terça-feira, 27 de novembro de 2018

As vidas que não valem nada.




Nem pranteadas são.









Em muitos lugares do mundo as vidas valem pouco, muito pouco, quase nada, ou mesmo nada.
E porque?

A Catarina Carvalho em sua crônica no DN comentava "Quanto vale uma vida em Borba", eu assumindo como pergunta sua assertiva, respondo: Não vale nada! E explico porque.


Sabia-se do problema há muito tempo, como se sabe de vários outros em que nada é feito. Velho mau hábito de empurrar com a barriga. Só que a única maneira de uma estrada que está para cair resolver o problema, é caindo. Se estiver gente por lá passando na hora que a derrocada se der, será fatalidade, ou poder-se-á empregar um termo inspirado na expressão norte-americaba para aos mortos em cenário de guerra: casualidades. E estamos conversados.

A razão pelo que digo que nem pranteadas são, é razão da insensibilidade dos responsáveis que não  demonstram desassossego pelo ocorrido, entregam-no ao espectro do imponderável e se eximem. No caso de Borba, e dói-me porque os portugueses não são assim, insensíveis, bem ao contrário: Responsáveis diretos e indiretos, a começar pelo presidente da câmara e a terminar no primeiro ministro, demonstraram sua pouca valorização da vida humana com seu descaso. Um dar de ombros generalizado, um pouco caso afrontoso à sensibilidade de quem valoriza a vida humana, seja em que número for que é ceifada,  mas foram só cinco! Para pais, esposas, filhos, amigos, aquele ente lhes faz falta, e é valorado, para as autoridades foi certamente uma casualidade, um azar, uma fatalidade.

Esse sentimento, essa postura, essa conclusão, gera a desvalorização da ocorrência, e, com ela, a diminuição das responsabilidades, a memorização da desgraça, posto que o desgraçado é aquele que ficou sem pai, sem irmão, sem marido. O mais não importa muito, aluindo a cadeia de responsabilidades e o edifício social nela apoiado. Quando alguém vai por um caminho, uma estrada, põe fé em quem o construiu, assim como quem faz uma cirurgia põe-se na mão do médico, se esse for incompetente, será responsabilizado, se quem construiu, ou deve cuidar do caminho o fôr, será fatalidade, não sendo acusado de nada.

A vida humana não vale nada para os que se escondem por detrás de responsabilidades não evidentes, mantendo uma relação afastada, não preventiva na maioria das vezes, porque não lhes será imputada culpa, e numa postura anti-obsequente, não ouvem aos técnicos, não respeitam as normas, sem precaverem as possibilidades de desgraças, sem acautelarem ocorrências avisadas, sem tomarem as medidas necessárias. Para esses irresponsáveis crônicos a vida vale pouco porque cuidam pouco de sua culpa, não se sentem ameaçados, logo não se atribuindo responsabilidades, eximindo-se do dever mister de premunir.  

Morre a culpa solteira sempre que o descaso não encontra dedo acusador que lhe revele a responsabilidade. As vidas ceifadas por sua ação fraca, tíbia, pouco zelosa, ou não zelosa de todo, não encontram mor das vezes relação direta na responsabilidade a se imputar por suas mortes, que é do que se trata. Ficando cadáver o infeliz que confiou no irresponsável, e esse, isento, segue feliz e faceiro com sua vidinha, para talvez no futuro repetir o malfeito.

domingo, 18 de novembro de 2018

TODA A HISTÓRIA DO ESTORIL - CONVITE.





 

Convido aos amigos leitores para a EXPOSIÇÃO  Pegadas no Estoril a inaugurar-se na próxima 5ª feira 22 na Casa Sommer em Cascais.

Abraço amigo,
                           Helder Paraná Do Coutto.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Escroto, o sr. Trump é escroto.





                                                                                   Aquele que acha arame farpado bonito.


Para além de toda a sua atitude repulsiva de intimidação, de exclusão (criando legislação hedionda)  aos pobres miseráveis que caminham milhares de quilômetros em busca de uma vida melhor, de dizer mentiras dobre mentiras, como faz diariamente, de sua agressividade estudada para humilhar, restringir, afastar, ou calar os que lidam com ele, lembro-me da frase "You're fired!" uma de suas prediletas, para terminar sem explicação uma relação comercial. É o supra-sumo da arrogância, nunca poderia ter chegado a sala oval. Que ser humano abjeto. Não me pude escusar em empregar a expressão calão brasileira para designar trumps, que define que ou quem é imoral, mesquinho ou desonesto, e o atual presidente norte-americano é tudo isso e muito mais, mas atua a um nível que é criminoso, o que nos leva a uma outra dimensão.

