O blog O Olho do Ogre é composto de artigos de opinião sobre economia, política e cidadania, artigos de interesse sobre assuntos diversos com uma visão sociológica, e poesia, posto que a vida se não for cantada, não presta pra nada. O autor. Após algum tempo muitas dessas crônicas passaram a ser publicadas em jornais e revistas portugueses e brasileiros, esporadicamente.
quinta-feira, 20 de abril de 2017
Revisitando Ema de Teresa Horta.
Ema é um nome trágico na literatura! Uma relação, uma pontuação, uma explicitação da incongruência existencial. Se fosse psicólogo desenvolveria aqui toda uma tese, e seria infeliz nesse proceder, porque veria conexões improváveis entre Emma Bovary e essa Ema que também é madame, mas sem apelido pelas artes e ofícios de Maria Teresa Horta, que diferentemente de Flaubert, não é Ema, a infeliz e assassina, Flaubert se confessou em Tribunal Emma Bovary, também infeliz e assassina como essa Ema, porém quem ela mata é a si mesmo, suicida, mulher na essência do tempo de subjugação, ser simbólico, ser paralelo numa esquizofrenia social machista onde desejos, gostos, preferências e intenções contam pouco, posto que numa sociedade salutar haveria espaço para todos, mas predominam espaços de exclusão, porque as Emas podem ser subtraídas de um contesto de representação, sendo anuláveis, sendo desprezíveis, até que se revoltem e matem.
Dentro de uma linha quase escolar, onde as mulheres são treinadas a vários níveis para aceitarem a subjugação, sendo o pior de todos os treinos o maternal, miséria recebida e transmitida em fé de ofício, gerando infelicidade, gerando assíncronias existências que só se resolvem com a morte ou com a sujeição plena, as Emas tornaram-se símbolos para além do literário, do realismo, do trágico, símbolos de uma temeridade: discordar do status quo!
Além de serem ambas adúlteras, signo marcado a ferrete para sua culpabilidade, as duas Emas, a de Maria Teresa Horta e a de Gustave Flaubert, divergem na interpretação de sua infelicidade por disparidade de temperamento, mas não fogem da repulsa social de seu tempo, que será a mesma de hoje ainda por incrível que pareça, e também com morte, seja com sangue a correr, seja com envenenamento, a solução lenta da ausência, da exclusão, seja com a vida-morte a que se sujeitam inúmeras Emas apetecidas por existirem como fêmeas da espécie, e nada mais; mas jamais por serem aceitas como mulher, no que possa representar essa condição à qual Teresa Horta dedicou sua vida para explicitar, e que Flaubert, num rasgo de criatividade literária inicial, cria, na trama da existência feminina, um escândalo de sua época, meados do XIX, e que se repete um século depois na pele de Teresa.
Poderá Teresa dizer que é Flaubert, não por esse ter sido Emma Bovary, mas porque teve a mesma pretensão literária de contestar seu tempo, e ambos consolidaram um tijolo na grande construção literária da sociedade, que pode ser também dita como a grande construção social da literatura, essa relação biunívoca entre a arte e a vida, que não se consagra em imitação, mas em pura interdependência intelectual, no que o termo explícita do espírito, esse que há por detrás de todas as coisas, e que faz delas sua manifestação, e que na mesma relação biunívoca é manifestação de todas as coisas, posto que tudo nos molda na mesma forja em que moldamos as coisas, e só pela aceitação e entendimento dessa relação deixaremos de ter Emas, e poderemos, eventualmente, descobrir sintonias de espírito a todos os níveis da sociedade, que permitam realizar os valores pelos quais postulam ao longo dos séculos gente com a visão, literária ou não, de Flaubert e Maria Teresa Horta.
Quanto mais tempo será mister para ultrapassarmos essa condição estreita das Emas que por enquanto ainda existem?
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