sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Afélio e Periélio

Duas palavras conhecidas e que quase nunca as utilizamos,e que em sua sucessiva ocorrência nos trazem as quatro estaçãoes, assim como a rotação da Terra nos traz os dias e as noites; ações que combinadas permitem aquilo a que chamamos VIDA esse bem tão precioso que contraditoriamente preservamos e desrrespeitamos ou atacamos à vez, na insania humana de gerar e matar, todos os dias, todas as horas, como se num determinado ângulo, o equívoco que encerra fosse natural, e só o é na medida em que carecemos de vida para mantermos vida, e aínão é equívoco. Assim quando o leão caça e devora a gazela, tira uma vida para manter outra, muito bem, é assim. No entanto quando matamos para que o outro não exista apenas, sem o propósito de manter a vida, abandonamos a faixa do normal, para ingressarmos na do injustificável, porque essa relação de vida e morte, permanente ação no Universo, foi quebrada no que ela tem de tangível, uma vez que abandona o natural, e torna-se abominação. Nos ciclos de vida e morte que gerem o planeta numa sucesssão infinda, tudo se manifesta à vez, gerando as possibilidades, mesmo quando esta possibilidade é a morte. Perguntem às flores de cada estação, aos frutos em cada época, aos bichos que comem outros bichos, inclusive nós que também somos bichos, e teremos as diversas possibilidades. A das flores tornarem-se frutos, estes que são alimentos, como os bichos devorados, e que mantém vida com a sua, e que manterá o equilíbrio das coisas, o da própria vida que desse modo estará mantida pela limitação gerada, uma vez que tudo tem limite. Assim pois, quando o Sol se afasta a caminho do afélio, leva seu calor consigo, nossa fonte de vida, ou o fruto devorado deixa sua semente algures, ou o animal, mantendo uma população possível aos que devora em seu espaço de existência, tudo opera para justificar que estes enormes contrários realizem esta maravilha tão banal e tão rara da Vida, vida que queremos plena, de tal modo poderosa manifestação, que justifica todas as mortes que gera. Temos em seu contrário que uma morte que não mantém ou gera vida, é absolutamente irrazoável, posto que inaceitável, como toda a estupidez o é. O despropósito recusa nada, inadmissível que é. E se assim é, porque a banalizamos em desrespeito ao que há de mais precioso? Assim parece. As guerras, do mesmo modo como o Sol, vêm e vão, só que o que deixam não representa nada além do grande fruto de nossa estupidez: mortes injustificadas. Passos sucessivos da inconsequência e irreflexão, resultantes de um menor descortino, os atos guerreiros que têm sido a História da Humanidade, são também a maior confissão de sua falta de entendimento, da manifestação dos impulsos precários que regem a violência, esta manifestação pronta da falta de entendimento verdadeiro, falta de questionamento e introspecção, cujo maior exemplo é a afirmação superior e determinante que é feita ante um grupo de homens irrefletidos. Conhecem a história. Trouxeram-lhe uma mulher sob a acusação de adultera, que, pela lei mosaica era passível de lapidação. Tinha já o grupo as pedras na mão, eram fariseus e doutores da lei que buscavam incriminá-Lo, e queriam por outro lado matar a mulher a pedradas. Envolvendo-O, incriminá-Lo-iam, porque sabiam que em hipótese alguma Ele aceitaria a lapidação, logo seria contrário a lei, portanto culpado, no entanto questionavam-no, insistindo: E Tu que dizes? Sua resposta dá-se colocando-se entre os agressores e a acusada, incitando-os: ⁷ Aquele que de entre vós está sem pecado, que atire a primeira pedra (*). Todos se foram, ninguém atirou pedra alguma das que tinham já na mão. Deixando de lado a autoridade de quem falou, ainda que seja quase impossível ignorar, o que a história nos diz, é que se abandonarmos os preconceitos, os maus intentos e as ambições, e refletirmos, abandonaremos nossos piores propósitos, entregando-nos à verdade que nos liberta de todo sentimento injusto. Como o Sol que faz seu percurso iluminando todas as veredas, nossos sentimentos e entendimento também se iluminam ante a luz da verdade, como indefectível resposta aos sentimentos mais negros, tão só à custa de alguma reflexão. (*)João 8:7

Ministério do Vício e da Virtude - um roteiro..

