terça-feira, 2 de junho de 2020

"BRASILEERO, POVO BRASILEERO"




Essa entidade mítica de quem se fala, capaz disso e daquilo. Será?


Quando havia a ditadura militar, esse demorou mais de duas décadas para por a cabeça de fora e fazer qualquer coisa [Isto não retira o valor da vanguarda, quando muitos morreram por afirmarem que queriam ser livres, mas esses, apesar de serem parte, não são o povo brasileiro, falta o resto.] e os que tiveram a coragem de enfrentar os pelotões, a tortura, e os calabouços, sabem o quanto estivemos sozinhos a combater. muitas vezes perguntávamos: Onde está o povo brasileiro?

Uma entidade que existe, mas que se expressa superiormente apenas, sem rosto como é, só será convocada em ocasiões extremas, por exemplo em Inglaterra, vi o povo inglês actuar porque aumentaram alguns centavos o preço da manteiga. Em Portugal vi o povo português agir em Setembro de 2012, quando aceitavam os maiores apertos, passavam pelas maiores misérias, calados, mas porque falaram em alterar o valor da TSU, a taxa social única, na parte a recolher pelas empresas, o que fragilizaria ou comprometeria a segurança social, foram logo para a rua, mostrando a força do povo, e não se falou mais nisso. Aí vi claramente a cara destes povos. Todos se pondo do mesmo lado, e não como no Brasil, onde metade está de um lado, e metade está do outro, no caso inglês chegam a ter mesmo um pensamento comum, que os une e distingue.

O 'povo brasileero' terá que ainda dar muitas voltas, sofrer bastante na carne, para deixar de ir atrás de qualquer canto de sereia que soe, para saber entender que o seu interesse está na construção de um Brasil para os brasileiros, para o 'povo brasileero'. E o que isto quer dizer? Quer dizer para os pobres e remediados, que constituem sua imensa maioria.  Esta ilusão que têm alguns, após muitos anos de lavagem cerebral, de crerem que seus interesses possam estar emparelhados com os da elite, dessa gente que vende o Brasil para ganhar uma comissão, que só pensa nos seus lucros, e  de iir comprar um apartamento em Miami, e que vem reiteradamente ao poder para cuidar destes interesses, com legislação que lhes seja favorável e ações governamentais que lhes encham ainda mais os bolsos. Tem sido assim ao longo dos anos, e quem ousou modificar, por pouco que fosse, esse estado de coisas, terminou, morto, exilado, expulso, impedido, assassinado, com processos de toda ordem, afastados do poder de um jeito ou de outro.

E quem é esse povo? São os militares que servem sempre os interesses das classes mais poderosas economicamente, cumprindo as ordens contra os interesses seus, de seus pais, de seus irmãos, de toda gente miúda, porque a elite os treinou para servi-la. São os favelados, que se vendem por um saco de cimento para rebocar a porta de entrada do barraco. São os operários que não sabem a importância do sindicato, e não gosta de pagar a contribuição sindical. São os pequeníssimos e pequenos empresários que acreditam que com salários mais baixos sobra mais para eles, porque pagam menos aos seus trabalhadores. São as donas de casa que votam em A ou B porque ele é bonito. São um bando de gente sem estudo que se deixa manipular, porque saber ler apenas, o que hoje é curto. Têm de saber interpretar bem um texto, e ler os jornais com alguma periodicidade, para estarem cientes do que se passa e do que lhes poderá passar, têm de saber se associar, de ir a reuniões, de saber falar qualquer coisa, de saber reclamar...

Falta muito! Dei minha juventude nessa esperança, e não resultou em nada. Derrubamos a ditadura, é verdade, mas há uma maior ditadura que diz o que se pode ou não fazer a bem ou a mal. A ditadura da ignorância, e essa demora muito a ser derrubada. Não me arrependo de nada, minha contribuição ficará entre as muitas, milhares, de gente que quis construir o povo brasileiro. Não o Brasil, que esse é rico e poderoso, capaz de arranjar sempre mais riquezas com que crescer, mas o povo, esse que necessita de esclarecimento, informação, e capacidade de análise, cultura, lato senso, para poder tomar rumo, que será só quando poderá ser capaz de se governar, de fazer as escolhas certas (terá um engano, aqui e ali, como todo povo) mas que terá representatividade que sustenha o todo, esse a que chamamos genérica e imaterialmente de Democracia, e que não é. Assim como chamamos a população do Brasil de povo brasileiro, mas que não é, é apenas o 'povo brasileero' esse que gostaria tanto de existir como povo, mas que só existe como massa de manobra, porque ignorante, sem critério de análise, sem capacidade de leitura efetiva. E isso se constrói dentro do processo democrático, com eleições sucessivas, que vá formando uma elite de eleitos e eleitores ao longo das sucessivas escolhas. Mas o que é esse bando que representa o povo, eleito digamos democraticamente porque não houve fraude eleitoral. A fraude que houve foi a cultural que permite gente despreparada ser eleitor de gente despreparada, tendo ignorantes na gestão, desde as cidades mais pequenas, até nos altos cargos ministeriais ou na presidência. 

Aquele que hoje vai para a política no Brasil, vai para arranjar uma boca, um meio para encher os bolsos. Não há mais quem queira servir ao país e ao povo, princípios com os quais me formei, com gente que fazia inclusive sacrifícios pessoais para atender um ideal, essa entidade imaterial que norteia o processo democrático com o combate de ideias, para que possa encontrar um meio termo, onde os diferentes interesses que se enfrentam, alcancem expressão com sua representatividade, e se vejam atendidos. O que hoje há é o tiroteio, quem sacar mais rápido leva a prenda, se deixa o outro estendido, e sua família desassistida, que irá passar fome e mais necessidades, pouco importa, sacou mais depressa, ganhou o confronto, os outros que se danem. É o que vemos nas duas câmaras em Brasília, perderam a vergonha, perderam o juízo, perderam o rumo, pobre 'povo brasileero'.



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