As dívidas têm uma estranha natureza, são autofágicas, e, alimentando-se de si mesmas, nunca param de crescer, salvo se pagas com os excedentes de quem as toma. Só um aumento forte do produto poderá quebrar este círculo vicioso que se estabelece entre as dívidas e os seus custos financeiros, quando, não havendo geração de riqueza que os cubra, irão traduzir-se em mais dívidas, aumentando o bolo das dívidas, que irão fazer, por sua vez, com que os seus custos cresçam, consolidando sempre números cada vez maiores em dívidas, até que haja, como disse, aumento da riqueza que irão pagar a totalidade dos custos da dívida e parte do principal, poderá, então, inverter-se o processo autofágico instalado, dando-lhes de comer carne fresca e cortando e interrompendo seu processo de auto alimentação.
Este processo é natural na imensa maioria dos casos porque o nível de endividamento, sobretudo para quem tem juízo, nunca ultrapassa níveis em que o tomador do empréstimo possa solvê-lo, até porque os que emprestam, muito preocupados em receber seus dinheiros, trabalham atenta e solidamente com margens muito credíveis de solubilidade dos tomadores, portanto quase sempre estas têm solução. E, por outro lado, torna-se também perfeitamente natural a realimentação destas mesmas dívidas quando seus limites de solubilidade são ultrapassados. Esta é a razão porque ninguém empresta sem garantias, porque quem empresta quer reaver seu dinheiro com os interesses incidentes sobre ele, e a única forma de garantir este recebimento é estabelecer parâmetros para cada tomador, se não fosse assim toda gente moraria em palácios, só teriam carros topo de gama e possuiriam as mais caras coleções de arte e joalheria, pois que o dinheiro que estas coisas custam estaria acessível a qualquer um, e, como sabemos, não é assim.
Com os países a história é a mesma, só que as garantias pedidas não são uma hipoteca, mas uma série de medidas que irão configurar a solvência deste país, segundo os critérios daqueles que têm o dinheiro e se disponibilizam a emprestá-lo. A única forma de fugir a estas regras é recorrer aos mercados com emissão de títulos, desde que estes acreditem em sua solubilidade por razões e condições que os façam crer, e adquirir estes títulos emitidos. Neste último caso a única responsabilidade dos níveis de endividamento, compatibilizando-os com seu nível de solubilidade, é do tomador, que, pelo seu historial e pela sua continua capacidade em pagar foi se firmando como solvente. E evidentemente como quem se financia o deverá fazer tão somente para crescer e gerar riqueza, destarte se habilitando a pagar com parte da riqueza gerada o montante que foi tomado acrescidos dos custos financeiros que lhes estão implícitos, quem o faz por outras razões corre o risco de falir. Toda e qualquer outra pretensão ou expectativa é pura ilusão, e quem fizer empréstimos subordinados a estes outros critérios, pode ter certeza que não os conseguirá pagar, se os conseguir contrair, salvo se entrementes surgirem fatores exteriores que alterem as condições do tomador -por exemplo se este descobrir uma mina de diamantes rica e produtiva- nas condições normais só resta ao tomador crescer, enriquecer, gerar riqueza que lhe permita ter excedentes que vão lhe permitindo pagar as dívidas e seus custos. Tudo o mais são ilusões, ou boas intenções, e nós bem conhecemos aonde nos levam tanto umas como outras.
Todos aqueles que se iludem que vão conseguir pagar e receber, portanto emprestando e tomando, com as transações que neste âmbito forem feitas, são igualmente culpados, e o são porque sabem que se excederam. Entretanto de ilusão também se vive, criando-se ilusões de possibilidade podemos ter lucro por algum tempo, para depois transferir estes riscos a terceiros, uma vez que sejamos credíveis os mercados engolem. O tomador como não tem jeito ou para onde se virar, participa da ilusão (vamos manter a palavra para sermos gentis) para ver até onde consegue chegar, ou se entretanto descobre mesmo a tal mina de diamantes que o possa salvar da insolvência.
Sem comentários:
Enviar um comentário