento do que é, para que nos tornemos visíveis, antes de tudo a nós mesmos, como nos ensina o Cristian em seu "A comunidade invisível".       





(*) Akarore: de Kreen Akarôre, os índios gigantes da Amazônia. 


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