A mais amarga couve que se possa ter é a da solidariedade enfraquecida. Quando Portugal ia entrar para o euro, lembro-me bem, divulgou-se um anúncio jocoso, que estava pelos painéis urbanos na grande Lisboa, os 'banners', com esta pergunta singela, e, agora o sabemos, premunitória: Quanto vai custar uma couve de Bruxelas? E nesta pergunta esconde-se toda uma verdade subjetiva: Qual o preço desta participação? Hoje sabemo-lo alto, altíssimo. Certamente foram muito bons os anos de dinheiros europeus que aportaram ao país, o preço disto, e a fatura que em má hora chega, porque chega em hora de crise como nunca se esperou, hora em que o projeto comum, acossado pela ganância dos mercados, está ameaçado, já que a fatura está a revelar-se também alta. Ameaça mais proveniente da sua estrutura anquilostada do que da agressividade das atuais relações político-sociais. Estas relações evoluíram, é verdade que mudaram enormemente, mas estas profundas mudanças só ameaçam a quem não quer adaptar-se a elas, e a adaptação exige uma escolha entre dois caminhos mutuamente excludentes: Ou opta-se pelas gentes ou opta-se pelas finanças. O que equivale dizer que a Europa está nesta encruzilhada de que a China é paradigma da escolha dos dois extremos : Nenhum direito social e grande riqueza concentrada!
Nesta escolha reside todo o dilema de nossos tempos entre escolher o modelo de criar riqueza apenas, a que chamo modelo financeiro, ou o modelo de criar riqueza e distribuí-la, a que chamo modelo sócio-econômico. A Europa que sempre foi sinônimo de qualidade de vida, e esta era a tradução de um modelo que optava pelas pessoas e com isso tinha uma classe média muito forte; isto está mudando rapidamente, principalmente por causa da inoperância das organizações europeias com o BCE a cabeça, por um lado, e pela opção alemã de só olhar para si, por outro. Estas duas escolhas vão pagar um preço caro, que podem levar ao fim da União ou à sujeição total do Sul ao Norte, para usar uma imagem simplificadora, ou tudo terá que ser rediscutido com olhos bem abertos, olhos de quem come cenouras e não couves.
Toda esta situação que está elevando o termômetro da tensão política ao vermelho-rubro, ou como quer 'Le Figaro' é a bomba atômica, porque não como se passou na humilhação austríaca, no atual conflito orçamental com a França, Bruxelas e sua amarga couve contesta, como é natural, a desobediência francesa aos compromissos orçamentais, criando um impasse de difícil solução, onde acresce ainda a atitude italiana. Da solução deste impasse surgirá o indicativo da tendência européia. Se esta for a mesma de agora, estará estabelecido um caminho muito doloroso para o futuro; se Bruxelas ceder, haverá um forte vento de mudanças a soprar pela União no sentido Sul/Norte.
O Sr. Hollande que para nada serviu até agora, a não ser descredibilizar os socialistas, com este braço de ferro que iniciou com o seu orçamento apresentado a Bruxelas, se não terminar por meter o rabo entre as pernas, terá prestado grande serviço ao futuro da União, se perder, ao menos terá servido para aclarar o impasse central da austeridade que se espalhou por toda União europeia. Do prato de lentilhas ao amargo prato de couves, com o preço da perda da soberania em prol da União, fica o sabor amargo de faltar uma visão mais abrangente e envolvente, inclusiva no seu âmago, que satisfaça a distorção provocada por um euro a duas velocidades. Agora é necessário fazer a escolha entre uma ementa europeia onde deve haver diversidade alimentar, contra esta mono-alimentação que consiste no repetitivo prato de couves. Prato de couves de Bruxelas, é claro!
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