Analisemos o último incidente ocorrido como jornalista da CNN Jim Acosta, que teve suas credenciais retirada por ordem de Trump sob a falsa acusação de ter agredido a estagiária para que essa não lhe retirasse o microfone (posto as mãos sobre a funcionária, o que não existiu).

É dantesco, o homem no mais alto cargo da hierarquia norte-americana mandou falsificar as imagens para fazer parecer que o Sr. Acosta tinha agredido a estagiária. Isso porque Trump não gosta de ser importunado com perguntas incômodas geradas por uma realidade que lhe é insuportável, que se chama liberdade de imprensa. Os jornalistas, infelizmente para desespero do sr. Trump, têm o Direito de perguntar. Até onde irá esse homem sem que os americanos o parem?

Todos vimos o Sr. Acosta calma e pacificamente se afastar, retirando à estagiária a possibilidade de lhe retirar o microfone, com toda a calma e segurança desse mundo, com uma classe que transpira nos seus gestos, e, destarte, evitando uma luta com medida de força para verificar quem ficaria com o micro, o segurou vigorosamente e ela não lutou com ele, e moveu-se de forma a impossibilitar que a estagiária lhe retirasse o aparato, cortando-lhe possibilidade de estabelecer confronto, e ademais ela, muito bem comportada, não se insurgiu para além do civilizado, olhando em seguida para Trump,  como a dizer: "Tentei o meu melhor" (Será a próxima despedida - You're fired!" - a sua mais perfeita solução para os problemas, que entretanto permanecem. Não foi assim com tantos, numa longa lista, cujo mais recente nome é o do procurador geral Jeff Sessions?)    

Todos os meios de comunicação defenderam a postura calma e respeitosa do Jornalista Acosta, e criticaram a agressividade irracional do sr. Trump. O The Guardiam merece ser lido, bem como o N.Y. Times.

Todos termos vistos o que se passou, não impediu que o sr.Trump mandasse forjar, falsificar as imagens, alterando-as para dar a parecer que o Sr. Acosta havia agredido a estagiária. Pergunto-me se não tem fim a desfaçatez desse escroto? Questiono quantos se disporão a prestar vassalagem às falsificações e mentiras do sr. Trump? Indago-me se o caráter da estagiária será conspurcado para continuar a prestar serviço na Casa Branca? Tudo em que esse homem toca se conspurca. A secretária de imprensa Sarah Huckabee Sanders exibiu o vídeo forjado para enganar a todos, convocando aos diferentes jornalistas que o assistissem para justificar a retirada das credenciais ao jornalista Acosta, que simplesmente fazia seu trabalho, e, tendo pautado indagar ao sr. Trump sobre a derrota que ele interpreta como vitória e o uso de imagens da marcha dos refugiados nas eleições de midterm, e sobre a participação russa nas eleições presidenciais em investigação. (Porque será que Trump quer parar a investigação Mueller? Porque o incomoda tanto o assunto?) Desagradado Trump o tenta calar, manda-o devolver o microfone, manda-o sentar, só não pode manda-lo sair, é um jornalista credenciado (Posto que não pode gritar-lhe: "Fora!" como fez no discurso de campanha com um participante, ou dizer-lhe a tão famosa frase: "You're fired!") tendo, com a retirada das credenciais, feito o mesmo - "You're fired!" Quão escroto pode ser?

Os três mundos.




                                                                                   Em homenagem a Web Summit - Lisboa.


Sempre houve mais que um mundo no nosso planeta, desde sempre, mesmo quando era pré-histórico, havia o mundo sapiens e o neandertal, o humano, desses dois grupos, e o animal, ou natural, que eles combatiam diariamente. Entretanto eram mundos muito próximos, o que agora não acontece, a divisão que hoje se apresenta, é para além da advinda das realidades materiais, que determinam quase tudo nesse mundo, ter recursos é o que permite condições de acesso a 'tudo' e a qualquer coisa a que se queira aceder, e divide o mundo, tanto em efetiva minoria, como em enorme maioria, desproporção desequilibrada e que afasta totalmente os dois grupos, porque dentro dessa divisão prevalecerão viabilidades, e possibilidades, que recambiarão grande número para o momento anterior à divisão, podendo alterar a constituição dos dois grupos. Por exemplo, muitos dos sem recursos hoje, têm outras condições que lhes permite imensos acessos, e lhes abrem inúmeras portas, visto que há outros aspectos muito mais determinantes na existência desses universos paralelos, vamos tentar escrutina-los.

