quarta-feira, 16 de agosto de 2017

CARLOS DRUMOND DE ANDRADE amanhã.




                                                                                           “Quando nasci, um anjo torto
                                                                                        desses que vivem na sombra
                                                                                       disse: Vai, Carlos! Ser ‘gauche’ na vida.”
-                                                                                                 Carlos Drummond de Andrade, do poema "Sete Faces"/in: Alguma Poesia, 1930.


1986 - Estava organizando o Jornal de campanha do Darcy Ribeiro, candidato ao Governo do Estado do Rio de Janeiro pelo PDT que havíamos fundado, e a ideia era por os principais apoios de personalidades ao Darcy nas páginas do meio do jornal com suas respectivas assinaturas, dando assim um caráter pessoal. Faltavam algumas, entre elas a do Carlos Drumond de Andrade, telefono para a casa do Drumond para solicitar o grafismo, alguém atende, pergunto se posso falar com o Carlos Drumond, ele vem ao telefone, explico quem sou e do que se trata, ele pede para aguardar um momento, passado longo intervalo vem ao telefone D. Dolores e diz que o Drumond não irá participar, eu a informo que tenho em mãos uma carta de apoio de próprio punho do Drumond, ela diz que ele mudou de ideia, eu afirmo que minutos antes ele havia confirmado seu apoio e que fora ver a melhor forma de fazer chegar o grafismo da assinatura.Ela diz que se  publicarmos o apoio irá para os jornais o negando. Encerro a conversa.

Tive também, por essa época, a oportunidade de conhecer D. Lygia que era vizinha duma amiga minha na Urca, e que era amante de Drumond, na verdade era seu grande amor, ainda que tenha tido outros, uma mulher bonita D. Lygia, liguei para a minha amiga pedindo que falasse com sua vizinha, e contornasse a dificuldade de acesso a casa de Drumond, bloqueio cerrado de D. Dolores, lembro-me de ter ido até o 60 da Conselheiro Lafayete, mas nunca cheguei ao sétimo andar, Drumond desceu e disse que era melhor eu deixar pra lá. Fiz assim, já tinha até tentado contactar a Maria Julieta, mas deixei para lá. Porém vem-me a cabeça a afirmação: "Que triste são as coisas consideradas sem ênfase." Sim as palavras próprias de Drumond, o ideal versus a mesquinhez da vida, talvez a luta diária de Drumond, na alma, no corpo e, agora sabia, em seu dia-a-dia.

Deixo-vos a poesia toda:
                                          "Preso à minha classe e a algumas roupas,Vou de branco pela rua cinzenta.

Melancolias, mercadorias espreitam-me.

Devo seguir até o enjôo? Posso, sem armas, revoltar-me'?

Olhos sujos no relógio da torre:

Não, o tempo não chegou de completa justiça.

O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.

O tempo pobre, o poeta pobrefundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.

Sob a pele das palavras há cifras e códigos.

O sol consola os doentes e não os renova.As coisas.

Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.

Quarenta anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado.

Nenhuma carta escrita nem recebida.

Todos os homens voltam para casa.

Estão menos livres mas levam jornaise soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?

Tomei parte em muitos, outros escondi.

Alguns achei belos, foram publicados.

Crimes suaves, que ajudam a viver.

Ração diária de erro, distribuída em casa.

Os ferozes padeiros do mal.Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.

Ao menino de 1918 chamavam anarquista.

Porém meu ódio é o melhor de mim.

Com ele me salvo e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio, paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia.

Mas é uma flor.

Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio."

 Talvez esperemos todos que nasça uma flor no asfalto . . .

    

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