Na interpretação religiosa de 'cura das almas', ou na essencial de 'execução de uma função', o ministério visa um trabalho, um ofício de resolução de problema que exista no seio social, com a a necesária atuação de força que aja com esse propósito, e destarte consiga sucessos promotores da paz e bem-estar social. Além dessa função, ou melhor, emerge desta função o שפיר - shefer, o benigno, uma vez que todo processo de realização do Bem traz consigo em paralelo todo o terreno místico, o universo das razões incompreensíveis, coisas imperscrutáveis que se manifestam pela simples presença do ofício, este que deverá ter função clara e determinada, o que quer dizer que tem propósito e intenção, ou seja existe como razão, como causa, e não como resposta. Eis o ministério. Por isso temos os problemas carecendo de resolução, que são muitos, havendo ministérios específicos para cada yn deles. De modo que temos em sociedades diversas, diversos ministérios dedicados a múltiplos problemas, muitos são os mesmos, posto que os seres humanos por toda parte carecem das mesmas coisas, entretanto há especificidades locais que requerem outros ministérios para enfrentá-las.
No Afeganistão criaram o Ministério para a Propagação da Virtude e Prevenção do Vício, cuja finalidade última é implementar as regras islâmicas por toda sociedade, sendo uma agência estatal para a implementação da lei islâmica, conforme determinado pelo Talibã,temos portanto o religioso, que entendem esse ofício como o de cura das almas, por ministrarem o credo, um santo ofício que ao longo dos tempos sempre cuidou de impor suas regras comportamentis a toda sociedade.Ministerium, ministerii, a palavra ficou por significar as ocupações, os cargos, as funções e o serviço profissional do corpo de auxiliares neste mister. Este ministério afegão visa a fiscalização das mulheres, tidas como um mal, agente de corrupção, que devem obedecer a estrictas regras, desde suas indumentárias, aos seus comportamentos, para tanto havendofiscalização de suas vestimentas, , bem como de seus modos.. O outrongrande mal está na música, que deve ser proibida por seu caráter libertador, que abre janelas, às vezes portões, para a sensibilidade humana, retirando-a da prisãodo comportamento - a própriapalavra comportamento vem de colocar portas, ou seja trancafiar as emoções e os sentimentos, prevenindo sua expansão.Na Arábia dos Sauds, a família que domina e governa o país, há o "Mutaween", uma comissão com a mesma finalidade (Comissão para a Promoção da Virtude, e Prevenção do Vícioo E o vício e a virtude? A quem cabe decidir o que é vicio e o que é virtude? Estes que se alteram com o tempo, numa mesma sociedade de um determinado país, houve tempo que um certo comportamento era considerado vicio, e evoluiu para virtude, mas mesmo não escoljendo o exemplo estremo, este de um vicio passar a ser virtude, mas quanta coisa que era má e passou a ser boa e vice-versa. É certo que está em ós esta noção de bem e mal, do bem e do mal, como dizem como se fossem entidades absolutas, todavia seu entendimento evolui, e que a noção mais profunda que temos mantem-se, e revalida-se, como bem mostrou Machado de Assis em seu adorável conto "A Igreja do diabo." Mais além do entendimento médio do que seja virtuoso e vicioso, podemos sempre aquilatar que defeitos e imperfeições fazem parte da natureza humana, e os devemos compreender, disse compreender, que não é aceitar e muito menos legitimar, e aqui temos o magnífico exemplo que nos deixou Jesus, como nos relata João, no início do capítulo oitavo de seu evangelho apresentando um caso de depravação e libertinagem (que quer dizer vicio) o da mulher adúltera. E quantas vezes lapidamos pessoas com palavras e atitudes, julgando-a despresivelmente, quando já nos foi dada a lição: "Atire a primeira pedra..." Erro de ofício, defeito, imperfeição, perversão, pecado,mau-hábito, tudo que é apontado como vício, quantas vezes não é, antes de mais, um pedido de socorro. Induz ao bem e a evitar o mal, boas quaidades morais, pudicícia, castidade, eficácia, validade, força, vigor, tudo que é apontado como virtude, quantas vezes não é, é máscara. A cada expressão tanto do vício, como da virtude, podemos descreditá-la como taal. Comecemos pelas virtudes que são mais difíceis de se ver como não podenso ser, o que se acredite que sejam. Das várias dezenas de virtudes classificadas, mais de 50, uma das menos evidentes de que possa resultar no oposto, é assim por exemplo com a fraternidade e o companherismo, duas virtudes muito favoráveis, mor das vezes. Mas quanta fraternidade levou a mortes? Quanto companherismo é mal interpretado? Dir-me-ão: mas a culpa não é da virtude! Decerto, taanto quanto não é da arma o feito de matar, mas de quem lhe puxa o galiho, certamente, mas se não houvesse a arma, não haveria gatilho a se puxar. Muito bem, então escolhamos outras: A amabilidde e o comedimento, ambas mal interpretadas dão em desgraça muitas vezes, como o comedimento que interpretado em fraqueza faz escalar a situação em desgraça, para não irmos mais longe. Com as mais exaltadas, as teologais e as acrdeis, dá-se o mesmo. Não culpemos as vitudes, mas elas são muitas vezes degraus, caminhos, instrumentos para o pior. Com os vícios dá-se o mesmo, sendo bem mais evidente que sempre se pode extrair o bem do próprio mal, considerando os vícios um mal.

