O blog O Olho do Ogre é composto de artigos de opinião sobre economia, política e cidadania, artigos de interesse sobre assuntos diversos com uma visão sociológica, e poesia, posto que a vida se não for cantada, não presta pra nada. O autor. Após algum tempo muitas dessas crônicas passaram a ser publicadas em jornais e revistas portugueses e brasileiros, esporadicamente.
domingo, 5 de novembro de 2017
Terrível retrato do Brasil.
Recebo o New Yorker onde esta estampada uma foto do Deputado Bolsonaro, esse equívoco político-eleitoral, e a informação terrível de que a cada dez minutos uma pessoa é assassinada no Brasil e ainda mais uma além dessas para perfazer o total de sete por hora que são 168 (175) por dia e os 60.000 anuais de que nos fala a manchete do New Yorker, esse descalabro que por si só é um susto, um absurdo, números de guerra, e uma incompatibilidade com a ordem, a democracia e a justiça, pilares de um país que se queira decente, uma falência do Estado de Direito, como nas guerras. E o Brasil está em guerra com o que?
Recebo também, alguns dias depois, a informação de que o Movimento dos Sem Terra estaria a apoiar Bolsonaro em uma eventual candidatura a presidente. E aqui devo em breves linhas dizer quem é Bolsonaro, para os meus leitores de outros países, que não o Brasil, que desconhecem a figura. É um deputado federal que repetidamente se elegeu sob o lema : "Bandido bom é bandido morto." acirrando para uma extrema a necessidade absoluta de combate ao banditismo, que tem se institucionalizado no Brasil, no sentido de evidenciar sua intolerância com a situação, intolerância que é de todos nós, mas a diferença é que não advogamos nem a morte, nem uma ação excessiva da polícia, ou a atribuição de poderes excepcionais, a quem quer que seja, para o combate ao crime. Fato é que os números que divulga o New Yorker, são uma anormalidade que põem em causa a primeira função do Estado, e também a segunda, a saber, proteger os seus habitantes, e administrar Justiça, o que evidencia a falência do Estado brasileiro em suas funções mais básicas, e estabelece uma situação de farwest, para sermos ligeiros na denominação do estado calamitoso a que chegou o Brasil. O deputado Bolsonaro numa sucessão insistente de sua propaganda eleitoral, e na divulgação de suas ideias, radicaliza as soluções, ganhando visibilidade à conta disto; que essa emergência do deputado se verificasse como uma radicalização perseguida pela parte doente do Brasil, que, não entendendo o que verdadeiramente é solução para esse atrito social que degenera em mortes e assassinatos, os mais cruéis, escolhe um desvio degenerado como solução, como tantos defendem a ditadura e outras a repressão brutal, em vez da solução que bem sabemos ser uma política de ascensão social, para que todos possam pertencer a uma classe social mais elevada (e essa ascensão dá-se com educação de qualidade, emprego em quantidade, salários com remuneratórios justos, presença do estado na saúde, na formação de carreiras, nos transportes, etc...) permitindo destarte que se formem indivíduos com cidadania plena, e não parias sociais, excluídos marginais como se formaram aos milhões no Brasil. O Lula mostrou bem com sua governação como se reverte o processo de exclusão, e como se formam cidadãos. Não podendo lutar contra todos os interesses instalados, Lula, decerto, não resolveu o problema dos sem terra, esses que agora dizendo-se cansados entregam-se a Bolsonaro. Esquecem-se que o que mexe a política é o fundo ideológico que a conforma, e que há, mesmo para além de posições de interesse eleitoral, nesse fundo, toda a motivação que divide as pessoas, por isso chamamos a sua organização em grupos, de partidos. E o fato é que a extrema direita, a qual o sr. Bolsonaro pertence, poderá assumir papéis da esquerda, como a suposta defesa da Reforma Agrária, ambição já centenária num Brasil com problemas que se acumulam, e que levaram a radicalização e à formação do MST, que agora, declarando-se cansado de aguardar uma solução, abraça todas as reversões da política, apoiando ao deputado Bolsonaro. É uma solução de absurdo, filha do desespero, posto que desespera quem espera, posto que este assumirá, estes assumirão esta faceta, este aspecto de pretensa salvação, só para pôr as mão no poder, revertendo papéis claros, criando ambiente onde é tudo ilusório, meramente político, falso, um jogo de sombras.