A maior divisão que se pode ver no mundo hoje é a daqueles que têm acesso a informação, e dos que não têm. E por onde é que transita a informação em nossos dias? Resposta: Primeiro na Net. Instantaneamente a um toque/acesso nosso, na Net imediatamente. E um pouquinho mais distante, nas telefonias, televisões, e medias direcionadas. Depois, um pouco mais distante ainda, nas medias impressas que possamos adquirir.

Para demarcar a imensa divisão de nosso mundo hoje em dia, pensemos no que representa uma pessoa sem acesso à informação instantânea. Quanto tempo irão necessitar até obter uma informação que necessite? Sem televisão a cabo(=Net) terão de esperar a hora das notícias, e não as poderão alcançar quando bem entenderem. No rádio também. Nos Jornais, terão que esperar pelo dia seguinte, nas revistas por uma semana ou mais. Quem tiver Net, irá saber no mesmo momento que o fato estiver acontecendo. Isso pode representar a diferença entre a vida e a morte, mas não sejamos alarmistas (que não o somos) apenas saibamos, tomemos consciência, de que corremos o risco de podermos nos envolver em algo que não queiramos, se não tivermos a informação com uma antecedência devida, que nos permita evitar, e nos afastarmos da situação indesejada. E para tudo o mais a informação é vital, desde para o agricultor que pretende proteger suas colheitas, até para o investidor que quer proteger seu capital, e entre esses dois extremos, todo um mundo, porque tudo, mas mesmo tudo, demanda informação atempada, incluindo nisso o reconhecimento dos sintomas que nos permitam tomar medidas em tempo útil para prevenir uma doença, ou trata-la enquanto ainda valha a pena, ou mesmo possamos reagir, fugir, aos inesperados acontecimentos do clima.

Visto que metade dos habitantes do planeta não têm acesso a informação instantânea, por exemplo não lerão essa minha crônica, e continuarão na ignorância de sua situação ignorante. E com essas duas metades, temos aí os dois mundos, no que ficou bem dividido ao meio.

Porém entre a metade dos que têm acesso, ainda temos os info-excluídos em diferentes gradações, por não saberem lidar, de alguma maneira, com o universo das redes, essa fabulosa Net de que vos falo, o grande divisor de águas do mundo presentemente. Então esses info-excluídos, estarão expostos às fake-news, não sabendo como filtra-las, estarão afastados das informações mais detalhadas, como, por exemplo, as da evolução do clima, por não saberem como as acessar. Não irão conhecer as diversas possibilidades de se protegerem, investindo de maneira mais segura e lucrativa, já que o balcão do banco provou ser inadequado como fonte de informação segura para quem quer investir, não evitarão uma pandemia que se aproxime, não farão economia, conhecendo as boas aquisições de produtos mais em conta. Hoje tudo isso é fundamental para viver melhor. O mundo se tornou, e se vai tornando, cada vez mais complicado, e toda e qualquer sorte de info-exclusão, mesmo de pequeno grau, propicia algum tipo de desabilitação, que cobrará seu preço, maior ou menor que ele seja.

E entre os mais ou menos info-incluídos, temos dividida a outra metade do mundo, a daqueles que tendo acesso a Net, mas que, por sua própria inabilidade, e só por essa sua condição pessoal, serão mais ou menos informados, mais ou menos hábeis, ou habilitados. Posto que é no acesso a informação onde reside todo o futuro de cada um de nós, seja ele mais longo, ou seja mais curto, não importa, temos de saber, temos de conhecer, posto que esse acesso determinará nossa qualidade de vida, ou mesmo a própria vida, em alguns casos. Para aqueles que souberem, mais competentemente aceder à informação com a qual devam lidar, essa capacidade determinará seu futuro.

