segunda-feira, 27 de junho de 2016

A portugalidade: comemorando 7 Séculos de uma forma de ser.







Sou  brasileiro, como a maioria de meus leitores sabe, entretanto já se vão completar duas décadas que encalhei em Portugal, adorável encalhe no mar da língua, numa praia ensolarada duma Europa cinzenta, linda praia ocidental que os lusitanos, depois tão modificados, forjaram o território que os forjava, com sua claridade, com as amenidades do clima, com a pujança agrícola, com as características do meio, com bom e abundante peixe, alguma presença africana no ar, vinda do outro lado do canal, boca do mar do meio da terra, que os romanos dominaram tanto que o chamaram deles, eles que nos deram esta língua mítica e complicada na qual me expresso facilmente, mas que a maioria dos que vêm a tê-la como segunda encontram enorme dificuldade em entendê-la. Apesar das muitas capas a alma celta e cônica, romance galego barbarizado, perdura nessa"Última flor do Lacio, inculta e bela..." como a queria Bilac, ganga impura,  ouro acrisolado de fojos remotos que herdei, esplendor realizado, amálgama de perdido cadinho partido, que não forjará outra tão bela outra vez.

No entanto só existe como verdade autônoma e partilhada essa riqueza vernácula, porque o povo bravio que a falava quis ser senhor de si mesmo e um rei guerreiro realizou o sonho. No entanto é ainda sonho que só se individualiza, deixando o galaico, livrando-se do castelhano que devorava o leonês, assumindo uma literatura, uma identidade, e, pleonasticamente, uma narrativa sua de si mesmo. Oficializada em 1297 por D. Dinis que, ilustrado, entendeu a importância do idioma para ter uma nação, mas é pouco depois, ainda não se tinham passado duas décadas, quando este mesmo rei da dinastia Borgonhesa, o poeta, o trovador medieval, que ainda quase reinará outra década, e que terá suas cantigas recolhidas, junto das de seus avós, Alfonso X e Sancho i, no livro perdido na qual as reune D.Pedro, seu primogênito bastardo, Conde de Barcelos, também trovador, que chega até nós nas suas cópias prováveis, os Cancioneiros da Vaticana e o da Biblioteca Nacional e de sua cópia muito posterior na 'Bancroft Library' que viu aos dois para os copiar, como, ninguém sabe (1).

Começa a gesta portuguesa neste 1316,  a espanhola e do princípio do século anterior c.1200, com "la canción del mio Cid", porém ambas começam sob a forma de poesia.

Pois o que comemoramos agora neste 2016 é o sétimo centenário da literatura portuguesa que começa com essas cantigas. E o que pode mais conter a  maneira de ser e estar de um povo que sua literatura?






(1) O da BN, também conhecido como Colocci-Brancuti, é de 1525/6, o da Bancroft de 1600, e o da Vaticana também 1525, terá sido copiado à mesma época do da BN. O original de D. Pedro é do primeiro quartel do XIV, e as 1205 canções do XIII e princípio do XIV.  O da Ajuda também será posterior ao de D. Pedro, e foi escrito em gótico.


Sem comentários:

Enviar um comentário