"Há que dizer-se das coisas" e das pessoas.

Poucas coisas serão mais legítimas, verdadeiras, absolutas, quanto a integridade, essa condição de inteiro, onde não falta nada, onde nada está alterado, posto que as coisas só são o que são em sua totalidade e em sua inteireza, toda outra condição ou circunstância é uma forma de lesão, onde a pureza primitiva foi subtraída, e a intenção original terá sido retirada, roubando-lhe, de certa maneira sua integridade, essa que não admite rupturas, ou desagregação. E me vêm as palavras do grande poeta Carlos Ary dos Santos, imenso poeta, em seu poema "O Objeto" onde diz: "Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são." e fazendo muitos questionamentos nos lembra que algo que se parte transforma-se em caco, parte desintegrada do original, perdendo sua pureza primitiva, que, não mais intacta, passa a ser outra coisa, deixando de ser o que era, condição diversa, nem melhor nem pior, podendo vir a ter qualquer uma destas novas condições, mas ainda que ficando na mesma, passa a ser outra coisa. O artista prima pela materialidade de sua obra, uma vez que entende que a concatenação das partes só é perfeita no todo original, aquele que motivou sua realização, sem tirar nem pôr, o impulso original deve perpassar inalterado toda a obra, preservando a mensagem, para que nenhum caco sobrevenha. É curioso notar que as falas introduzidas pelos atores num texto original no teatro, chame-se justamente caco, uma vez que são pedaços outros, não a matéria original com que se fez a obra. Deste modo a luta principal de um autor é conservar sua inteireza original, que tantas vezes é alterada em virtude de um entendimento mais fácil, de uma simplificação de natureza vária, até mesmo comercial, uma vez que nossa obra não é nossa, assim como os filhos, quando tomam corpo assumem a autonomia própria de todas as coisas, e aqui outro imenso poeta, libanês este, Kalil de seu nome, que nos lembra que a ânsia da vida tem seu papel, e que esta afasta de nós nossa obra, nossos filhos. Muitas vezes lutamos para que não seja assim, pretendendo reter a originalidade, que nos será sempre roubada em sua relação com o mundo, este que tudo altera e corrompe. A razão desta minha reflexão reside nos ventos originados duma conversa que tive com a Lídia Jorge, por quem já confessei minha admoiração e meu apreço profundos, em que eu perguntava dos livros que saíram no Brasil, e ela disse-me que "O vale da Paixão", de 1998, foi a segunda escolha, já tendo sido publicado o "Misericórdia", mas que ela exigiu que se repusesse no 'Vale' seu título original: "Diante da manta do soldado" que evidentemente tinha sido alterado por razão que ignoro. Não tive coragem de perguntar a razão, poderia ser uma, não direi imposição, mas uma sugestão insistente da editora, que tem todo o direito de ver o lado comercial da coisa, e que aceitamos, devido a tudo que envolve a publicação de um livro. Calei-me. Entretanto fermentou em minh'alma esse detalhe. E deu-se aquilo a que os franceses muito sensivelmente chamam de 'clocherie', torre sineira, lembrando que sempre algo badala para nos lembrar uma coisa que nos tenha escapado, Lídia Jorge quiz restaurar a pureza original de sua obra "Diante da manta do soldado" preterindo o título "O vale da paixão" já com tanto sucesso editorial. A isso chama-se INTEGRIDADE, fidelodade às coisas e a si mesma, talvez por isso, e só por isso, mais que todo o resto, Lídia é o que é, tem o sucesso que tem, e revela uma grandeza nas pequeninas coisas oriunda desse caráter, tenho vontade de dizer canino, desta natureza que tanto apreciamos e respeitamos nos nossos aigos de quatro patas, e que muitas vezes subalternizamos nos humanos como nós, esquecendo que "Há que dizer-se das coisas o somenos que elas são" pois só se é grande quando se é inteiro.

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

TER DÓ NO CORAÇÃO - "SECUNDUM MAGNAM MISERICORDIAM TUAN".

