O blog O Olho do Ogre é composto de artigos de opinião sobre economia, política e cidadania, artigos de interesse sobre assuntos diversos com uma visão sociológica, e poesia, posto que a vida se não for cantada, não presta pra nada. O autor. Após algum tempo muitas dessas crônicas passaram a ser publicadas em jornais e revistas portugueses e brasileiros, esporadicamente.
sábado, 31 de março de 2018
A nota social, a cidadania e a liberdade.
Dependendo da nota social, você pode, ou não pode fazer certas coisas, agora é assim na China. Mas o que é a nota social? É uma classificação que o posiciona na sociedade chinesa, se você contribui ou não para a sociedade, e dependendo disso, você tem direitos ou não. Coisas como poder viajar, andar de avião ou trem, estarão sujeitas a sua nota social, na China, por enquanto.
Essa ideia que começa a ser testada no país com maior população do planeta, logo uma ideia muito abrangente, que irá afetar muita gente, e é como foi despirem as roupas iguais do auge do comunismo chinês, para vestirem diversificados uniformes. Faço esta comparação porque lembrando que para a economia crescer, a China atravessou um período onde todos se vestiam com o mesmo tecido, da mesma qualidade, da mesma cor, desde o presidente Mao, até o mais pobre agricultor do mais remoto e interior lugarejo do país. Ecologicamente a ideia é maravilhosa, porque elimina os custos ecológicos, para além dos econômicos, porque estes últimos, afinal, acabam por se re-financiarem, mas os ecológicos, o impacto de diferentes tecidos, diversas tintagens, múltiplas estampagens, que criam enorme custo ecológico, poluindo, usando múltiplos recursos, esses estiveram eliminados por muitos anos na China por razões de ordem econômicas e sociais, numa China comunista, como todos eram iguais, todos se vestiam igual, é essa ideia que ficou incutida, e entesourada em valores que o partido comunista que hoje dirige um país capitalista terá preservado, e penso mesmo que acarinhou ao longo de todo esse tempo, para agora relançá-la, mas com as distorções de uma economia que não é peixe, nem carne, e com a despótica intenção de escalonar as pessoas numa pirâmide equívoca. Ou seja, numa China capitalista e comunista ao mesmo tempo, todos deixam de ser iguais, mas todos têm um valor determinável que em desigualdade deve ser medido, e é isso a nota social, uma aferição de seu valor como cidadão, diferenciando o igual e igualando o não diferenciável, gerando almas submersas, afogadas, em que este valor lhes conferirá direitos, ou não.
Essa absoluta distorção da verdade comunista, com a perfeita instituição da luta de classes, onde aí, numa vertente capitalista, você, pelo seu "valor" (o que lhes atribui) e este estará associado ao dinheiro evidentemente, pois seu "valor" determinará suas possibilidades, e isto será etiquetar todo mundo, é com isso criar cidadãos de 1ª, de, 2ª, de 3ª de 4ª e assim por diante numa eliminação da ideia de justiça, sobretudo justiça social, onde todos são iguais perante a lei, e também da ideia de comunismo onde todos são iguais mesmo, para o bem ou para o mal, socialmente falando, partindo dessas ideias chegaram ao absurdo da inversão total de "valores" porque todos são iguais na diferença, e seus valores, esses sem aspas, estão associados a essa multiplicidade social que dá características de uma tonalidade a uns para dar de outra a outros, não os tornando melhores nem piores por isso, nem mais valorosos nem menos, nem com mais direitos, pois perante a Lei há igualdade, este o grande contributo grego para a civilização que nos foi legado, e que vemos no cilindro de Ciro, o rei persa, que em 538 a. C já o consagrava, seguindo a tradição babilônica de Urukagina, de Lagash, de vinte século antes, e que Hamurabi e seu código no século XVIII a. C também já o fizera, e que mais para nossos dias a Revolução Francesa também consagrou em agosto de 1789, e as Nações Unidas em dezembro de 1948 tornou esses princípios num Direito Universal em nossos dias. Aristoteles, Arquimedes, Demócrito de Abdera, ou Sócrates, nunca teriam existido numa China com nota social, pois seriam considerados uns vadios, não seriam pesquisadores nem filósofos do Estado, nem professores numa Universidade, vagueariam sem maior objetivo que pensar nas coisas, seu imenso legado de saber que nos deixaram, sem nota social Demócrito nunca teria chegado a Abdera, Arquimedes não poderia ter viajado ao Oriente, e Aristoteles e Sócrates seriam presos como inimigos do Estado. Se algum idiota destrambelhado em tempos idos tivesse entendido que cada um vale o que tem, ou vale por seu contributo social em trabalho visível, que é uma forma igualitária de dizer o mesmo, estabelecendo outros valores filosóficos, jurídicos e políticos para nosso mundo, talvez nossa civilização se já tivesse acabado à conta da injustiça generalizada que se teria instalado. Nada mais estúpido e injusto pode haver. Abaixo a nota social! E a China não poderá mais permanecer na ONU porque desrespeita os Direitos do Homem que a ONU e nós todos defendemos.
As restrições a liberdade, a perda de cidadania, ou sua gradação, coisa que o maldito dinheiro faz a todo momento em nossa sociedade, mas de forma dissimulada, e que a justiça como corpo de estruturação social combate como âncora firme da igualdade na diferença, e não da diferença na igualdade, onde as pessoas possam ser classificadas por um ideia etérea de justiça social, onde todos devam contribuir, e de forma desigual, com o que todos nós concordamos, e que é mesmo a base do nosso sistema de contribuições, o IRS, mas que não retira nem dá direitos a ninguém, retira-lhes o dinheiro, que são possibilidades, não são direitos, se você não tem dinheiro para comprar uma casa com piscina para se refrescar no calor, é uma impossibilidade sua, mas não um direito que lhe seja atribuído ou negado, negar ou permitir a alguém o que quer que seja, é outra coisa, noutra esfera, a da justiça, e a classificação social gera injustiça apenas.
Entender tudo isso como o mesmo, estabelecendo gradações sociais à conta de notação, ou seja atribuir valores a cada um, é uma injustiça que nem nos tempos mais sombrios se perpetrou. Nem na dita idade média, época que quando havia convulsões todos estavam obrigados a seus senhores, e punham suas vidas a serviço dos interesses desses senhores, pois quando nessa época se lançava algum projeto, a construção de um edifício público por exemplo, todos contribuíam com o que podia cada um, e em alguns prédios está mesmo escrito que a obra foi feita com dinheiro dos fieis (esmolas e ofertas) e a ajuda (trabalho) dos pobres, ou seja os que não tinham 'valores meteriais' a ofertar, ofereciam seu trabalho, sua mão d'obra, ou seja, eram todos válidos, com a nota social da sua possibilidade inclusiva, mas se algum destes quisesse ir embora, quisesse não trabalhar, ou algo assim, nada lhe acontecia, pois a impossibilidade exclusiva sempre foi direito inalienável, e os que não queriam, por apenas não querer participar, se excluíam e pronto.
A nota social exclusiva é que é a maior ignomínia, a maior mancha social, a maior pecha, a degradação final da condição humana, ao restringir essa condição alegadamente por não contribuir para o todo, retirando direitos ao indivíduo em função disto, essa notação de dar nota é diminuí-lo, é apodá-lo, é escravizá-lo, restringindo sua liberdade, e na de cada um a de todos, retirando direitos inalienáveis e sagrados inerentes à pessoa, estabelecendo a mesquinhez suprema, a suprema miséria, a maior que pode envolver a condição humana.
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