Isso é op que tem determinado, ao longo da História, a manutenção do poder em mãos mais ou menos inadequadas, que, dependendo de sua capacidade beligerante ou operacional, juntamente com as informações e recursos que dispunham, alcançaram, ou mantiveram o poder. Entretanto essa manutenção do poder em determinadas mãos, mudou. O poder governativo, dispondo de todos os meios para exercer esse poder, já não é mais quem detém o verdadeiro poder, posto que esse transitou para outras realidades. Já não importa quem tenha conquistado esse governo (atingido o poder) por que meio for, não, agora o efetivo poder está em outra parte, em outras mãos, mãos que não querem mais exerce-lo com visibilidade, preferem as sombras, pois o poder ganhou cada vez mais diversas características imponderáveis, e, se por um lado se desmaterializou, por outro foi residir em outras mãos que nunca tiveram poder efetivamente, e que com isso não sabem bem como exerce-lo, sobretudo por via de sua acentuada fragmentação, com a tal desmaterialização ocorrida. O que é importante nas circunstâncias, porque mantém a democracia, ou sua aparência, enquanto cria uma oligarquia invisível. E, para esses que o têm dispersamente, mor das vezes tentam destruir o poder, não utilizando o que dispõem, porque repudiam sua institucionalização, negando seu exercício, recusando, desde votarem numa representação, até se organizarem em grupos que façam valer suas opiniões e vontades. É o poder inútil, ou anulado. Como a nulidade do poder hoje atingiu níveis altíssimos em muitas frentes, joga-se fora imenso poder!

Mas a história não termina aí, pois esses três mundos evoluirão de forma consentânea a que se torne um. Posto que o acesso, mais cedo ou mais tarde, irá se generalizar, e, então dependerá só da capacidade das pessoas, e de sua determinação em ter acesso a boa e qualificada informação, para tomarem suas decisões, sejam elas quais forem. E esse processo irá refundir grupos afastados. O mundo mudou, aquele mundo de irmos buscar apoio a entidades, a grupos de ação, e a centros de convergência, onde haviam condições de orientação, já quase não existe mais, sendo só para velhos. As novas gerações safam-se a si mesmas. E terão de se safar por si mesmas, sempre mais, o que as qualificará, e será pela qualidade da informação a que tiverem acesso, e essa condição dependerá cada vez mais da capacidade de cada um em saber obte-la, que se determinará a história de seu poder, daquele que venham a exercer, que é, afinal, a História da Humanidade.

Quando esse mundo for um, todos os inadequados serão esmagados, pela força do nível de consciência (informação) que possam atingir, e todos estarão expostos apenas às divisões interiores de suas esferas, como reflexo de suas incapacidades, ou ao contrário, se preferirem, e estas serão as que permanecerem, ainda, como herança desses três mundos.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

O Estuário à foz de Lídia Jorge.




                                                                               
                                                         Somos um estuário sem foz, porque desaguamos em nós mesmos.


O livro vale pelas três últimas páginas, a 280, a 281 e a 283, não nos contando depois mais nada, porque também não é preciso.

Só mesmo um autor consagrado ousaria escrever esse livro; aliás mais custosamente, no feminino, uma autora. Um imenso glacis, usemos aqui a designação econiana, quando nos ensinava que há um declive que o leitor deve percorrer até estar capturado pela trama do livro. Palavras de vento, cheias de vento que sopra irregularmente e faz esvoaçar essas palavras até que poisem aleatoriamente e se acalmem, inda que não acalmem o leitor. Só mesmo a fé na autora, essa que os leitores põem em certos artífices da palavra em lhes aceitar, não direi tudo, mas muitíssimo do que esses lhes dão, confiantes que eles sabem o que fazem; e a fé de ofício da autora em desenovelar a trama desigualmente, sempre a tecendo de forma a enredar uma e cada vez mais o leitor, é, pois, rede envolvente, mas também é verdade que a autora excedeu vários limites nesse glacis demasiado longo, até que entra na narrativa corpo da história, e nos deixa ver do que se trata. E logo chegamos à página 227, quando começa a transbordar toda a angústia da maturidade humana, coisas da miséria, grande ou pequena, que nos cabe, revelação das pessoas que desejam compreender o mundo, e neste, compreender também o da escrita e dos escritores que buscam dar algo a seu leitor, porque o que irá importar é criar "um objeto que servisse os outros através de exemplos descritos em nome da beleza" (página 277) no mais, sem cumprir esse ideal, os livros tornam-se apenas em mais alguns objetos para atulhar o mundo. A angustia dessa busca é mais que existencial, pois um pouco além irá proporcionar-se também pelo que se não viveu, e pelo que deveria ter sido, como na Pneumotórax do Bandeira: "A vida inteira que podia ter sido e que não foi." Confessando mesmo, logo adiante, Lídia Jorge, que deseja discutir simultaneidade e circularidade, esses dois fenômenos que conformam a vida com seu vício e sua repetição de forma desastrosa e detentiva. Restando-nos dizer como dizem todos a Madame la Marquise: "Tout va trés bien"... porque a realidade sempre nos ultrapassa e muito nos perturba e abespinha, e a ilusão de uma realidade confortável se torna sempre mais desejável, sendo tantas vezes preferível.