A Natureza Humana desde sempre demonstrou compaixão, pondo-se no lugar do outro que está em sofrimento, tendo piedade, sentindo pena, tendo dó. Essa sensação empática e solidária que nos toca a todos, expresando-se em grande compaixão. Podendo ser incondicional como a 'Kuan Yin', a deusa, bodhisatva, A Senhora da Misericórdia, Domina Misericordiae. Porém ser misericordioso, perdoar, aceitar o erro de alguém, não significa compactuar com ele, "Ama o pecador e odeia o pecado.", nos indica a reflexão teológica. A ação simbólica de expulsar os vendilhões do templo deixa ver claramente a mensagem, o Ser mais misericordioso que passou por este planeta não tolerou a ação de desrespeito e ultraje de transformarem a Casa de Seu Pai num negócio, e os expulsou violentamente sem hesitar um só momento, deixando-nos a lição. A frágil relação entre esses dois procedimentos, o de entender o erro, sem compactuar com ele, é a terrível corda bamba, na qual se encontrará todo aquele que quiser ser misericordioso sem tolerar o pecado. Este romance de Lídia Jorge transita nas esferas antagâonicas destes dois valores, sem perder a noção nem de um nem de outro, na conformidade da indulgência com o pecador, e na intolerância com o pecado. Longe de ser um romance religioso, é um romance humano, no que a Humanidade tem de melhor e de pior, na sua condição contraditória de dor e alegria a um só tempo, "Misero me. Però brindo a la vita.", ou, melhor, em dois tempos tão próximos que se confundem. Em realidades tão antagônicas que se igualam e homogenizam, uma vez que os extremos se tocam. Só lendo. As catorze ações misericordiosas, muito bem conhecidas e documentadas, as ditas obras de misericórdia, que são sete ao nível do corpo e sete ao nível do espírito. As corporais: dar de beber a quem tem sede, dar de comer a quente fome, vestir os nus, albergar quem não tem teto, visitar os doentes, visitar os presos (visitar=consolar) e enterrar os mortos. As espirituais: Aconselhar os indecisos, ensinar os ignorantes, admoestar os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência aos desagradáveis e orar pelos vivos e pelos mortos. SEREMOS ETERNAMENTE CARECENTES QUE ESSAS OBRAS SE REALIZEM EM NÓS! DECLARAÇÃO DE INTERESSE. Meu envolvimento com o romance acontece desde logo por uma correspondência que troquei com a autora, sugerindo procedimentos emocionais para a escrita de semelhante enormidade, para que escrevesse sem tentar conciliar ou expor as desproporções inerentes à temática, e aceitar sua adversidade como moto e razão de existência, uma vez ultrapassada pelo tema. Assim aconselhava à autora, presunção a minha, ainda mais neste âmbito incomponível, que só um sentido e um sentimento do universal permitiria abordar tema com propriedade, nada há que dizer ou fazer, onde só a sensibilidade conta, e Lídia a tem com louvor, é mesmo incrível ver sua percepção e entendimento! Naquela correspondência lhe sugeria então que ouvisse o 'Miserere' cantado por Zucchero e Pavarotti, em sua confissão de nossa condição de miséria, pequenez na qual, perdidos na carne, falseamos, mentimos, com dúvida e desorientação, espanto sem humildade, perturbados, pecamos. "Ma che mistero." E mais sugeria o 'Miserere mei, Deus', de Allegri, invocando mesmo: "Incerta et oculta sapientiae tuae manifestate mihi." E Dona Lídia foi plenamente atendida. "Ancora non che" "Stabat mater Alegri." Ou ao reverso: Como um ocaso, assim se pôs ela, a mãe, como não pode deixar de ser na imagem de lidarmos com o incognoscível, e Lídia o sabia desde sempre. - Ao declarar logo no início de que valeu-se da melopeia-guia sugerida, faz-me tornar substância intrusa neste contexto, e dá noção da intensidade e verdade da autora em cada palavra, a nada menosprezando, nada excluindo. Alcançando seu intento: MISERICÓRDIA.

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Partir qualquer coisa - Lídia Jorge.

Ninguém gosta de partir nada, mas às vezes é necessário, ninguém não é bem o caso, não nos esqueçamos dos psicopatas, mas não iremos falar deles. Contudo para falar seja o que for, carecemos de palavras, estas que são nada, e que são tudo - nada a nos ferir fisicamente, tudo a nos conspurcar, inevitáveis presenças aterrorizantes quando trazem verdade reveladora. Algumas das palavras geratrizes desta reflexão, que nem será preciso dizê-las em contexto, posto que só sua enunciação, suas presenças reveladoras, rasgam o duplo véu de equívocos e hipocrisia, fruto de um tempo de enganos: diversidade - "um é alto, outro é baixo, outro é gordo", Camões - 500 anos, cemitério - Lagos, animar - "o futuro está cheio de passado", discurso - ler "uma coisa íntima", divisão - apupos e palmas, controvérsia - "o que está visível", denúncia - "o mar é azul e tem ondas", símbolo - qualquer coisa pode ser, realidade - qualquer coisa pode ser, patriota - "os seres humanos são seres com ambiguidades", nacionalista - chantagem, agressões, insultos, sociedade - minar, esperança - "atravessar a lama". A palavra atravessar traz consigo, em contradição com seu sentido original, a ideia de ultrapassar, vale dizer: deixar para trás o obstáculo, logo quem visa atravessar, tem esperança forte num futuro melhor. E quem não tem esperança não pode viver.

