segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Meio milênio de 95 teses que mudaram o mundo.












Sim foi há 500 anos, cinco séculos atras quando um monge das hostes de Santo Agostinho, chamado Martinho, que discordava das posições negligentes, relapsas e/ou distorcidas da Igreja a qual pertencia, a Católica Apostólica Romana, que recusando-se a debater, impunha um silêncio e uma obediência que Martinho não soube acatar, e pregou na porta de sua igreja noventa e cinco teses que tocavam em pontos cruciais do cânone estabelecido, não para  efutá-las, mas para discuti-las.

Tinha 34 anos, e com esse ato estabelecia um protesto contra a intransigência da Igreja em matérias que deveriam ser discutidas, posto que a exegese delas dentro do próprio seio da Igreja divergiam,  e era apenas isso que desejava, discutir. A realidade, como soe acontecer muitas vezes, ultrapassou-o, tornando-o líder de um cisma que deu origem a uma nova religião, a daqueles que protestavam, protestantes como ficaram conhecidos, por quererem ter Direito a discussão, o que a Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana negava.

Entre as teses que defendia estava não aceitar que o perdão de Deus pudesse ser comprado e vendido, e na época havia um grande vendedor de indulgências, Johann Tetzel, que em grande comércio negociava o perdão divino. Revoltado com isso, Martinho se opôs vivamente, recusando-se a atender aos pedidos do Papa Leão X e do Imperador Carlos V para retratar-se, mantendo suas teses, sobretudo a de que Deus oferece gratuitamente através de Jesus cristo Seu perdão, e por isso foi excomungado, mas  manteve-se fiel a seu entendimento. Outra coisa que não entendia era a divisão da Igreja entre clérigos e leigos, entendendo todos os batizados como sacerdotes. Aliás é a palavra que deixa o Cristo sobre o assunto. A questão da justificação pela fé, que é mesmo o caso do perdão divino, só em 1999 foi acordado entre as Igrejas, a católica e as que Martinho gerou, reconhecendo que a tese de Martinho estava certa, seu entendimento de que a fé e sua justificação não era posse da igreja, e que todos e cada um tinham direto acesso a ela, justificando-se perante Deus pela sua fé.  Quem ler as teses de Martinho Lutero à luz do texto bíblico, logo se dará conta de que lado estava a razão.

Hoje passado este meio milênio sobre os fatos, temos a Igreja Católica ainda muito resistente em suas posições contra as teses que dividiram a fé cristã, e que criou a enorme religião Protestante em suas múltiplas denominações, e estabeleceu um confronto que passou por guerras, perseguições, intrigas, e outras desgraças, num efeito de laceração do que haveria de ser mais relevante na Igreja de Cristo, sua união.




terça-feira, 24 de outubro de 2017

A Nova Lei.







Dois Juízes Desembargadores do tribunal da Relação do Porto, com uma sentença que evoca o Código Penal Português do século XIX, já ultrapassado e a Bíblia, em sua parte também já ultrapassada, para acusar a condição de adultera a uma mulher em um processo com os mais fortes adjetivos que encontraram, numa apreciação verdadeiramente medieval, onde evoca até a lapidação, e que é notícia por ter levantado a indignação pública contra a forma da decisão, e, portanto, suscita os reparos seguintes: quanto aos encômios valho-me para responder a isto com recomendar a leitura de meu artigo de maio de 2013 intitulado Mulher, sempre a vítima preferencial.

Entretanto quanto as citações bíblicas consolido aqui uma apreciação mais alargada do fato desses anormais se valerem de textos arcaicos, e não mais em vigor, para justificarem àquilo a que se chama Justiça, posto que um Juiz ao decidir, devendo restringir-se à letra da Lei em vigor, mais aos fatos, e à sua convicção que deles resultam, deve tão somente decidir à luz dessa realidade sem resvalar para sentimentos pessoais, crenças, ou mesmo posições de natureza ideológica. Um Juiz não é ele quando julga, é os fatos à luz da Lei. Tudo o mais fica de fora, poderá ele não concordar com o que a Lei aprecia dos fatos, mas não pode evocar essa discordância para se afastar da disposição legal. Fazer isso é criar precedente pernicioso que afasta seu julgamento da meridiana Justiça.

Entretanto o curioso no 'decisum' desse anormal que legitima a violência doméstica, contra a qual a sociedade tem se batido, repudiando-a, com mudança de comportamento e evidente reflexo na Justiça, e em suas condenações propagadas, criando uma nova e bem vinda cultura de entendimento das relações humanas, com jurisprudência, e, assim, resgatando a mulher de sua condição de ser oprimido pela força física de seu mais frequente agressor, o próprio companheiro, entretanto, repito, é que a evocação bíblica mostra total desconhecimento do texto bíblico em sua totalidade e realidade completa. Vejamos!

