Eu falhei. 50 anos de luta para nada. Quando tomei consciência do problema tinha 14 anos, e sonhava com um mundo melhor. Havia recebido a herança das gerações anteriores, florestas grandiosas, oceanos belíssimos, praias para banhar-me, peixe bom para comer, ostras, crustáceos. Havia campos aos quais seguiam-se bosques, e rios caudalosos de águas cristalinas, cachoeiras e cascatas, flores de todos os matizes, frutos de todos os sabores, minúsculos seres, e árvores grandiosas, gigantes, algumas, às quais eram necessárias uma dúzia de pessoas, com os braços estendidos, para as abraçar.
Animais lindíssimos, pássaros inacreditáveis, que dançavam e cantavam sua canções, insetos em todas as cores e formatos, desde as belíssimas borboletas a esvoaçar pelas matas, aos fantásticos besouros com suas longas antenas, levantando inesperadamente seus élitros, e lançando-se num voo ligeiro e inédito em busca de outro poiso, e ainda os seus sons magníficos, em que tudo cantei em poesia, gabando-lhes a sinfonia, as cores, as formas, o brilho. Animais que seguem sua vida diária pelas árvores, pelo chão, pelo ar, nas águas e no céu, com sua graciosidade lisonjeira, faceiras manifestações de beleza e graça, que dá gosto ver.
Todo esse tesouro, o verdadeiro tesouro da Terra, com sua beleza e grandiosidade, que vive na diferença, na multiplicidade de suas formas e cores, na diversidade de sua manifestação, na infinidade de sua existência, legado maior do Éden, esse jardim que nos foi dado habitar, para logo o destruirmos. Sujamos tudo, emporcalhamos o Paraíso, matamos 68% dos animais, e consumimos quase três vezes os recursos [Experimente viver gastando 3 vezes o seu salário (recursos) e depois me diga onde você foi parar.]
Tudo que há pode ter expressão económica e se transformar em valor, transmutando a singeleza em moeda de troca, conspurcando o bem de todos em património de alguns, desgraça maior, perfídia absoluta, corrosão da alma, pois que a alma vive na plenitude de sua expressão como graça na manifestação de sua existência. É porque é, porque é bela, porque é presença, é magnificência, pelo só efeito de existir. Pois existir é quanto basta, e deveria por si só satisfazer todas as nossas necessidades, desde a da beleza, por ser bela, até a da acolhida, por nos abraçar no meio ambiente, nossa matriz.
Mas não foi assim, sujamos, destruímos, nos apossamos, donos de nada que somos, na ambição de possuir tudo o que vemos; e com isto envenenamos, matamos, arrasamos, arrancamos, queimamos, extinguimos, e eliminamos, nessa ânsia de voracidade e estupidez de quem possui por possuir, quando nada é nosso, como quem casa com uma bela mulher para torná-la feia, e que doce a torna ríspida, agressiva, pelo mau trato, quando a beleza e a doçura só subsistem em liberdade, esse dom absoluto que reveste todas as coisas na sua plenitude, e que a ganância e a estupidez aprisionam, amesquinham, desconcertam, estragam, conspurcam, aviltam, corrompem, e aniquilam.
Eu recebi o Paraíso, e o transformei em lixeira.
Essa é a conta que Vos dou de meu malfeito, de minha estupidez, da minha miséria e de minha incúria e desorientação. Lástima que não vale lastimar, desgraça que ao desgraçado atinge em absoluto, desmazelo sem remédio, que remediar é socorro que não carece o que é perfeito, só o que foi desgraçado por nossa estupidez que o malbaratou.
Sujamos as águas, matamos os bichos, envenenamos o ar, arrasamos as terras, queimamos as plantas, pusemos imundície em tudo, de tal forma que tudo se virou contra nós, desde a beleza que arrasamos, e não mais podemos contemplar, passando pela água que nos foi dada cristalina, e que agora temos de tratar, cada vez com mais químicos, para tirar sua sujeira, nossa podridão a emporcalha-la, para então a conseguirmos poder beber; até o clima que se virou contra nós, por tanto que o ofendemos e o atormentamos. A Natureza reage ao nosso malfeito, não por vingança, mãe generosa que é, mas por impossibilidade. Não mais pode suportar o descalabro da desgraça que lhe foi imposta. Ultrapassamos o limite de toda possibilidade, e temos nossa comida suja, nossa praia atulhada de lixo, nossa casa malbaratada, nossas vidas sob ameaça. E o mais inusitado é que quem nos ameaça somos nós mesmos, nós que incendiamos as florestas, nós que criamos um agente poluidor que se divide em pedaços infinitamente pequenos, que entra em tudo, invade desde nossos oceanos até nosso coração. Nós que sujamos o ar, nós que queimamos hidrocarbonetos de um passado longínquo, trazendo de novo a antiga desordem por falta de zelo. E com essas partículas que entram em nosso alimento, em nossas bebidas, em nós, estamos todos desgraçados. Uma vez que estão no nosso sangue e em toda a Natureza, destruindo-a e destruindo-nos.
Minha culpa é imensa, sem tamanho pelos males que cometi, pela desordem que espalhei, pelos transtornos que criei. Fui incapaz de impedir essa desgraça! Por mais que alertasse, por mais que tentasse fazer entender que não podiam fazer o que fazem, não fui capaz, falhei rotundamente, e no meu falhanço a desgraça de todas as pessoas e coisas vivas do mundo. Meu legado é a desgraça, e será a convulsão, esta situação de guerra a que levamos o Planeta, e os cataclismos que se apresentam, e mais ainda os que se apresentarão como reação a agressão que lhe fazemos, reação que nos poderá matar.
50 anos a dizer isto e ninguém me ouve, porque a madeira dava muito lucro, porque pensam que o pasto é melhor que a mata, porque pensam que qualquer lugar é lixeira, porque o petróleo dominou o mundo, e só a cupidez motiva, movimenta, e orienta toda gente. E como é muito mais fácil destruir uma floresta que criá-la, e como é infinitamente mais fácil sujar os mares que limpá-los, matar que prover vida, do que não somos capazes, segue a sanha destruidora. Sou um desgraçado que não convenci ninguém, não evitei nada, e o mal está feito. E por mais que uns se empenhem em consertar, muitos outros se empenham em destruir, ainda que vejam o precipício eminente, estão sempre dispostos a dar o seguinte passo para caírem abrupto.
Agora só nos resta rezar, a suplicar pela misericórdia divina. 'Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa'.
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