sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Os meandros do casamento - Leopoldina e Pedro.

1. O mundo deixava de ser clássico para ser romântico, o que era mais-que-tudo uma mudança na forma de sentir, penso não poder haver maior mudança, ao mudar a forma de sentir de uma pessoa muda-se tudo: seu pensamento, sua lógica, sua sensibilidade, seus gostos, seus hábitos, enfim sua forma de ser. Peço-Vos que não busquem nesse livro objetividade histórica, uma vez que vejo as coisas desde outra perspectiva, posto que não acredito na filosofia histórica, porque não vejo perfeição no mundo, nem em mim. Agora que se passaram quatrocentos e cinquenta anos de que este Rio de Janeiro se fundou na contingência de defender esta baía de águas tão calmas, onde os franceses se haviam instalado, promovendo a preocupação portuguesa de que o imenso território que tinha nas mãos teria de ser ocupado rapidamente se o queriam manter, e que passados duzentos e cinquenta anos daquela sua fundação, o vamos encontrar aqui como capital do Império, com o seu Rei morando nele, coisa nunca vista entre os Impérios europeus, tendo deixado Portugal, portanto a capital do Reino do Brasil, que no final deste ano se iria constituir, assumindo uma posição de destaque no cenário mundial, concernente à sua pujança, e as suas riquezas, que deixaram de circular já há sete anos por intermédio de interpostos negociadores residentes em Lisboa, para passarem a ser diretamente negociadas pelos próprios ‘brasileiros’, começando o Brasil a assumir a posição de destaque que lhe é devida, e, que, com este casamento, do qual lhes conto sua gênese até a faustosíssima festa que se realizou em Viena para celebrá-lo, mais longe irá, e em maiores alturas ousará planar, na consequência de um brilho e poder que não se poderia mais tentar ocultar e tentar constranger, e a ação de Marialva em Viena muito ajudará ao processo, como se verá. Alteração que mudando as relações da metrópole com a colônia, passando mesmo a colônia a ser metrópole, na inversão desta lógica colonial com a qual se passou a dizer, porque rima em português e irritava solenemente aos portugueses: ‘Encomenda sem dinheiro fica no Rio de Janeiro’. 2. Os anos se vão somando, e os séculos se completam, agora dois, sobre este casamento que mudou Portugal e o Brasil para sempre, duas centenas de anos que iremos reviver, porque a memória é vida, e tenho esta gente bem viva porque deve ser lembrada e relembrada pelo que fez, e quero que as personagens saltem do papel e venham dançar à sua frente, com suas qualidades e defeitos, com suas vontades e desleixos, com suas verdades e segredos, mostrando e demonstrando tudo o que se passou. Trazendo-vos o gosto das coisas, não mortas nem vivas, mas eternas, como são as coisas do passado, que como fatos imutáveis conquistaram este estatuto, e que devem ser apresentados em sua plena extensão para fazerem-nos viver com eles e com as personagens que os protagonizaram, com tudo aquilo que representam e que, chegados até nós, dizem-nos do rumo de nossas vidas, rumo que estas personagens traçaram com suas ações e omissões, e que foram estas mesmas ações e omissões, hoje eternas, que moldaram tudo que aí está, e a que chamamos ‘status quo’, ou realidade presente, e que é a materialização em somatório, como consequência, de todos os atos que se fizeram antes. E alguns se nos vão revelando por seus testemunhos, os quais vamos ocasionalmente encontrando e descobrindo. Aqui também assim foi. 3. Foi preciso sorte, disposição, ganas, perseverança, paciência, tempo e disponibilidade! Os pré-requisitos necessários, indispensáveis mesmo, para produzir uma obra como essa. Onde teremos que retirar do Danúbio suas ninfas, suas ondinas e todos os espíritos fantásticos que o habitam, para que venham prestar reverência a esta festa plena de maravilhas, assim como Strauss o fez com sua música no tempo da festa, quero eu fazer com meu pálido verbo ao relatá-la, quero dar vida ao ter memória. Náiades venham dançar! E como o Danúbio, também a Guanabara e seu perdido Janeiro, e também o Tejo, o Moldava, o Sena, o Lago di Lèsina, ou o di Varano, e ainda outras muitas hidrografias com suas entidades mitológicas, tágides, melíades, multíplices potâmides, e também venham seus fantasmas, seus espíritos benfazejos ou maléficos, para além de outras entidades manifestas que conformam a paisagem histórica, sem nada esconder, que estes são o invisível, o impalpável, mesmo o imponderável, sua alma, suas gentes e paisagens diversas, que sendo o que se pode ver e perceber de suas ações, pois tudo se combina. E que como ao sátiro de Bouguereau elas me conduzam a banho lustral, ou batismo, minhas noivas que são, e destarte ao destino revelador dos mistérios, pois os trazendo à memória, revelo-lhes a presença, personagens que estão conosco vivas, vivas na vida que nos legaram, na forma como as coisas se passaram e chegaram até nós. Vivas! Já que só vivem os que se fazem lembrar. Partindo desses três focos, o do contexto, o da materialização, e o da factualaidade, dediquei-me 25 anos a estudar esse assunto do elo entre o Brasil e a Áustria, que levou a Independência do Brasil, tendo como geratriz o casamento de D. Pedro e D. Leopoldina, que desaguaram numa série de acontecimentos que determinam a enorme mudança mundial do XIX, com a instituição da liberdade e voz dos povos, antes sujeitos ao silêncio do poder absoluto. Vos trago a reflexão toda a teia de interesses que eclodiram nesta época como nova realidade inesperada à conta de ideias novas que se espalharam pelo mundo, criando entendimentos, sentimentos e organização tão diversa da vigente até então. Com esses dados escrevi esse livro que Vos apresento como ferramenta para a compreensão da realidade a partir dos fatos que a moldaram com as sucessivas mudanças que foram ocorrendo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Da irresponsabilidade civil virtual, à peta da IA.