Contudo sempre há escolhas: Respeito ou desrespeito, qualificação ou desqualificação, equilíbrio ou desequilíbrio, prisão ou liberdade, ordem ou desordem, bom ou mal, narrativa ou realidade, amor ou ódio, dizer ou calar. E neste processo de eleição só nos vale nosso íntimo, as verdades que fomos acumulando e que nos moldam. Fora isto, sem interiorização, somos levados pelo 'l'air du temp', tão propício a enganos, e há tantos enganados hoje, mas não deixam de ser nossos irmãos, que devem ser esclarecidos, devem ter informação crítica que os elucide. Todo silêncio é cúmplice. Ser-se menos do que se é, é pactuar nestes tempos em que a bomba, que é já octogenária, mas sempre presente, fala sem nada dizer, fala de nós, tempos esses onde ressurgem os falsos profetas. Só em nossa inteireza de tudo que foi avaliado e acumulado em nosso interno, temos verdade, e a devemos expor. Infinitos precursores de possibilidades positivas. Tudo mais é desgraça, tudo mais é minoritário, afastando-nos do infinito da percepção, gerando atropelo por faltar coragem em mandar calçar as galochas para evitarmos a lama, uma vez que isto denuncia a lama. Uma pessoa ATENTA E INFORMADA, PATRIOTA, PREOCUPADA, SINCERA (Como bem notou a Sra. Margarida Devim em relação a Lídia Jorge) não se pode furtar a dizer a VERDADE em sua INTEIREZA, e apontar a lama, correndo todos os riscos que isto representa, desassombradamente, porque seus valores são os dos que têm esta característica extraordinária de sentir "dor pela dor dos outros" um factor agravante da dimensão da verdade interior em toda sua plenitude. Se isso nos tornar impopular, se isso antagonizar muita gente, aqueles que são movidos pelo 'l'air du temp', pois que seja. Não há como ser menos!

Da infinitude.

Muitos não compreendem a extensão que tem a condição de disponibilidade, a imensidão do possível, pelo que representa de amor, porque a maior forma de amor é doar-se, comungando com o outro, esta condição maravilhosa de pertença, de ser parte, de ter parte, de participar, que é o processo mágico de criar, mudar e construir o mundo.

Infinito só Deus, mas fazermos a transposição, para irmos além das nossas limitações mesmo não tendo o entendimento pleno do universal, cingidos por não tentarmos contemplar além, se formos assim, restringimo-nos ao circunstante e ao ego, esquecendo do que está além, e do outro que está connosco. A mais perfeita condição de ser, é ver o próximo e comungar com ele, profissão de fé absoluta. A bem da verdade temos que reconhecer que criamos uma sociedade de ilusões e meias verdades e mentiras, e também falsas realidades, que no dia a dia alimentam e re-alimentam condições destorcidas. Encontrar a maravilha que nos rodeia, abrirmo-nos para o transcendente, requer o interminável exercício de busca da compreensão. O que nos exige sempre constante esforço a alma.

Quem conhece Lídia Jorge, ao menos que seja por seus escritos, terá noção da dimensão de seu entendimento do mundo, e de sua capacidade de exoneração, livre que é, mas como isso é tão raro infelizmente, ao mesmo tempo assusta, como gera incompreensão. Toda verdade transcende por ser universal na expressão, mas é também de todos na percepção, e, como tal, ultrapassa os liames das restrições da sociedade, os das meias verdade e das ilusões, sendo o que é: completa verdade, e evidentemente partindo sempre qualquer coisa.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Shiva

