domingo, 8 de janeiro de 2017

MÁRIO SOARES: Sempre a vanguarda.






Adiantado no tempo, nada do que nos bateu a porta lhe passou muito antes de manifestar-se, consciência que obriga a coragem indômita, aparente loucura de um certo modo, por acreditar no que pressente tão somente, e isso se irá tornando uma segunda pele, uma segunda natureza, e só nisso poderá acreditar, contra a realidade que ainda não se alterou, porque lenta, letárgica, resistente, tarda em se dar conta de que o futuro lhe bate a porta, que o futuro é já agora.

'Avant-garde' é a expressão francesa que dá origem a palavra vanguarda, e traz em si a força da ideia de antes de ter em atenção, antes de se abster, antes de evitar, é estar presente, é participar, é envolver-se, porque há aqueles que passam ao largo, desatentos, ausentes, defendidos, a vanguarda é presente, atenta, envolvida. Nada pode definir melhor a intuição do Dr. Mário Soares que essa ideia que traz a expressão francesa que nos dá vanguarda, a palavra que traduz uma posição, a de pôr-se, e estar a frente, assumir a dianteira, estar na primeira linha, com todo o risco que isso acarreta.

Socialista, republicano e laico, três opções difíceis num país católico, mesmo pio, que tendo sido reino a maior parte do tempo de sua história, quando foi República, degenerou; e com esse desvio encontrara um caminho de um país onde idéias como comunidade, colectividade, e mesmo bem comum, eram tão distantes e incompreendidas, que buscar esse caminho era promover confronto, era gerar conflitos fatais na repercussão eleitoral. Destemidamente foi como se classificou, ousadamente foi o que proclamou, desassombradamente foi pelo que pelejou, para que todos se dessem conta do país que queria, dos valores pelos quais lutava, das energias que queria empolgar, e que, contra todos os prognósticos, conseguiu.

Essa sua condição de estar sempre adiantado no tempo, de ver as coisas com antecipação larga, mesmo de pressentir ressonâncias imperceptíveis, de capitar turbulências demasiado subtis para que alguém as notasse, gerava incompreensões acérrimas, e quão mais pertinaz era seu espírito de vanguarda, que só nele cria, e só nele podia crer, porque falava de coisas ignotas, obscuras mesmo, que por ora só seu espírito lúcido se tinha dado conta, e, em face da ignorância geral, só de si dependia, só em si poderia confiar, posto serem verdades não reveladas as que denunciava, como as de um culto secreto, e ao tirar o seu véu dava-as a conhecer, verdades como as de um culto estranho e único, o culto do futuro, logo desconhecido e dúbio, advento da incerteza do desconhecido em que sua convicção quase absoluta, tão plena como peregrina, mas que acabava por revelar-se certeira, militava. E era como magia sua antecipação. Mais que vanguarda, é premunição, fruto de uma análise muito especial, porém era essa a frente em que se apresentava, e, para o bem e para o mal, revelava o futuro, esse no qual já perorava antes mesmo que chegasse.    



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