O fator central da prática diplomática sempre foi a subtileza. Hoje, e cada vez mais, estão perdidas a diplomacia e sua subtileza, fruto da alteração da forma de se fazer política. Não sendo mais a mesa de negociação o locus diplomático, onde se poderão resolver os impasses e as divergências entre as nações? Fora da mesa de negociações só haverá o confronto, este que no extremo se traduz em guerra, a inevitável consequência da vontade de uma parte impor sua vontade sobre a outra, extinguindo toda a negociação. Hoje se acredita ser possível fazer diplomacia nas redes sociais, em declarações à imprensa, e em boletins de Estado. Quanto engano, e que cobrará um alto preço.
Ao longo da história, a Diplomacia sempre resultou de ações delicadas que buscavam atrair e envolver a parte discordante para o ponto que defendia a ex-adversa, buscando um consenso. Destas ações mansas e penetrantes destacaram-se muitos homens que desde a Antiguidade desempenharam papel nas negociações de Estado, que pela sua verve, habilidade, subtileza e boa forma em dizer, conseguiram levar adiante a sua tese, fazendo-a vencedora. Foi assim desde os negociadores do Tratado de Eannatum, até os milhares de negociadores atuais de tratados de toda a natureza , que fazem o dia-a-dia de diplomacia nos tempos que correm. Aliás os tratados são a alma do empenho diplomático, sua própria tradução, posto que o próprio nome do ofício, vem de diploma, que era o papel de se escrever o acordo, em grego antigo, e 'matos' que quer dizer objeto duplo, pois que haveriam sempre duas cópias do documento, cada uma cabendo a cada parte negociadora. Expressando maior ou menor destreza, muitos homens ficaram na História por sua capacidade de negociação, e habilidade para o feito. Assim desde os enviados da Antiguidade, passando pelos apocrisiários, pelos 'procuratores', quando a instituição diplomática começa a ganhar caráter permanente, até às Missões do Renascimento, para chegarmos aos corpos instituídos e continuamente estabelecidos modernamente, acreditados em missões permanentes, de caráter oficial, mantidas junto aos diversos países.
Com estes dispositivos instituídos, as queixas, reivindicações, os conflitos de várias ordens, as posições e ações dos governos dos diversos países, encontraram um canal permanente e revestido de muito tacto, que sempre visava estabelecer conversações frutíferas, fugindo a confrontos, retaliações, ou choques, tão comuns entre potentados, evitando por essa via as inconciliações resultantes do embate de princípios contrários. Por isso, desde muito cedo, a atividade diplomática recrutou homens com habilidade para nunca dar por finda a negociação, até que ambas as partes se encontrassem satisfeitas, ainda que precariamente ,ou em pequeno grau, em suas posições, estabelecendo acordo. Essa habilidade sempre se traduziu em subtilezas que mantêm a conversa a nível possível, não dizendo nada que impossibilitasse a continuação da conversa, nunca rompendo o processo de negociar.
Hoje em dia vemos um extremar de posições, numa miríade de conflitos resultantes de interesses muito diversos, em muitíssimas áreas, que sem a negociação soeriam descambar para outros caminhos mais severos, que normalmente nunca acabam de forma satisfatória para nenhum dos lados, ou evoluem para a beligerância, também conhecida como A Diplomacia da bala, juntando na expressão dois polos incompatíveis.
Deste extremar e desta radicalização tão pouco afeitos aos processos diplomáticos, costumam resultar irreconciliabilidades perigosas, que alimentam ódios e confrontos pouco úteis a ambas as partes, cujo único possível real propósito é sempre ver o conflito ultrapassado, que, mesmo com uma vitória no campo de batalha, não se verá dirimido, posto que, com o rescaldo remanente, poderá a qualquer momento atiçar o incêndio novamente. Só as conversações são efetivamente capazes de anular de modo terminante as divergências, com a satisfação das controvérsias, terminando, resolvendo a matéria em disputa.
Cada vez mais vamos vendo atualmente a perda dessa tão importante capacidade diplomática, com o surgimento de mediadores de toda ordem em contraponto com os defensores das partes em conflito, em ambos os lados da barricada, mediadores na sua maioria com incapacidades intrínsecas. Que vão desde não lhes reconhecerem uma neutralidade mister, passando pela falta de credibilidade, para ir culminar na absoluta falta de capacidades diplomáticas. Por outro lado os responsáveis das facções em contraposição que, ao queimarem pontes, ao esgrimirem razões com a sutileza de um rinoceronte a marrar, eliminam qualquer possibilidade da boa atuação da via diplomática, único caminho para a resolução efetiva de qualquer conflito.
Não havendo o reconhecimento do equívoco que há em trilhar essa vereda fora do diálogo, fora das negociações, strico sensu, e, por assumirem uma mudança de rumo aos esforços que deveriam estar concentrados na mesa de negociação, teremos com isso sempre respostas improdutivas, medidas inconsequentes e futuros reacendimentos da pendência não resolvida.
Com a falência dos canais tradicionais, desde, muitas vezes, os dos corpos diplomáticos dos dois lados em disputa, até à ONU, vão surgindo hodiernamente mediadores de toda a sorte, com maior ou menor legitimidade e habilidade para o serem, cheios de boa vontade, que, pisando em terreno minado, buscam outras formas de estabelecer princípios, e criar condições, sobretudo as de sinceridade, e boas intenções, que visam abrir portas ao compromisso e à confiança no processo negocial que desejam estabelecer.
Em muitas plagas hoje essa é a senda que se busca criar, para anular os rinocerontes que seguem a marrar.
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