quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Lendo as cartas de Mandela.




Com uma letra muito regular, indicadora de sua fluência cultural, com raros erros ou enganos, com uma lógica vernácula onde transpira conhecimentos muito para além dos de seu país, expressa-se em inglês, idioma de múltiplas faces, que exige um certo rigor na linha de expressão para ser rico, e a linha que Mandela percorre revela sua riqueza vernácula, mesmo em textos íntimos como são estes a que tive acesso, escritos à sua amada, e na pior e mais cruel situação que um homem se pode encontrar, preso injustamente, sem sentença definida, ou seja por tempo indeterminado. Nada lhe rouba a paz de espírito, nada lhe subtrai a serenidade altiva e consciente, as cartas revelam a face de um homem muito para além de sua condição.



São cartas a Winnie, a enfermeira com quem era casado, e a quem depois o sucesso sobe a cabeça, julgando-se mais importante que Nelson Mandela, perdendo a visão ajustada de sua importância relativa, e da grandiosidade humilde do homem com quem vivera. A serenidade revelada por Nelson Mandela como se visse o que o futuro lhe reservava, como se soubesse que viria a ser um grande nome da história mundial, sem hesitações, sem dúvidas, sem ódios e sem rancores, desde sempre, como que numa preparação consciente e volitiva do porvir que lhe aguardava, para acabar com os ódios e as misérias de seu país, a África do Sul dominada por rancores que a dividiam e geravam radicalização irracional, a pior delas, a racial, onde se odeia só pela cor da pele, maior estupidez impossível. Em nenhum momento Mandela deixa-se influenciar, nunca se deixa envolver por essa avalanche de ódio que dominava seu país, a mesma que o havia posto na prisão de onde escreve essas cartas, e onde jamais perde a tolerância e a sua capacidade de perdão, a interlocutora certamente não o compreendia, e procurava incita-lo ao ódio, mas com a serenidade verdadeira da convicção, nunca se afasta do perdão, sentimento maior que cria, que gera, que revoluciona, como o do padre de Victor Hugo nos Miseráveis que com seu perdão transforma definitivamente Jean Valjan, o perdão de Mandela vai transformar um país inteiro.

As cartas são uma revelação, uma água clara onde transparece a personalidade de um homem que conforma seu caminho sem hesitações, sem dúvidas, e, o mais importante, sem rancores, que confronta seu destino, não se perdendo no acessório. Como Príncipe que era (Não se esqueçam que Mandela nasceu príncipe da Suazilândia.) e como jurista (advogado) entendia perfeitamente que a autoridade só poderia vir de um valor moral, ético, sem mácula, e todo confronto, todo ódio é mácula indelével, portanto vai construindo na prisão esta superioridade moral que o distinguirá de todos, mas com afabilidade, com proximidade, com calor humano, para nunca perder o rumo da fraternidade, único valor humano que importa na relação com outro ser humano, posto que com esse valor em abundância se conformará o tripé que soergue uma sociedade justa e de princípios, como o pensamento revolucionário francês já o evidenciara, e que Mandela na sua busca concretiza absolutamente para legar os outros dois, essência que sustenta o que é hoje a África do Sul que criou.

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