Como crê o hinduísmo: "É preciso haver destruição para haver renovação." entretanto o desempenho desse papel de destruidor, quando não é feito por um deus, tem consequências graves devido ao retorno. As reações expectáveis ao processo de destruição que ninguém deseja, processo que só mais tarde revelar-se-á útil, talvez até mesmo necessário, mas como é doloroso, é indesejado e indesejável, e causa enorme sofrimento, suscitando fortes reações contra. Nesta perspectiva, Donald Trump, o nosso Shiva de plantão, presta enorme favor ao mundo com sua imensurável estupidez, papel que desempenha brilhantemente por sua cegueira quase absoluta, total falta de empatia, fruto da ignorância e do narcisismo, onde nada mais vê do que a si mesmo: Herói do universo, posto que o mundo será pouco certamente para tanta presunção. Cabe aqui lembrar Eclesiastes 1:2, 'Vanitas vanitatun et omnia vanitas', tendo em vista que de sua presença, como de sua passagem, resultará a vacuidade de sua existência oca, esta mesma que o obriga a marchar. Criar delírio, irritação, demonstrar contradição, bizarria, excentricidade, fraquesa psíquica, como método, ser agressívo, provocatório, torcido e retorcido, cabuloso, discricionário e ofensivo, para gerar irritação e constrangimento generalizado, e mentir, mentir, mentir, gerando suspeitas e instabilidade até atingir o estágio dito de podridão cerebral, onde o indivíduo perde os critérios de análise, sendo este o modo de instaurar o caos. Entretanto a destruição. Como eu havia assinalado ainda durante a primeira campanha eleitoral (2016), trata-se de um psicopata perigoso (título mesmo do artigo disponível na net). Durante seu primeiro mandato não conseguiu, graças à forte estrutura do poder executivo americano, criar o caos, sua constante intenção. Porém agora retornou preparado, industriado, com companhia adequada, lançado em 'Ordens Executivas' às centenas, que vão desregulando, desfazendo, destruindo. Desregulando porque toda ordem é contra o caos, portanto é preciso atacar a ordem, o que faz com essas 'ordens' executivas, um recurso extraordinário da presidência dos EEUU, em caso de crise. Desfazendo, posto que o grande edifício da Democracia necessita ser partido aos pedaços, desfeito aos bcados, para que o caos sobrevenha. É pois a obra de Shiva, só que o deus indu tem uma intenção que, apesar de destrutiva, é renovadora, como quando se derruba um edifício para construir outro. Trump só deseja os escombros. Em todo o caso, em defesa de Trump. De facto o que parece estar por detrás das ações de Trump, é a falta de dinheiro da administração central americana que, como sabemos, desde há muito é deficitária, se financiando ora com a emissão de papel moeda, ora com o aumento da dívida pública, que há muito atingiu valores impagáveis, e que tem a China como maior detentora dos valores em débito. Trump como comeriante-merceeiro, viu que não é nada bom esse endividamento, e a constante derrapagem da dívida pública com aumentos anuais do déficit resultando em mais dívida, vendo uma incontornável tragédia no horizonte, patrocinada por uma dívida impagável. Desde há muito que a China, do enorme estoque da dívida americana que detém, só recebe pagamentos em Yens, ou em ações de empresas sólidas americanas, o que evidencia o nível de descrédito a que chegou o débito e seu meio de pagamento, o dolar (Com o Euro a situação piorou muito, se os BRICS lançarem sua moeda, será ruinoso para os EEUU.). Se a situação chegou ao ponto de não haver voltas a dar, e ele está cortando em tudo, está certo, se o faz preventivamente, está certo. Se o faz por qualquer outra razão, como por exemplo atender os interesses dos milionários que o elegeram, com diminuição de seus impostos, terá de arranjar a falta, o buraco que vai gerar no orçamento, em algum lugar. Se o faz por boas razões, seu único erro verificável é a violência com que o faz, como mereceiro insandecido. Lembra-me uma história do interior de Minas Gerais, onde um merceeiro de nome João, sem recursos para pagar suas