Evangelho quer dizer literalmente boa notícia, boa nova, ou seja  traz em si a ideia de que vem trazer até nós, após os milênios de uma Lei de beligerância, uma Nova Lei, a Lei reformulada pelo amor de Jesus Cristo, que reafirma e contradiz valores que considerava maus para as pessoas. Quando falamos Bíblia no Ocidente, incluímos esta importante parte dela a que chamamos evangelhos, e que nos dão a Nova Lei, resgatando milênios de opressão e violência legal, segundo a qual imperava a consciência legislativa de Talião - Dente por dente, olho por olho - Mesmo para o Torá, que guarda a Velha Lei,  não estará bem a letra morta dessa Velha Lei, posto que o trabalho vivificador rabínico, feito ao longo de centenas de gerações, deu nova forma a Velha Lei.

Porém entre os cristãos é absolutamente claro que Jesus reformulou a Lei, com suas palavras e com seu exemplo, com sua forma vívida de interpretar as relações humanas, como máxime Juiz que é, e com a presença do amor na prevalência da Justiça como forma de regular essas relações.

Logo resta relembrar a esse anormal que tendo Jesus encontrado uma mulher dita adúltera pronta a ser lapidada, apedrejada por um grupo de cidadãos que aplicavam a Lei antiga, reformulou-a com o seguinte gesto: Pôs-se à frete da mulher e desafiou aos do grupo que se preparavam para lapida-la, já com as pedras na mão, que atirasse a primeira pedra aquele que nunca tivesse pecado. E por fim dá sua sentença quando diz à mulher que vá e que não peque mais. Esta a Nova Lei para quem crê na Bíblia ou para quem a evoca, e não os ditos da Velha Lei que diz que a adúltera será punida por apedrejamento. Só por sofisma, ou ignorância, se pode hoje evocar o texto bíblico para justificar a condenação da mulher em benefício do homem que a agrida.

Os Senhores Desembargadores hão de decidir qual das duas razões lhes serão atribuídas.


5/12/2017 - O conselho superior da magistratura condenou aos dois juízes. Não podia ser de outra forma.

domingo, 22 de outubro de 2017

"Oh Gente da minha terra...."





Há certos cantores que só existem para glorificar àqueles que imitam. Outro dia ouvi alguém, já não me lembro quem, a cantar "Gente da minha terra" este poema que nos deixou Amália, e é uma revelação de um momento de iluminação de D. Amália, e que Tiago Machado musicou, e ao qual a cantora Marisa dos Reis Nunes Ferreira deu uma dimensão fabulosa, com a responsabilidade que tinha de cantar um poema de Amália, a moçambicana que queria ser fadista, num disco que se chamava Fado em mim e que era sua estréia, onde canta para além desse fados que foram imortalizados na voz de Amália, e para os quais Mariza soube procurar e encontrar o seu próprio caminho a interpreta-los, e subitamente me apercebi que devia um texto a Marisa, pela sua grandeza, pela sua individualidade e por sua simplicidade.

Isto me ficou na cabeça: O que dizer? Como dizer? Até que vi uma homenagem que a RTP fez há muito tempo a Edith Piaf, onde a 'interpretava' uma cantora, boa cantora, mas para ser Piaf, só Piaf.
Mesmo se eu tivesse a voz de um Pavarotti e me pedissem para interpretar Caruso, eu declinaria com a afirmação de que ninguém pode interpretar Caruso, mas há muita gente que não se dá conta e com isto, apesar de muito bons cantores, cumprem a única função de glorificarem aos que imitam.

Os houve muitos, e um dos últimos foi uma moça, que canta bem, mas que quis por força ser Amália, e deu em gritadeira, até que desistiu e desapareceu, é pena, pois podia fazer boa carreira se não tivesse querido ser Amália. Quem tem ouvidos de ouvir sabe que só há uma Amália, uma Edith Piaf, um Caruso. Seres com luz própria que encontraram um caminho de esplendor e nos proporcionaram momentos de maravilha com a cristalização de certos momentos em seu repertório. Quem cantará "Povo que lavas no rio" ou "Foi Deus", ou "Coração independente", ou mesmo a "Casa da Mariquinhas", com o poder de interpretação, a força, ou a densidade de D. Amália? Quem cantará  "Non, je ne retrete rien" ou La Vie en rose", ou "Padam, Padam" ou o "Himne à l'amour" com os vibratos de D. Edith? Quem terá a maviosidade de D. Enrico no "E lucevan le stelle"ou no "Core Ngrato" ou mesmo "O sole mio"? Quem?

