Com uma letra muito regular, indicadora de sua fluência cultural, com raros erros ou enganos, com uma lógica vernácula onde transpira conhecimentos muito para além dos de seu país, expressa-se em inglês, idioma de múltiplas faces, que exige um certo rigor na linha de expressão para ser rico, e a linha que Mandela percorre revela sua riqueza vernácula, mesmo em textos íntimos como são estes a que tive acesso, escritos à sua amada, e na pior e mais cruel situação que um homem se pode encontrar, preso injustamente, sem sentença definida, ou seja por tempo indeterminado. Nada lhe rouba a paz de espírito, nada lhe subtrai a serenidade altiva e consciente, as cartas revelam a face de um homem muito para além de sua condição.
São cartas a Winnie, a enfermeira com quem era casado, e a quem depois o sucesso sobe a cabeça, julgando-se mais importante que Nelson Mandela, perdendo a visão ajustada de sua importância relativa, e da grandiosidade humilde do homem com quem vivera. A serenidade revelada por Nelson Mandela como se visse o que o futuro lhe reservava, como se soubesse que viria a ser um grande nome da história mundial, sem hesitações, sem dúvidas, sem ódios e sem rancores, desde sempre, como que numa preparação consciente e volitiva do porvir que lhe aguardava, para acabar com os ódios e as misérias de seu país, a África do Sul dominada por rancores que a dividiam e geravam radicalização irracional, a pior delas, a racial, onde se odeia só pela cor da pele, maior estupidez impossível. Em nenhum momento Mandela deixa-se influenciar, nunca se deixa envolver por essa avalanche de ódio que dominava seu país, a mesma que o havia posto na prisão de onde escreve essas cartas, e onde jamais perde a tolerância e a sua capacidade de perdão, a interlocutora certamente não o compreendia, e procurava incita-lo ao ódio, mas com a serenidade verdadeira da convicção, nunca se afasta do perdão, sentimento maior que cria, que gera, que revoluciona, como o do padre de Victor Hugo nos Miseráveis que com seu perdão transforma definitivamente Jean Valjan, o perdão de Mandela vai transformar um país inteiro.
As cartas são uma revelação, uma água clara onde transparece a personalidade de um homem que conforma seu caminho sem hesitações, sem dúvidas, e, o mais importante, sem rancores, que confronta seu destino, não se perdendo no acessório. Como Príncipe que era (Não se esqueçam que Mandela nasceu príncipe da Suazilândia.) e como jurista (advogado) entendia perfeitamente que a autoridade só poderia vir de um valor moral, ético, sem mácula, e todo confronto, todo ódio é mácula indelével, portanto vai construindo na prisão esta superioridade moral que o distinguirá de todos, mas com afabilidade, com proximidade, com calor humano, para nunca perder o rumo da fraternidade, único valor humano que importa na relação com outro ser humano, posto que com esse valor em abundância se conformará o tripé que soergue uma sociedade justa e de princípios, como o pensamento revolucionário francês já o evidenciara, e que Mandela na sua busca concretiza absolutamente para legar os outros dois, essência que sustenta o que é hoje a África do Sul que criou.
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