Minha amiga Maria Teresa Horta foi distinguida sócia
honorária do Real Gabinete Português de Leitura, merecida delicadeza e
prerrogativa que se lhe atribuem os membros daquela distintíssima instituição
brasileira
Da honra merecida não se
discute, prendo-me na imaterialidade da atribuição, posto que Maria Teresa
nunca irá caminhando pela praça Tiradentes em diversos dias, pisando as mesmas
pedras portuguesas, iguais às de seu país natal, e ao passar por lá saudar D.
Pedro com seus índios, chapéu ao alto destapado em gesto largo, no seu garboso
alazão, alegre ou não, no convívio central da carioca, e imbicar pela Rua
do Teatro, e tendo passado por ele, o João
Caetano, donde saí preso duas vezes, a primeira no protesto estudantil de 1974,
e aí então poder ver no escaparate o que está em cartaz. E não saberá
certamente que João Caetano foi um menino de Itaboraí, antes de ser o grande
ator dos finais do XIX, e talvez também não saiba que esse teatro, hoje com o
nome desse ator fluminense, era o antigo São João em homenagem ao Rei que o
construiu, e que também foi seu, dos ancestrais de Maria Teresa, que alguns
viveram no Rio, e que ali Tiradentes, a praça, era o Rossio, o antigo Campo de
São Domingos transformado, depois Rossio
Grande, numa referência ao Rossio de Lisboa, e que depois foi o Largo do Polé
por conta do pelourinho que ali havia, e sendo a seguir muito conhecido como o ‘ponto
dos cem réis’, em razão do custo dos bondes que ali faziam ponto final, aos
quais Maria Teresa certamente preferirá chamar elétricos, ainda que os
primeiros que por ali passaram e fizeram ponto, fossem puxados por burros. E
nesse ambiente, decerto notará que ele muito se assemelha, não
topograficamente, mas espiritualmente, ao do espaço que vai do Alecrim à Nova
do Almada pelo Chiado dentro, com suas livrarias, teatros e cafés.
Mas finalmente entremos pela
Rua do Teatro com sua forçada curva, sem prosseguir por ela, para pronto ganharmos
a primeira a esquerda, podendo logo ver ao fundo desta na qual entraremos, de
chofre, o imponente prédio do Gabinete de que agora é sócia, tendo ainda que,
caminhando um pouco mais, irá atravessar a Luís de Camões, pois que o Real
Gabinete fica do outro lado desta rua, transversal da avenida Passos, e que é a
homenagem da carioca ao grande poeta, que inspirou a todos nós, com o qual
Teresa se identificará, lusitano como ela, poeta como essa mulher que ora
homenageiam, mal sabendo eles que os terrenos onde tudo isso se passa, no coração
da homenagem, foram outrora pântano, como são os intrincados terrenos da
história, pois que estes pântanos que D. João, o nosso príncipe regente de tão
boa memória, o sexto desse nome como rei de Portugal e o primeiro como imperador
do Brasil, mandou dragar e sanear, tornando-os aptos para a construção de seu
planeado teatro no amplo largo do Rossio Grande, onde as carruagens diversas
podiam estacionar durante as funções teatrais a espera de seus donos, já que estes
terrenos eram pertença de D. Beatriz
Anna de Vasconcellos, que vem ser parente de Maria Teresa Horta na
ancestralidade da grande Dona Leonor Tomásia de Lorena e Távora, que era neta
do Primeiro Duque de Cadaval de quem Beatriz Anna também descende.
E lá no Real Gabinete, e esse
Real é do Imperador Pedro II, último Bragança a reinar nesse mundo, uma vez
tendo entrado no magnífico edifício que lhe lembrará Lisboa, com sua riqueza e
fausto, com suas fabulosas bibliotecas, e ao dizer Lisboa, digo Mafra, digo
Porto, digo Coimbra, poderá pedir entre dezenas de edições e estudos críticos,
a edição prínceps de ‘Os Lusíadas’, ‘As Ordenações de D. Manuel’ de 1521, saber
d’ ‘A verdadeira informaçam das terras do Prestes Joan’, de 1540, ou consultar
o manuscrito do ‘Amor de Perdição’ de Camilo, ou outra escolha entre as mais de
trezentas e cinquenta mil obras a seu dispor.
Tendo ali, naqueles pântanos,
parte de seu passado, podemos dizer que Maria Teresa Horta, sócia do Real
Gabinete, assim sendo, o é, e nada mais justo, quanto mais não fosse por ainda
inumeráveis outras razões mais relevantes, que o Real Gabinete Português de
Leitura da Mui Leal e Heróica Cidade do Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa,
tenha concedido à menina Maria Teresa da Mui Nobre e Sempre Leal Cidade de
Lisboa, Felicitas Julia Olissipo, o título de sócia honorária. E, direi
eu, Mui ilustre Sócia do Sempre Mui Nobre, Mui Heróico, e Mui Leal Real Gabinete Português de Leitura,
e leitura é tudo o que querem os autores, como Maria Teresa, certamente.
Nada mais a propósito!
Sem comentários:
Enviar um comentário