sábado, 15 de outubro de 2022

Das eternas cartas portuguesas.

Na senda de uma tradição mais que tri-centenária, desde quando Claude Barbin em 1669 publicara a tradução francesa, em idioma que as três Marias também utilizaram, de cinco cartas de amor de uma mulher, uma Mariana, como as Marianas que também evocam essas três Marias, agora por pura obstinação estética, e revolta em seu tempo. Aquelas são cinco cartas que desde o tempo de Luís XIV seguem revelando uma sensibilidade, um grito, aquele emitido desde um claustro, mas que na mesma sensibilidade da mulher, e com a razão, a mais expressiva de todas, o amor. 'Ut ego amo te amo''Amor me ad vos', um desejo singelo, um Direito mesmo, tão reprimido, tão esmagado, que a sua só revelação é um escândalo, mas é junto, uma expressão sublime de beleza que muda o caminho da literatura por existirem aquelas cinco cartas, e em existir se resume muita vez a razão perene de que as coisas sejam de um modo e não de outro, assim como existem essas novas cartas.

Assim como existem também essas três Marias suas autoras, a Teresa, a Velho, e a Isabel, duas que nos deixaram, mas das quais ficaram seus gritos, uníssonos com a outra, a Maria Teresa que segue guardando o testemunho, no mesmo tom, como o daquele grito da Mariana Alcoforado, a anônima, que a partir de seu claustro, o fez ecoar pelo mundo fora, e que, pela sua força e beleza, permanece e permanecerá. É como no registo sentimental de Wainewright quando afirma que "A Arte tocou o seu trânsfuga; pelas suas influências elevadas e puras se purgaram os miasmas fétidos; os meus sentimentos ressequidos, fogosos e crestados, foram renovados por uma efloração fria e fresca, simples e bela para um coração singelo." Melhor definição não poderá haver para o efeito. Porém para a Alcoforado eram apenas seus sentimentos latejantes, já paras as Marianas das três Marias e as suas palavras, foram um exercício para um tempo miasmático em si mesmo, em que o antigo regime se decompunha, e cuja comiseração que nos inspira, hoje histórica, era já prenúncio do "…dia inicial inteiro e limpo…" como o quis Sophia, mas de cuja "noite e do silêncio" uns já se tinham aventurado sair.

São suas cartas, as do XVII, que, assim como as novas, portuguesas ambas, revelam a magia do tempo, cada qual de per si, neste lapso temporal de três séculos entre ambas, assim como existe um sentimento de mulher que cumpre seu desígnio, assim como há forças que se lhe opõem, haverá sempre a expressão desse sentimento que, feminino, vem revelar, quem sabe?, "O lugar comum" como queria a Maria do meio em um dos seus primeiro trabalhos publicados, essa Velho, que com a força de sua escrita marcou seu tempo. Ave Maria de Fátima de Bivar Velho da Costa! Essa que esconde geralmente o nome de sua santa, uma Nossa Senhora, a mais portuguesa de todas as Nossas Senhoras.

Ou quererá a outra o mesmo, a da santa que poderá ser a d'Ávila, a de Lisieux, preferida no diminutivo, a dos Andes, Edith Stein, a judia, ou a santa do último dia de Abril, a de Calcutá, para também nos libertar? Não importa, haverá sempre uma "Minha Senhora de Mim" a nos dar "Educação Sentimental" Ave Maria Teresa de Mascarenhas Horta Barros!

Como ficará para sempre em nós a memória da também Maria que primeiro nos deixou, a do nome dessa santa portuguesa que foi rainha, certamente a mais portuguesa das santas, que n'"A Condição da Mulher Portuguesa", marcou a "Crônica do tempo" sendo um d'"Os sensos Incomuns", esse, de sua época, que, como mulher, recusou-se a ficar n'"As Vésperas esquecidas" fazendo-se presente, expressando sua totalidade na plenitude de sua existência que nunca terminará. Ave Maria Isabel Barreno de Faria Martins!

AS NOVAS CARTAS.

O texto, marcante texto de coragem e ousadia, sobretudo em sua época, traz-nos as muitas Marianas, transgressoras, ou trânsfugas, como quereria Wainewright, suas faces femininas emergentes do Universo reprimido da mulher, hoje alcandoradas pela ousadia, como sempre foram alcoforadas, como pressagiava o apelido da primeira Mariana, aromatizadas por seus sentimentos, mas não incensadas por seu amor, como aquele, o que, verdadeiro, buscou a fórmula epistolar para expressar-se, e cuja "beleza da forma" encantou Barbin, e que na história da literatura manteve-se, após o longo eclipse diegético da fórmula, vivo na alma de muitas Marianas e Marias.

Que Deus abençoe a todas.

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