Já não poderei certamente ligar para a Soraya na Gulbenkian, nem para Vence na Provença, destinos de sua matéria, com quem tanto me aprazia estar, velório nos Jerónimos, missa, exéquias, funeral a São Pedro, mas o terei sempre próximo em sua sabedoria, vertida em muitas águas, lustrais todas elas, onde banhou-se e nadou, tendo esbracejado muito nas brasileiras, e flutuado nas francesas, com a sabedoria transbordante de suas páginas imortais, logo eternas, e sempre disponíveis. Agora nos irá contar com é a morte, contraponto de si mesmo, pessoa Pessoísta congruente, não falhará!.
Fica aqui o poema mal amanhado que a notícia de sua morte me arrancou, mas devo dizer como diria Twain, esta é uma notícia "manifestamente exagerada".
Seca-se o rio
Onde se Guarda toda virtude
Espera-o São Pedro
Ele terá todas as chaves
Abrirá todas as portas
Outros mundos, outras realidades
Para Eduardo desvendar.
Rio nosso
Em que nos banhamos largamente
Cujas águas derramaram-se pela Europa
Sua Europa refundida, recomposta
Da Beira ao infinito
Acendeu a luz
Nada pode ser mais bonito
E é nesta luz que sempre viverá!
Não se apaga a luz, extingui-se a vela. Fica uma luz fulgurante que as pessoas não viam, não sabiam, não se davam conta, só por ouvirem falar, ou pela sua discrição e timidez, mas sua presença arrebatava nas palavras mansamente candentes, e quem ler um texto seu, e tiver apreciação literária, render-se-á ao poder desta palavra serena e complexa, leve, robusta e elegante, de uma limpeza e claridade mais que raras, na verdade inigualáveis, e essa claridade não se apaga, fica como limiar, objetivo, endereço, fim e destino, porque escrever como Eduardo Lourenço em português, muitos poucos. A graça, o redondo, a força e a pujança de seu texto banhado na compreensão larga, universal, das coisas mais labirínticas, algumas que só ele via, e nos vinha contar, ensinando de certa forma o imponderável, o invisível que só ele percebera, suavemente penetrando o incognoscível, que só a ele revelava-se; e com sua graça única, sua mordacidade fulgurante, sua ironia calma, seu sentido de humor, que da tona ás mais inatingíveis profundezas, incorporava crítico o todo, posto que nada lhe escapava, na argúcia doce de pensar o impensável, na intensidade cáustica e suave de perceber o imperceptível, na visão longínqua e sintética, simples e lúcida, como ele mesmo o era, universal e peculiar de alcançar o inalcançável, que uma vez explicado era tão certo e compreensível em sua simplicidade humilde, lúcida, e sincera, que espantava, encantava e deleitava a todos que o puderam conhecer em carne e ossos, realidade que a partir de hoje se torna impossível, mas burlada toda impossibilidade ele está aqui conosco, agora e sempre, permanentemente em sua palavra vivaz.
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