quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Partir qualquer coisa - Lídia Jorge.

Ninguém gosta de partir nada, mas às vezes é necessário, ninguém não é bem o caso, não nos esqueçamos dos psicopatas, mas não iremos falar deles. Contudo para falar seja o que for, carecemos de palavras, estas que são nada, e que são tudo - nada a nos ferir fisicamente, tudo a nos conspurcar, inevitáveis presenças aterrorizantes quando trazem verdade reveladora. Algumas das palavras geratrizes desta reflexão, que nem será preciso dizê-las em contexto, posto que só sua enunciação, suas presenças reveladoras, rasgam o duplo véu de equívocos e hipocrisia, fruto de um tempo de enganos: diversidade - "um é alto, outro é baixo, outro é gordo", Camões - 500 anos, cemitério - Lagos, animar - "o futuro está cheio de passado", discurso - ler "uma coisa íntima", divisão - apupos e palmas, controvérsia - "o que está visível", denúncia - "o mar é azul e tem ondas", símbolo - qualquer coisa pode ser, realidade - qualquer coisa pode ser, patriota - "os seres humanos são seres com ambiguidades", nacionalista - chantagem, agressões, insultos, sociedade - minar, esperança - "atravessar a lama". A palavra atravessar traz consigo, em contradição com seu sentido original, a ideia de ultrapassar, vale dizer: deixar para trás o obstáculo, logo quem visa atravessar, tem esperança forte num futuro melhor. E quem não tem esperança não pode viver.

Contudo sempre há escolhas: Respeito ou desrespeito, qualificação ou desqualificação, equilíbrio ou desequilíbrio, prisão ou liberdade, ordem ou desordem, bom ou mal, narrativa ou realidade, amor ou ódio, dizer ou calar. E neste processo de eleição só nos vale nosso íntimo, as verdades que fomos acumulando e que nos moldam. Fora isto, sem interiorização, somos levados pelo 'l'air du temp', tão propício a enganos, e há tantos enganados hoje, mas não deixam de ser nossos irmãos, que devem ser esclarecidos, devem ter informação crítica que os elucide. Todo silêncio é cúmplice. Ser-se menos do que se é, é pactuar nestes tempos em que a bomba, que é já octogenária, mas sempre presente, fala sem nada dizer, fala de nós, tempos esses onde ressurgem os falsos profetas. Só em nossa inteireza de tudo que foi avaliado e acumulado em nosso interno, temos verdade, e a devemos expor. Infinitos precursores de possibilidades positivas. Tudo mais é desgraça, tudo mais é minoritário, afastando-nos do infinito da percepção, gerando atropelo por faltar coragem em mandar calçar as galochas para evitarmos a lama, uma vez que isto denuncia a lama. Uma pessoa ATENTA E INFORMADA, PATRIOTA, PREOCUPADA, SINCERA (Como bem notou a Sra. Margarida Devim em relação a Lídia Jorge) não se pode furtar a dizer a VERDADE em sua INTEIREZA, e apontar a lama, correndo todos os riscos que isto representa, desassombradamente, porque seus valores são os dos que têm esta característica extraordinária de sentir "dor pela dor dos outros" um factor agravante da dimensão da verdade interior em toda sua plenitude. Se isso nos tornar impopular, se isso antagonizar muita gente, aqueles que são movidos pelo 'l'air du temp', pois que seja. Não há como ser menos!

Da infinitude.

Muitos não compreendem a extensão que tem a condição de disponibilidade, a imensidão do possível, pelo que representa de amor, porque a maior forma de amor é doar-se, comungando com o outro, esta condição maravilhosa de pertença, de ser parte, de ter parte, de participar, que é o processo mágico de criar, mudar e construir o mundo.

Infinito só Deus, mas fazermos a transposição, para irmos além das nossas limitações mesmo não tendo o entendimento pleno do universal, cingidos por não tentarmos contemplar além, se formos assim, restringimo-nos ao circunstante e ao ego, esquecendo do que está além, e do outro que está connosco. A mais perfeita condição de ser, é ver o próximo e comungar com ele, profissão de fé absoluta. A bem da verdade temos que reconhecer que criamos uma sociedade de ilusões e meias verdades e mentiras, e também falsas realidades, que no dia a dia alimentam e re-alimentam condições destorcidas. Encontrar a maravilha que nos rodeia, abrirmo-nos para o transcendente, requer o interminável exercício de busca da compreensão. O que nos exige sempre constante esforço a alma.

Quem conhece Lídia Jorge, ao menos que seja por seus escritos, terá noção da dimensão de seu entendimento do mundo, e de sua capacidade de exoneração, livre que é, mas como isso é tão raro infelizmente, ao mesmo tempo assusta, como gera incompreensão. Toda verdade transcende por ser universal na expressão, mas é também de todos na percepção, e, como tal, ultrapassa os liames das restrições da sociedade, os das meias verdade e das ilusões, sendo o que é: completa verdade, e evidentemente partindo sempre qualquer coisa.

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