A conclusão desses números é só uma, esse Brasil do desgoverno, da falência do estado de Direito, que vivemos hoje, é indecente, ou seja indecoroso, obsceno, desonesto. E devemos nos fixar nesse último sinônimo, desonesto, e nos questionarmos COM QUEM É DESONESTO? E a resposta é uma generalização, como se todos estivessem a enganar todos. Uma reversão da ordem das coisas que permite que alguns acreditem que irão encontrara a solução na radicalização, que a terra se consegue invadindo a terra alheia, que a 'vida' se consegue com a morte do próximo. Essa inversão dos valores é que levou o Brasil a essa situação de calamidade pública em que se encontra. E, infelizmente bem o sabemos pelos exemplos históricos, que em situação de calamidade pública tudo pode acontecer, que com as radicalizações formam-se, às vezes até se institucionalizam, reversões da ordem como solução mágica a querer criar ordem, esta que todos desejam, em sendo justa e, acrescento eu, em sendo democrática, pois bem sabemos aonde nos levam os regimes de força. Lembremos que a Revolução Francesa degenerou na guilhotina e formou um Império para depois voltar ao que era antes, aos mesmos Luíses. Que a Revolução Bolchevique (Russa) degenerou no stalinismo de 60 milhões de mortos, para termos um czar outra vez em Moscou chamado Putin, voltando ao capitalismo mais selvagem, isso para só citarmos dois exemplos.
E essa desonestidade, que se propalou pelo Brasil fora, é inquietante porque quer enganar-se a si mesma, como o MST a escolher Bolsonaro, e mais grave nisso tudo é a reorganização paralela ao Estado que essa mesma desonestidade permitiu com a formação de grupos de extermínio e toda uma cultura de terror, sim de terror, que é a existência de uma milícia, uma grande quantidade de forças para-estatais que atuam livremente, e efetivamente impondo ordem alheia ao interesse geral da cidadania. E se tem como reflexo, sendo também reflexo por si mesma, temos aí dois espelhos um na frente do outro, com uma situação dos seus representantes políticos, como os degenerados que são, como a representar uma degenerescência, como a configuração final, fatal, da subversão de valores traduzida no seu ápice, reflexos de reflexos. É como se tudo e todos os assassinos, os ladrões, os contraventores estivessem justificados, posto que fazem o que faz a alta esfera do poder e seus representantes eleitos. ROUBAM! MATAM! TRAFICAM! (traficam influência e não só!)
Generalizou-se essa situação no Brasil, de tal ordem que o povo passou a desejar a transformação de um poder mais efetivo, o judiciário, no poder de regulação e atuação, tomando o lugar do executivo, do governo, e quase também do legislativo, entregue a uma maioria corrupta e negocista, que para além de todas as medidas só vê seus interesses como se não houvesse amanhã, distorcendo assim todo o edifício longamente construído das instituições. É plenamente compreensível o desespero em que se encontra um cidadão, sem nada poder fazer, vendo tudo corrompido, vendo tudo infectado, vendo a falta de vergonha dos que o representa, vendo o roubo e a corrupção imperarem sem máscaras, ou cujas máscaras são reveladas e expostas pelo terceiro poder que na medida do possível e até do impossível, o judiciário vem tentando por cobro aos descalabros de toda ordem que se verificaram no Brasil, muitas vezes com excesso. O Brasil está em guerra consigo mesmo, obviamente não poderá ganhar. Se ganha, perde.
Sei o quão difícil é clamar por ordem em meio ao caos, sei perfeitamente que as velhas soluções de compromisso (o método democrático eleitoral é uma solução de compromisso) parecem gastas, sei que desejar eleições parece dizer: 'É tirar um ladrão para botar outro.' Sei que tudo parece muito confuso e sem caminho, mas sei também que os caminhos de exceção não são caminho algum. E uma existência abjeta, por tudo que representa, como o sr. Bolsonaro é o último que se possa desejar, sendo uma hipótese não aceitável, porque não se pode desejar o absurdo, ainda que ele, muitas vezes, nos pareça apetecível.
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