dívidas, resolveu dobrar os preços de toda a mercadoria de sua mercearia, em cidade pequena, muita da freguezia não teve outro remédio se não pagar, por não haver lá outra mercearia. Mas um belo dia, quando ele chegou a loja, havia um rato pendurado à porta com um cartaz que dizia: "Chamaram João de rato, João não importou-se. Chamaram o rato de João, o rato suicidou-se." Para além do divertido da história, ela revela a reação que provocam as decisões unilaterais, e que elas não são solução para os problemas. É assim como alterar os nomes das coisas, não muda nada, só causa desorientação. Faz porque faz, e porque faz. Milhares de despedimentos, o fim de muitas agências, o corte em muitíssimos subsídios, e as absurdas tarifas, evidenciam algum problema grave de caixa. Para além de Trump ser um psicopata, que o é, não é estúpido o bastante para promover o caos que promoveu sem que algo efetivo o afligisse, e menos ainda a administração norte americana o permitiria se não houvesse um efetivo problema a os atingir. O enorme mistério, como sempre, acabará por ser sabido, entretanto o caos disseminado terá destruido a força da sociedade norte-americana, tanto mais quanto mais Trump atuar nesse sentido. Ao espelho. Uma pessoa que não fez curso superior não tem nem respeito, nem tem estima, pelas Universidades, pela Academia, pelos elementos do saber e da cultura, há nobres excessões, é verdade. Uma pessoa que não tem formação não tem respeito pelas instituições, sem excessão, aqueles que não atendem às ordens judiciais, aos conselhos de Estado, às sugestões e evidências técnicas e científicas, pensam que tudo se reconstrói, não importa o tempo, os custos humanos e as vidas destruídas. É Shiva que dissemina o caos sem renovação. Ser que só valoriza os elogios. Ignora as críticas. Não tem noção da realidade. O MEDO COMO ARMA. A arte do medo, de seu emprego como instrumento de coerção social, desde as mais remotas épocas, traz resultados imediatos, ao mesmo tempo que gera um altíssimo poder de reação, pressão que se vai acumulando, que uma hora certamente arrebentará. Desconhecendo outro meio mais refletido, e despido da camisa de força que lhe impôs a primeira administração, grande embusteiro, age indiscriminadamente com as armas mais eficazes que conhece, sendo o causar medo e espanto a todos, a mais efectiva. Megalomania pre-ditatorial. Só os reis comemoram nacionalmente seus aniversários. Os faraós queriam ser deuses, e se proclamavam. Esse desejo incontrolável de se ver reconhecido leva o senhor Trump a cometer os maiores despautérios, mas poderemos delinear uma intencionalidade dictatorial nessas atitudes, que veremos se agravar com o desenrolar do mandato. A autocracia. Tivemos o 'Shiva' francês do princípio do XIX, depois no princípio do XX, o da Alemanha, instrumentos encarnados do mal, agora o 'Shiva' do princípio do XXI, americano, irá também deixar um mundo diferente, e também pelas piores razões, sendo o traço comum, o desejo de poder absoluto, poderes como aqueles que tiveram outrora os reis, e que só a componente bélica o permite. A tentativa feita no Capitólio é o mais rematado exemplo de suas intenções. Posto que o princípio desestabilizador é o veículo para sua deflagração, só o efetivo poder das armas permite que se instaure e permaneça enquanto durar esse poder. O triste fim. Disseminar o pânico. Reindustrializar o país, quando este período já foi ultrapassado, apesar de ainda possa ser possível repetir, são retrocesssos para o "again", trazer de novo o passado para evocar o futuro, quando sabemos que a realidade é e será sempre outra. O poder de destruir as instituições, que é um poder avassalador, configura uma capacidade de realizações, que primeiro o que subjuga é a alma de quem a tem, de quem tem essa capacidade, tornando a alma do poderoso priioneira deste poder, corrompe-a de tal modo que Shiva nada mais vê que seus feitos destrutivos, sempre mais, até quando for muito tarde para qualquer ação de renovar, refazer, restando escombros por toda parte.