Salvo os filósofos, as pessoas não pensam nos arquétipos das coisas, e só vêem as coisas ou como absolutas, ou como arquétipos de outras coisas. Entretanto toda a Natureza serviu de modelo para a tecnologia humana - as aves e insetos aos aviões e mísseis, por exemplo, os cetáceos aos submarinos, o mimetismo à camuflagem, a pedra que se atira de várias formas, às balas e projéteis. No entanto as coisas não são absolutas! Como postulou Platão, as idéias são os arquétipos das coisas, logo as coisas não são manifestação de si mesmas, sendo fruto das ideias. Porém para quem olhe para as coisas, estabelece o senso comum, interpreta a realidade de modo a ver nas coisas a expressão absoluta do que existe, nelas mesmas, esquecendo-se do arquétipo que as gerou, a verdadeira fonte, ficando-se pela visão do mundo. Qualquer biólogo sabe que a intenção que rege a forma como a Natureza cria as coisas, traz consigo um método estruturado num modelo ideal que forja repetidamente este mesmo modelo, o reproduzindo inúmeras vezes com muitíssimas variações formais, e o faz matematicamente. Em química sabemos à exaustão das leis que permitem, ou não, as combinações das diferentes substâncias segundo as possibilidades de sua natureza, arquétipo criador de tudo que há. Ilimitada e ilimitável, a realidade das coisas se foi verificando regrada por modelos intrínsecos de sua natureza, modo pelo qual a ciência foi revelando o que já afirmava a filosofia, o arquétipo das coisas reside nas ideias, e, se as revelarmos, teremos desvendado o mistério, teremos decifrado o código, e faz-se a maravilha do entendimento, unica matriz das infinitas possibilidades a nível humano, posto que tudo mais é escuridão e apalpadelas metafísicas, até que consigamos entender e interpretar a realidade que observamos e as manifestações empíricas de tudo com o quanto lidamos, permanecemos no escuro. E se é assim a essência das coisas além do mundo sensível, uma vez que fixemos o olhar para além da ilusão da aparência das coisas, como, por exemplo, ao observarmos o percurso solar, a primeira ideia é que o Sol roda ao redor da Terra, quando sabemos que é extamente o contrário que ocorre, e ela só nos revelará a verdade, esta tão desejada luz que só se acende na dialética, permitindo libertarmo-nos da visão fragmentária superficial, para atingirmos o 'toú agothoú idéa', a ideia do Bem, abandonando a 'eikasia e pistis' para entrar na 'dianoia e noesis', exatamente como a neurociência veio a confirmar milênios depois, a concluão de Platão, rejeitando o acaso pela assunção da causalidade, como a Natureza há muito nos indicava, pois é fonte de toda ciência. Logicamente se tudo tem sua causa, não podemos deixar ao acaso a regência da realidade das coisas, muito menos as virtuais, uma vez que estas são as potenciais realidades susceptíveis de se materializarem por um lado, e por outro muito mais afetas a 'dianoia', ou seja às ideias que nos governam, constituindo imenso perigo porque o futuro é feito de ideias que, como fantasmas, abentesmas assustadoras, são os espectros voando como avejões na direção de suas aparições constantes, que, se toleradas, irão se materializar como imagens no espelho diáfano do entendimento, sendo depois aceitas por todos como verdades tegumentosas. Portanto devemos ter em atenção: 1. A responsabilidade civil na net só existe se for denunciada uma transgressão, e esta obtiver decisão judicial que a reconheça, diferentemente da vida civil onde qualquer transgressão denunciada (à polícia) obtém imediata resposta. Se alguém proferir injúrias contra você, é imediatamente silenciado, se o atacar, é primeiro detido e depois levado a Juizo pelo crime de agressão. Essa inversão da lógica da resposta à criminalidade, permite, no mundo virtual, ao criminoso praticar o crime impunemente e repetidamente por largo período de tempo, de tal sorte que se o ofendido vier, quando vier, obter as restrições misteres a serem imputadas a quem o ofende, o malfeito já estará consumado, e a injustiça consolidada, uma vez que ficou espalhada a ofensa, mor das vezes baseada em falsidade, e se viralizar poderá mesmo atingir níveis planetários, com milhões a ver, sem saneamento possível. Esta condição de impossível defesa, e falta de pronta punição, é a porta aberta a todos que com más intenções, pelas mais variadas razões, queiram prejudicar quem quer que seja. 2. A demanda pessoal de milhões (fofoqueiros, paparazis, mentirosos, mal-intencionados ou não, e seus seguidores) tem a capacidade de gerar correntes inteiras, de proporções industriais, não só contra indivíduos, mas como ação de desarmonia em velocidade inimaginável na oralidade, ou na escrita não tecnológica, prejudicando tanto pela intenção do falsificador, como pela ação disseminatória do consumidor que reproduz a desinformação ao consumi-la, tanto por sua própria ação, como pela ação multiplicadora dos algoritmos. 