É, ao ouvir esses intérpretes que os imitavam ficava claro tudo que não estava lá, a 'décalage', o 'gap', o vazio e a distância para chegar a qualquer um desses cantantes. E com Marisa dava-se o mesmo! Mariza conquistou um lugar no cenário da interpretação vocal da música, como intérprete e como fadista, sendo que nessa segunda condição não seria nada fácil com o vácuo deixado por Amália, e com as tentativas anteriores de muitos em preenchê-lo, e também por ter o 'phyique de rôle' inadequado, por ser moçambicana, e mesmo por ser mulata. Porém é só ouvir Marisa e lá está tudo, toda a magia mister de um grande intérprete, e tudo é ultrapassado. Oh gente da minha terra, só a maravilha da voz e o sentimento importam, e logo todas as almas serão tocadas, e far-se-á a magia da interpretação, única, absoluta, verdadeira, manifesta.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

O fogo.





O fogo é ágil
Corre, pula, salta, voa
E tudo é frágil
Os bosques e casas que despovoa

Febril atravessa montanhas
Impassível na destruição
Como fogo não sagrado
Deixando desgraças tamanhas
Matas, lavouras, gente, gado
Tudo em consumação

Aliado ao vento
Faz-se mais cruel e ligeiro
Rouba tempo e alento
Imparável mata certeiro

Retorce tudo
Tudo destrói
Não poupa velho, mulher ou criança
Rouba o futuro
Sufoca a esperança

Rastro de horror
Na miséria de sua passagem
Fica-nos o estupor
Como se fora tudo miragem.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

O dono disso tudo, o marquês José Sócrates e Jorge Rosário de crimes Teixeira.




                                                                                                            Da série: Os donos disso tudo.

Nunca escrevi sobre este assunto até hoje por nunca me envolver em especulações, nem nunca me envolver em crimes. Uma posição de repúdio ao comportamento do Saloio de M... ficou no artigo com esse nome. O fiasco anunciado não veio, que seria assim como um diabo para a justiça, mas ainda mais grave porque seria um diabo cotó, um aleijão que levaria a justiça portuguesa a perder toda a credibilidade. Logo só nos resta louvar a ação efetiva e difícil de recolher dados por meio mundo, interrogar duas centenas de pessoas, estudar milhares de documentos, cruzar milhões de informações, para conseguir formatar um libelo acusatório consistente, e, que apesar da presunção de inocência, e não importando os futuros contornos do processo, do que se provará ou não, configura meu entendimento do que verdadeiramente se passou, Ricardo Salgado na expectativa de salvar o Império Espírito Santo, que devido a crise mundial, e aos investimentos gulosos que foram feitos caiu no grande logro das duas crises montadas para arrecadarem alguns bilhões aos incautos como ele, a do sub-prime e a das dívidas soberanas, num arrasto de entidades financeiras e investidores na expectativa de lucros chorudos, onde o Banco Espírito Santo se atolou, e o Dr. Ricardo Salgado fez tudo a seu alcance para tentar salvar da falência seu grupo financeiro-industrial, BES/GES, tendo tentado de tudo, feito todas as jogadas, tendo conseguido falir a PT, arrasar com a Oi e a Vivo, arrebentar sua seguradora, criar enormes rombos na Caixa Geral de Depósitos, destruir a credibilidade de todos os papéis do Grupo, etcétera, mentindo, enganando, envolvendo, corrompendo, negociando, subornando todos que pode para tentar salvar seu Império, essa a tese do Ministério Público a qual corroboro.

Admirável a obstinação da equipe de investigação, mais admirável ainda todos os indícios recolhidos, e as suas conclusões e conexões apresentadas, salvando a face de uma justiça que ficara mal anteriormente contra o mesmo José Sócrates, e que nunca ousara investigar Salgado. Numa década onde os donos disso tudo puderam pôr e dispor a seu bel prazer de recursos e poderes que lhe eram confiados, e que com a sem cerimônia dos atrevidos deles dispuseram para proveito próprio.

No Brasil dir-se-ia: NÃO TERMINOU EM PIZZA!

A grande mácula que fica empanando o Dr. Jorge Teixeira, o obstinado MP à frente das investigações, é a fuga seletiva de informações, do processo em segredo de justiça, para a imprensa. Compreendo que o transbordo de determinadas peças processuais para o conhecimento geral, criava uma facilitação na linha investigativa, permitindo desinformação, e tensão, talvez até necessárias, e indubitavelmente auxiliares, para alcançar o objetivo pretendido, como também fazia conhecer com antecipação a reação da defesa. Pode ter sido o Ticão o autor da façanha, mas isso não iliba o dr. Teixeira até que ele instaure processo crime contra quem ele apurar ter sido quem permitiu as fugas de informação. Porém elas existirem é uma atitude imperdoável por alterar as regras do jogo, incapacitar a justiça, faltar ao compromisso de retidão e decência expectável da Procuradoria, e acima de tudo por SER CRIME!

Destarte por ser o último responsável pelo processo o Dr. Jorge (Rosário de crimes) Teixeira, como será lembrado pelas sucessivas fugas de informação, violando o segredo de justiça, crimes não investigados nem apurados até a data, maculou-se mesmo alcançando um êxito tão bem conseguido.