domingo, 7 de dezembro de 2014

O grande "impasto".






Este termo do universo das Belas Artes, que designa uma técnica de pintura que promove a homogeneização de todo o quadro, e onde não se pode perceber os detalhes, tornando tudo igual, sempre com a intenção futura de destacar as diferenças, de dar-lhes luz e escuridão, e tudo o que há pelo meio, sempre na promessa de esbater a cena esborratada, para clarificar a igualdade reinante.

A ultraliberalidade emersa com as forças do  mercado, às quais se foram fazendo concessões sucessivas, pode entretanto se alastrar e infiltrar-se em todos os aspectos da vida civil, de tal ordem que acabou por esborratar toda a imagem, empastando diferenças que, pela força desta presença dominadora, perderam toda e qualquer expressão, transformando a cena  numa coisa homogênea e indefinida, em que ninguém mais sabe o que é o que, e quem é quem, salvo os destaques visíveis pela força do dinheiro, que é a única que o ultraliberalismo reconhece.

Neste quadro sem vida, confuso, sem definição de linhas e contornos, onde toda a massa cromática se confunde, restaram, para continuar um arremedo de política, zonas cromáticas com alguma distinção, não muito demarcadas, que isto não serve, algumas distinções ligeiras sim, mas todas sujeitas ao comando forte e pleno da força unificadora e mentora do grande "impasto" em que nos encontramos.

Esta ação que é política, porque tudo que se manifesta, em qualquer plano que seja, traz consigo uma realidade política, realidade que se manifesta em uma ação, que, por  sua natureza e definição, também é política, pois esta ação política, repito, fez-se geratriz de tudo o mais que existe presentemente no mundo, do teu sorriso ou choro, até se os aviões terem cem ou mil lugares, colocando na dependência do primado de sua ação, e de seus interesses e vontades, tudo o mais, distorcendo de tal forma a realidade, que perco a capacidade de avaliar no que vai terminar tudo isto.

E a prática ultraliberal postulou equívocos e meias verdades,  transformou os poderes que existiam em apêndices para limpar as sujeiras que as suas crises de autofagia e sua marcha de aniquilação costumam deixar pelo caminho, prejudicando todos, e, para que ela possa continuar sua caminhada triunfal, tem de haver alguém que lhes limpe o caminho, retire a caca dos cavalos do cortejo e os corpos dos que vão tombando face da sua ação devastadora, e que são muito numerosos, e requerem que alguém cumpra esta tarefa higiênica. Os governos aceitaram de bom grado este papel de lixeiros e cangalheiros deste sistema que domina o mundo, agindo de per si como a face opressora do verdadeiro opressor que comanda o mundo, pondo a seu serviço entidades que deviam existir com a finalidade primeira de nos defender da sanha destes interesses avassaladores.

Em sua prática utilizam-se de muitos artifícios, os mais diversos, para iludir e poder continuar sua ação, forçando a todos aqueles que têm de lidar com as suas atuações nos diferentes âmbitos da vida, desta forma aniquilando qualquer oposição, cooptando, destruindo, desmoralizando, enganando, iludindo. Vejamos como exemplo máximo, uma prática que se transformou em usual, e que é uma demonstração das atitudes que se generalizaram, para não antagonizarem diretamente os polos de negociação, e para iludir os proprietários, quase sempre acionistas de empresas, o que dissolve a oposição que se lhes poderiam fazer, para, como se faz com as crianças, mostrarem um doce que lhes irá ser dado depois, se elas se portarem bem, e que o critério discricionário de o fazer é sempre  destes que estabeleceram, a pouco e pouco, este sistema que se tornou universal, o liberalismo econômico,  pois o exemplo máximo da desfaçatez negocial do ultra-liberalismo, são as contrapartidas. Hoje vemos em quase todas as negociações, para não dizer em todas, a introdução de contrapartidas, que justificam acentuada diminuição do preço, posto que existem muitas coisas que se irão fazer, que, como têm custo, justificam uma redução do preço transacionado, porque.... Ora bem sabemos que estas ditas contrapartidas que inicialmente estavam nos cadernos de encargos, eram cumpridas a trouxe-moche, quando eram cumpridas, e, na mor das vezes, eram esquecidas, e descumpridas simplesmente. Depois evoluíram para serem cláusulas não contratuais para poderem ser mais facilmente descumpridas, sem depois terem de gastar dinheiro com advogados. É como se vocês comprassem um apartamento com vaga de garagem, mas esta não constasse da escritura. Sabem o que lhes iria acontecer quando fossem estacionar o veículo?

O grande "impasto", o empastamento geral, o empastado total, transformou a tudo e todos em sombras pervagantes, poderá decerto haver vozes discordantes que se façam ouvir, mas elas só servem para reafirmar a situação, criando arremedo de democracia institucional e de Estado de Direito, posto que estes só existem de fato quando há a mais profunda das justiças, que é a Democracia Econômica. Como está, somos todos escravozinhos de senhores invisíveis, que, escudados nesta invisibilidade, vão perpetuando a manifestação de seu poder real, escondidos sob as máscaras que estes poderes fantoches envergam, e lhes servem de anteparo. 





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