sábado, 13 de abril de 2019

A morte anunciada de Ricardo Salgado.







O tigre que deixa sua pele(*), agora cheia de buracos, exposta ao público, assim como parte de seu patrimônio, seus apreços, e sua intimidade. Penso que a maior condenação do Dr. Salgado, entre as muitas que o esperam, é a de estar apartado de seu mundo, ter deixado de fruir o que fruía, ter-lhe sido amputada a importância, a capacidade de ação, o poder, a influência, o respeito e a deferência de que gozava.



O importante quadro de Brueghel, o novo, que o Dr. Ricardo Salgado tinha em seu gabinete, agora está em Évora, no museu, para toda gente o ver. A 'Festa de Casamento' como é designado o quadro do grande pintor flamengo, junto com o resto da coleção do BES, foi distribuída por todo o país, Portugal, pelo Novo Branco, novo dono da coleção, abrindo à fruição popular maravilhas privadas.

Num de seus depoimentos na Assembleia da República, o Dr. Salgado lembrava que o tigre quando morre não deixa só sua pele, é verdade, há sempre um odor que a acompanha. No seu caso será da melhor água de colônia, com os adereços das maravilhas que rodeavam-no em seu mundo, esse em que se empenhou tanto em salvar, e, como era expectável, fez de tudo, desde o mais correto às maiores ignominias, tentando evitar a explosão da bomba no coração de seu império, bomba colocada pela maldição dos mercados que lançam desgraça a toda gente, e maldição particular aos que nele transitam. [Bomba que decepa e amputa, as amputações na alma do dito dono disso tudo são maiores do que se fossem físicas.] Dr. Ricardo Salgado era desse segundo grupo, homem do mercado, portanto nenhuma inocência poderá alegar em sua defesa (não me reporto a nenhuma das defesas que interporá nos inúmeros processos de que é alvo, mas a da pele do tigre, a da ética).

 Dr. Ricardo mergulhou na esterqueira para tentar limpar um enorme império que nela se afundava, não lhe deram tempo, nem ajuda, essa que não solicitou enquanto pode mascarar a imundície que lhe subia pelas paredes do banco, arruinando um grupo sólido, poderoso, imerso na desgraça lançada pelo mercado, desgraça que ele permitiu que entrasse por sua porta, na ambição de realizar mais uns quantos lucros, mas todos fizeram o mesmo, e pagaram o preço, o do Dr. Ricardo foi apenas mais alto, devido a diversas circunstâncias, sendo a principal a de que seus possuídos não o queriam mais ver como o dono disso tudo. E nesse último ato arrastou consigo o seu império visível, que se esfacelou, e o invisível, que se revelou, o que foi ainda muito pior, arrastado na teia cúmplice de favores e oferendas, ouro, mirra e incenso, para os falsos deuses da república, os pináculos políticos e gestores, como Zainal Bava, este que me indigna muito mais não estar na cadeia, do que o Dr. Salgado, que fazia o que sabe fazer, e com imensa competência, a que lhe sustentava o posto. Porém Dr. Salgado nunca se vendeu, terá vendido a alma ao diabo, mas isso é outra coisa, o Sr. Bava vendeu além da alma, cada gesto, cada sorriso, cada mentira em se fazer passar por um administrador competente, todos sabemos o que ele era, e é.

E nesta dupla asserção temporal, do passado e do presente, a anunciada morte do Dr. Ricardo, a quem os jornais tratam como um despossuído, um desapossado, um excluído, um homem marcado para morrer, se não fisicamente, como acredito que não seja, mas espiritualmente, como se dá. Posto que os jornais se referem ao quadro, seu predilecto, como uma matéria do passado, afirmando, a 'Festa de Casamento' era seu quadro predileto... Ora, o Dr. Ricardo ainda está vivo, e de boa saúde, desfrutando ainda, muitas das suas predilecções, que não se extinguiram junto com o grupo que malversou. E mesmo da 'Festa de Casamento', ainda gostará do quadro, que ele mesmo já não via há alguns anos, (nós nunca o vimos) mas que agora Dr. Salgado o poderá rever, é só pegar o carro, com o chauffeur, e mandar tocar para Évora, esperar o museu abrir, e ir vê-lo, desde que não seja uma segunda-feira.

(*) O provérbio chinês original é <<O leopardo quando morre, deixa sua pele, um homem quando morre, deixa sua reputação.>>




 

Sem comentários:

Enviar um comentário