sábado, 4 de janeiro de 2020

Das tolices que somos obrigados a ouvir.







                                                                                             Há muitas tolices.

A Dra. Clara Ferreira Alves na primeira edição do Eixo do mal deste ano de 2020, nos brindou com uma grande, que não posso e não devo deixar passar, como faço tantas vezes.

Nesta edição do eixo, diz a Dra. Clara verbis: "Isso os brasileiros não conseguem fazer" dizendo ser uma coisa "nossa" a referência jocosa do Jornal de Coimbra à falta de luz que ouve, nos seguintes termos: "Faltou ontem a luz na rua Visconde da mesma..." quanto desconhecimento, para evitarmos aquela palavra que descreve bem ao conhecimento apoucado de uma pessoa.

Cara Dra. Clara, sugiro a deliciosa leitura dos jornais brasileiros do segundo Império, ou os do início da República, e em especial, já no século XX, o de um génio mordaz que se chamava Aporeli, em seu delirante A Manha, inclusive com suplemento português, para que venha a ter a mínima noção do que os brasileiros conseguem fazer com a língua comum às nossas duas pátrias. Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o Barão de Itararé, a batalha que nunca houve, de quem deixo alguma de suas frases memoráveis, para Vosssa ilustração:

"O que se leva desta vida é a vida que a gente leva.


A criança diz o que faz, o velho diz o que fez e o idiota o que vai fazer.
Os homens nascem iguais, mas no dia seguinte já são diferentes.
Dizes-me com quem andas e eu te direi se vou contigo.
A forca é o mais desagradável dos instrumentos de corda.
Sábio é o homem que chega a ter consciência da sua ignorância.
Não é triste mudar de ideias, triste é não ter ideias para mudar.
Mantenha a cabeça fria, se quiser ideias frescas.
O tambor faz muito barulho, mas é vazio por dentro.
Genro é um homem casado com uma mulher cuja mãe se mete em tudo.
Neurastenia é doença de gente rica. Pobre neurastênico é malcriado.
De onde menos se espera, daí é que não sai nada.
Quem empresta, adeus.
Pobre, quando mete a mão no bolso, só tira os cinco dedos.
O banco é uma instituição que empresta dinheiro à gente se a gente apresentar provas suficientes de que não precisa de dinheiro.
Tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.
A televisão é a maior maravilha da ciência a serviço da imbecilidade humana.
Este mundo é redondo, mas está ficando muito chato.
Precisa-se de uma boa datilógrafa. Se for boa mesmo, não precisa ser datilógrafa."

Cara Dra. Clara, sugiro em seguida a leitura De Machado, o de Assis, não outro, em suas crónicas, para que se ilustre das capacidades do humor brasileiro, e ainda Vinicius, isso mesmo, o de Moraes, que como cronista é o que há de melhor e mais engraçado há, ou o Stanislaw Ponte Preta,
que entre outras coisas dizia: "Rabo e conselho só se deve dar a quem pede." e "O marido enganado é um homem que se engana a respeito da mulher que o enganou." e ainda para exemplo: "A consciência é como a vesícula: a gente só se preocupa com ela quando dói." Sérgio Marcus Rangel Porto, de quem sugiro a leitura dos Febeapás.

Cara Dra. Clara, pode e deve  ler também ao Millôr, o adorável e imbatível pensador, cartoonista, desenhador, cronista, escritor, teatrólogo e ensaísta, brasileiro, brasileiríssimo. Millôr Viola Fernandes, que não devera chamar-se Milton, marcado desde a nascença. De quem vos deixo também algumas das suas máximas: A verdadeira amizade é aquela que nos permite falar, ao amigo, de todos os seus defeitos e de todas as nossas qualidades.


As pessoas que falam muito, mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.

Como são admiráveis as pessoas que nós não conhecemos bem.

Viver é desenhar sem borracha.



Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim.



Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.



Não devemos resistir às tentações: elas podem não voltar.   Chato é o Indivíduo que tem mais interesse em nós
edo que nó nele.

Esta é a verdade: a vida começa quando a gente compreende que ela não dura muito.

O cara só é sinceramente ateu quando está muito bem de saúde.

Certas coisas só são amargas se a gente as engolir.

Jamais diga uma mentira que não possa provar.

Ou, Dra. Clara, pode também ler as duas gerações gaúchas em suas inesquecíveis crónicas. O pai Érico e o filho Luis Fernando Veríssimo, será difícil encontrar melhor produção literária, sobretudo em seu ocasional jornaleco conimbricence, ou mais graça em qualquer lugar do que em tudo que escreveram, mesmo nas coisas mais sérias e duras. 

Não se esqueça de centenas de outros, brasileiros todos, que vão desde esse que vos escreve, até o Chico Buarque de Holanda, são às centenas, todos os jornais portugueses juntos seriam insuficientes para publicar aquilo que a senhora acha que os brasileiros " não conseguem". Tudo isso não retira, como não poderia, tirar o mérito a graça, muitas vezes inexcedível, à centenas de jornalistas portugueses, e a maravilhas como o inigualável Eça, ou as sátiras de Guerra Junqueiro, como as que fez contra a Igreja romana, e que publicou em A velhice do Padre eterno, e não vos irei cansar com o que deve saber, em sendo quem é, com o que vai do magnífico Gil Vicente ao Ricardo Araújo Pereira, passando pelo Padre Vieira, Bocage, Camilo, e tantos outros, que não excluem Camões, como creio o saberá, da mesma maneira como deveria saber sobre o Brasil, e os brasileiros.

Com amizade,

                          O Olho do Ogre.



Sem comentários:

Enviar um comentário