Pois chegados à página 227 prepara-se o desenlace na sintonia da compreensão da natureza humana e suas misérias. Começo imediatamente a ouvir na minha mente a canção de Aldir Blanc e Moacyr Luz intitulada "Coração do Agreste" composta para ilustrar o texto de Jorge Amado chamado "Tieta" que tem dimensão emocional semelhante a esse "Estuário", tendo um, cenário rural, e o outro, urbano. Então, uma vez com essas misérias explicadas, somos insultados com uma falsa configuração do tempo, esse  mesmo que nos escraviza e liberta, pela evocação de umas saudades das suas três manifestações juntas, na apreciação completa do fluxo temporal, como um rio que chegasse a seu estuário para não desaguar, pela impossibilidade de extinguir seu fluxo. E aí meu poema 'Condição de ser' vem me consolar, lembrando Faulkner quando diz:" The past is never dead, its not even past." Então, relembro o poema:                                                                         
                                                                                        O passado é sempre presente
                                                                                        O presente às vezes
                                                                                        O futuro nunca

                                                                Nunca evoques o ausente
                                                                Não retenhas os jaezes
                                                                Não esqueças o que trunca

                                                                                       O passado é sempre presente
                                                                                       O presente às vezes
                                                                                       O futuro nunca.
E tomo pé de novo da realidade, ou do que supostamente encaramos como tal.

Um reparo marcante ao longo do texto de Lídia, é a presença limitadora e delimitadora da cidade, pois tudo que existe, existe em algum lugar, em contraponto com a presença circunstancial das personagens, e a presença descongestionante do Tejo, desafogo que se repete como um bálsamo para todos (para a narrativa, para as personagens, para os leitores, e creio mesmo que para a autora) desobstrução que é sempre recorrente. Tudo levando a que o torniquete do pensamento se aperte e desaperte ao longo do texto, deixando-nos de vez em quando respirar.

Continuo a leitura, vai terminar o romance, e pressinto um embate, e sinto uma distorção temporal que a pouco e pouco me oprime, esmaga meu entendimento, amassa meu poema, reflui meu sentimento, e me faz perder. Agora a música de fundo é outra, toca agora de Rodgerss & Hammerstein "Something Good", e dois de seus versos ecoam fortes dentro de mim:
                                                                "Nothing come from nothing.
                                                                  Nothing ever could."

Sim aquelas três últimas páginas são tudo e são bastantes, porém impossível percebe-las na sua plenitude sem as duzentos e oitenta anteriores. E nos damos conta que o romance concluiu-se, e que nossa única possibilidade é, como nas palavras sábias na música do Aldir Blanc, sermos o peixe e o seu próprio pescador, porque fomos levados a outra dimensão, essa que refunde o tempo, a espiritual, ou poderá ser talvez literária, se a autora for Lídia Jorge.

Restar-nos-á, nesse traspasse dimensional, como condenados a vida, aceitarmos as alternâncias das condições que concorrem para que, como filhos do tempo, entendamos que não se encontram saídas.

Não se encontram saídas. . .

Sopra um vento que as devasta
Correm águas que as alagam
E profícuas, rebeldes, d'alma vasta
Manam em areias que as tragam

Condenados sem remédio
Recusar é se perder
Então entreguemo-nos ao tédio
E ao prazer que é viver

A vida é estuário sem foz
Em cuja enchente há mistura
Laguna antiga, que atroz
Transborda calma e pura

E nesse meio doce-meio salgado
Onde se faz a grande mescla impura
Para que se possa pôr de lado
Toda sua inteireza dura

Pois que só se manifesta esfacelado
Seu pendor sem saída ou abertura
Sem foz, que só em nós, avassalado
Faz-se manifesta criatura

Como permanente e insistente algoz
Esteiro que sutilmente nos tortura
E quando estivermos bem próximos do que queremos foz
Perdidos, então, já possamos morrer da cura.