quarta-feira, 14 de maio de 2025

CUIDADO: A verdade é que Não há farsa que não termine em tragédia.

Todas as vezes que a impostura prevalece, que um ato ridículo se difunde, o final é trágico. Resultante da assertiva de Karl Marx quanto ao processo histórico e sua ocorrência, ao complementar a ideia de Heguel, forjando a frase tantas vezes mal repetida, que aqui damos em sua formulação original traduzida: "A História repete-se sempre, pelo menos duas vezes..." "a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa", temos aí a conjugação de dois polos opostos das possíveis consequências do processo histórico que se verifica sempre como solução de sua ocorrência, sendo esta repetida, como podemos verificar, mas não da mesma maneira. Uma vez que todo ato ridículo atinge e ofende a quem ridiculariza, tanto como a quem a ele exposto sente o absurdo do ridicularizar. Se o processo for deixado livre, se irá espalhar ofendendo, agredindo aos que tomarem parte, e por oposição reagindo de forma grave, muitas vezes perigosa, e às vezes funesta. Sói também dar-se o inverso, a brutalidade da consequência grave ou mesmo funesta, degenera na sua repetição em ridicularia, tornando-se farsa. Entretanto cada vez mais temos processos falsos, onde sua ocorrência foi premeditadamente programada para o ridículo, este que no todo, em seu conjunto, não passou de farsa encenada, esta mesma que irá provocar reação muito intensa da parte dos afetados por ela, uma vez que ninguém aceita ser ridicularizado, ou ver sua posição ridicularizada impunemente, sem reagir. O RESULTADO costuma ser, em maior ou menor grau uma tragédia, como resposta, uma vez que reagem violentamente na maioria das vezes. Se o farsante for expressivo, e a farsa bem encenada, temos que a audiência, as testemunhas, poderá ser enganada pela situação, ou até mesmo envolvida nesta. Cada vez mais temos farsantes em toda parte encenando seus dramas, políticos, pessoais, familiares, institucionais, etcetera, com o fito de envolver os pacientes, obtendo deles apoio, dinheiro, trabalho ou coisa semelhante que lhes renda proveitos de formas várias. Cabe aqui muito bem agora a frase difundida por John Fitzgerald Kenedy, de autor desconhecido, adaptação de uma frase de Jacques Abade atribuída a Abrahan Lincoln: "Você pode enganar uma pessoa por muito tempo, algumas por algum tempo; mas não consegue enganar todas por todo o tempo." Com isso os logros sempre terminam, mais cedo ou mais tarde, e quando terminam revelam sempre seu aspecto trágico, sua face devastadora, uma vez que os dois polos tendem a se confrontar, razão do consequente desaparecimento, em quase todos os casos, do farsante. Essa ideia cômica da farsa, geralmente representada em um só ato (por razões óbvias), uma impostura encenada teatralmente com o intúito de divertir, logo se gneralizou a denominar o ato ridículo como zombaria, onde a intrujice ganhava o contorno de gozação para além da pantomima sendo que seu ponto nevrálgico era esse mesmo; apesar de que nunca iremos saber o que nasceu primeiro, se a farsa como encenação teatral, ou se a farsa como logro, inspirando-se mutuamente, um no outro certamente, sem podermos determinar qual a fonte, a ordem da ocorrência, a precedência. Fato é que ao longo dos milênios de vida em comunidade, os homens sempre instituíram, estabeleceram farsas, enganado ao amigo, ao vizinho, à família, aos seus eleitores, às autoridades, numa sucessiva pantomima indecente que vem se alargando com o decorrer do tempo. Hoje temos farsas universais, com amior ou menor calibre de engano, abandonando o caráter bulesco e popular, e mantendo o caricatural pouco visível, para uma dimensão de sucessivas narrativas políticas pretensamente credíveis, visando enganar cada vez mais gente, e se institucionalizando quando o farsante consegue atingir o poder, tendo como substrato a operacionalidade da farsa que, instituída, torna-se corpo de ideias, possibilidade angular, permitindo o desenvolvimento da mentira falseada - a farsa em si - para dar asas a sua intenção de controle da credulidade, visando sempre o lucro, para tal promovendo as narrativas misteres, alguns farsantes com grande poder para as legitimar. Eis pois o cerne de toda revolução e/ou golpe, de toda ascensão de forças oponentes ao poder a que se opõem, tomando-lhes o lugar; e de toda verdade propalada, ou de toda mentira afirmada como verdade, enquanto durar sua crença, e sua difusão. Porém, como tudo nesta vida, passa, e ao passar trará consigo a tragédia, desde a colectiva, expressa em banho de sangue, em sua versão mais abrupta e intensa; até a individual, tantas vezes ocultada, para evitar a chacota geral, até de outros que também caíramm no logro e não o irão revelar. A tragédia do engano é indissolúvel, e perdurará contra todas as desinfecções. Por outro lado "A Igreja do diabo" como no conto Machadiano, criará raízes por seu turno, reafirmo, sanitárias, que curarão, por quanto tempo forem lembradas, os logrados - tragédia íntima, pessoal, quase sempre ocultadas , mas não menos trágicas. Assim tivemos as concepções mitológicas de milhões de deuses ou das sirenes; as peças de Aristófanes, Terêncio e Plauto, depois as de Sheakespeare, Molière, Dancourt, Lesage, e as do próprio Gil Vicente; bem como, abandonando o terreno literário, temos os grandes embustes do Gigante de Cardif, da Sereia de Barnum ou do Museu Nacional da Dinamarca, do Homem de Piltdown, do big foot, muitos com identidade científica: SEMPRE A MENTIRA E O DINHEIRO. Agora, o relativismo do falso 'ministério da palavra', o do embuste, difunde-se cada vez mais, mas como todas as ondas sobre a praia, acabará por se recolher, e a tragédia sobrevirá. Quanto aos grandes engodos realisados na apostasia da verdade, que tendem a se materializar nas grandes tragédias de nosso tempo que abre cada vez mais espaço a farsantes de toda laia, pelo apoucado senso crítico das massas, que com isso comungam com os impostores, sendo igualmente culpadas. Deixo-Vos por fim para reflexão, a colocação daquele que foi "sígno de contradição", como queria o velho Simeão, "Luz dos homens" Jó 1: 4-5; aquele que veio para dar "testemunho da verdade" Jó 8:32, e poucos o ouviram, e não esqueçamos o alerta na primeira carta a Timóteo, 2-5, que ensina que Deus quer que conheçamos a verdade, quando diz: "Ai de vós, fariseus, hipócritas! Porque sois semelhantes a túmulos brumados, que por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos, e de toda a imundície. Assim também vós por fora pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniqüidade." (Mateus 23: 27 e 28.). Ninguém engana ninguém por qualquer justa razão.