domingo, 1 de novembro de 2020

A língua portuguesa ao espelho, re-nata e rediviva.

 



Num artigo sobre a língua portuguesa, o ex-ministro da cultura Castro Mendes, elogia aos muitos criadores da língua, como ele que, poeta, percebem que o criar na nossa língua deve sempre ser priorizado em nossa expressão, ou seja para nós seus cultores, e busca também analisar as diversas vertentes e manifestações do alargamento do espectro de sua realização sentimental, como elementos de expressão das distintas sensibilidades. Enfatizando as diversas vocalizações e contribuições, como a de Guimarães Rosa, precursora, que deu voz aos caboclos e sertanejos.   

Onde fica implícito no limiar de sua manifestação endógena, através tanto de sua percepção autônoma, como no da exógena, que demarcam fronteiras bem distintas que não são de nenhum modo confluentes, nem apresentam nenhuma analogia.

A Afirmação irrefletida em que vê analogia onde não pode haver, posto que o sentido de pertença transforma a experiência em algo tão distinto quando esta é em português. É o equívoco do Dr. Castro Mendes expresso nestes termos:

"Aquilo que nos traz de enriquecedor ver a nossa língua a partir de uma outra é, de outro modo, análogo ao que nos proporciona ver a mesma língua através das diferentes culturas que ela exprime."

                                                                    Luís Felipe Castro Mendes. DN 28/10/20

Sendo, como tenho tentado expressar nas minhas crônicas, n'O Olho do Ogre e mais, a ideia é exatamente ter uma perspectiva distinta de quem relata o que viu, porém buscando ser uma experiência inclusiva, onde o autor participa da cena, como se a visse através de um espelho onde ele está incluído nela, o que subalterniza qualquer outra apreciação. Deste mesmo modo temos uma totalmente diversa visão de nosso idioma quando o olhamos desde uma outra língua, ou quando o fazemos dela mesma noutro registro, o de uma outra cultura que nela se exprima. São sensações e entendimentos muito distintos, podendo ser mesmo antagônicos.   

A visão ou percepção que resulta das duas experiências é de tal sorte distinta em cada caso, que é como se estivéssemos vendo alguém de quem apenas ouvimos falar, numa hipótese, após tantos anos de procura, ou estivéssemos vendo a um irmão nosso que por fim reencontramos, noutra. Nele reconhecemos traços, jeitos e trejeitos, formas e normas, modos e remordos, que sendo outros, são nossos, que, a nos espantar, nos completam e finalizam, muito além de apenas nos enriquecer. Ao espelho a imagem está invertida, é verdade, mas é a mesma, numa fotografia tirada algures, a imagem é outra, ainda que sempre possa admitir infinitas comparações.

Este sentimento mágico de sermos outros sendo nós mesmos, só o teatro é capaz de proporcionar tanto aos atores quanto aos espectadores que o vivam tão intensamente na transliteração sentimental que consigam fazer, ou mais intensamente ainda na transubstanciação do próprio sentimento em nós. E a perspectiva que daí resulta é de tal modo única e absoluta, que não admite termos de comparação, e nos faz renascer em todo o panorama e em cada uma das representações que este apresente, fazendo-nos reviver em cada uma delas o que já havia em nós, porém recriando perspectivas idênticas e diversas ao mesmo tempo, posto que aí estamos, seja em que diapasão for, em casa, nesta nossa pátria, a língua portuguesa.


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