3. A multiplicidade de usos, bem como das diferentes intenções de uso, deste meio tecnológico para os mais inqualificáveis fins, permite a corrupção generalizada dos valores sociais, uma vez que o próprio consumidor não se alarma com as diatribes e absurdos que encontra nas redes sociais, as achando circunstanciais, ou serem restritos os desaforos e as invenções propaladas, portanto não serão graves, uma vez que no universo virtual não existe ação, assim como na guerra fria, que não deixa de ser guerra a conta disso. Deste modo o racismo, a violência contra as mulheres, os impulsos pedófilos, os descréditos políticos, religiosos e éticos, etc... etc... são difundidos sem que sofram nenhuma coibição. 4. A verdade subjacente às atitudes anti-democráticas, e criminosas permitidas na internet, é que há uma intencionalidade, muitas vezes perversa, nestas propagações de notícias falsas, posto que direcionam suas ideias a partir de um foco de onde dimanam a maioria das detrações de relevo difundidas, é a intencionalidade política. Já a razão das empresas servidoras permitiren isso, é econômica, não se importando com as consequências sociais, muitas delas criminosas. Não refrear essa difusão à cabeça, permite que se forme um ambiente de desinformação propício aos interesses mais esdrúxulos, propagando ideias intencionadas que servem a grupos políticos que desejam ver inculcadas estas ideias, as fazendo ser aceitas por número sempre crescente de desavisados. 5. A Inteligência artificial, fruto do adestramento político-social da máquina em sucessivos ângulos, conferindo-lhe hipotética lucidez em meio a escuridão geral, e conexões lógicas pelo nexo que apresenta onde há falta de tanto entendimento, permitindo, pelas imensas associações, simular pensamentos e inteligência, portanto assim se intitulando apesar de faltar-lhe sempre muito de imaginação, algo de concepção e um raciocínio verdadeiro, posto não ter espírito, e ser instrumento indissociável de quem a criou, nunca uma inteligência. Mas a ideia de inteligência é engraçada e encobre a autoria, por isto largamente aceita. Voltando à Caverna de Platão do preâmbulo, temos que as imagens refletidas, que só as podemos observar na parede (ecran) imobilizados pela forma como nos é apresentada a pretensa realidade em seu jogo de sombras, condiçção impossível à época da ideia da caverna, mas que hoje existe e chama-se computador, com a mesma iluminação às nossas costas, traz toda uma realidade, do mesmo modo que a parede da caverna, diria Glauco concordando, que contém os mesmos modos de distorção, gerando os mesmos 'prisioneiros crédulos' da única realidade que passam a conhecer, impossível à época de Platão que perspectivou toda esta situação, impossível no seu tempo, e que hoje, sem prospectiva, grassa, desinformando e alucinando aos usuários das redes, pleiteando por ser aceita cada vez mais, posto que só existe em potencial e não em ação, alega, por virtual que é, sendo para os que a controlem, poderosíssimo instrumento de ação, uma vez que "a essência das coisas está para além do mundo visível", como constatou Orwel, e este 'potencial' é capaz de tudo, impedindo inclusive a ascensão da alma para o mundo intelegível, fazendo com que permaneça na lógica do reflexo que lhe apresentarem. Não esquecendo que a ideia do Bem é a última a ser aprendida, e com grande dificuldade, toda e qualquer substituição desta ideia, proposta como verdade, tem a capacidade de engendrar as almas e o entendimento, logo também no mundo intelegível. Assim a dita IA, inteligência artificial, é o meio mais efetivo de incutir as convenientes informações de uma realidade que se deseje fazer crível, ainda que seja falsa, ademais supostamente sem autoria. Neste enorme perigo a que estamos sujeitos, nossa única esperança, essa qualidade nossa, exclusivamente humana, é a de que a 'ideia do Bem', arquétipo original, em sendo soberana, dispensa a inteligência, e mesmo a verdade, venha por fim prevalecer, posto que só ela engendra as almas efetivamente. Por agora devemos entender que estamos todos em perigo.