sábado, 10 de fevereiro de 2018

Quiproquó carnavalesco-judicial.




                                                                 "Angústia, solidão, um triste adeus em cada mão, la vai meu bloco vai, só desse jeito é que ele sai." Bloco da Solidão - Jair Amorim e Edvado Gouveia.


A proibição do bloco carnavalesco 'Porão do DOPS' revela uma total falta de humor, bem como a sua anterior liberação também revelava essa falta de humor pelas razões atribuídas em o ter liberado. Vamos primeiro aos fatos:

1. Liberação -
                       A Juíza da 39ª Vara Cível de São Paulo, a Dra. Daniela Pazzeto Meneghine Conceição, havia liberado o bloco alegando que a Lei da Anistia havia perdoado aos torturadores, bem como que  não havería crime em questão, nem apologia do  crime de tortura, porque estavam todos perdoados.

2. Proibição -
                       O Desembargador José Rubens Queiroz Gomes da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo,  deu liminar  proibindo o bloco desfilar por ver que ele faz a Apologia do Crime de Tortura. Pediram a condenação Edson Salomão e Reis Douglas Garcia Bispo dos Santos.

3. Torturadores -
                            Entre os evocados pelo bloco encontram-se duas figuras muito conhecidas, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Sérgio Paranhos Fleury, que os que são contra o bloco desfilar consideram torturadores, e os que são a favor de que o bloco saia, não consideram.

4. Tortura Nunca Mais -
                                        A entidade defensora dos Direitos humanos assim intitulada sentiu-se indignada com a autorização para o bloco desfilar, e entende que as figuras evocadas pelo bloco são torturadores.

5. Ministério Público -
                                       Foi o Ministério Público quem apresentou recurso conta a decisão da Juíza da 39ª VC em liberar o bloco

6. Anistia -
                   Fui contra a Anistia que o Sr. José Sarney promulgou, acho que todos devem responder pelos seus crimes, tanto os que foram torturados como os torturadores, naquilo que praticaram contra outros seres humanos.

7. Discussão -
                        A discussão judicial centra-se na dicotomia entre desfilar porque não faz a apologia do crime de tortura, e não desfilar porque faz a apologia do crime de tortura, contraposição mais estúpida não pode haver.



Como muitos sabem eu fui torturado por estes senhores do PORÃO DO DOPS e do DOI CODI, e acho imensa piada no bloco, sejam lá os seus participantes a favor da tortura ou contra. Sua apologia, como defesa ou como elogio, é estúpida consideração, posto que ninguém em seu estado mental perfeito pode defender ou elogiar, ou seja fazer a apologia de semelhante instrumento de suplício, que mesmo contra-natura, contra os sentimentos humanos que professam e partilham a maioria da Humanidade, sendo exceção somente os torturadores e seus mandantes, é uma degenerescência .

Do porão do DOPS, e de ainda outros porões, surgem, e sempre surgirão, ensinamentos que devem ser recordados, e o mal que evocam são sua própria tragédia, para o ridículo de quem os apreciar, e para a justiça de quem os rejeitar. A didática sempre se fará porque as pessoas têm capacidades críticas e de avaliação, que bem dispensam a interferência do judiciário e de seus ilustres representantes, havendo já uma excessiva judicialização da vida brasileira, mas este é um assunto menos carnavalesco.

Portanto, pelas razões que evoquei, sou totalmente a favor do bloco desfilar, o PORÃO DO DOPS terá sempre muito a nos contar, e a revelar sua idiossincrasia, e a demarcar sua estupidez, filha de um tempo que demonstra o quanto nos podemos afastar da civilidade e do humanismo, o que é o mesmo que dizer que podemos perder nossa humanidade e civilização ao cedermos a barbárie, ao pactuarmos com o suplício e com o tormento. E bem me lembro que poucas foram as vozes que se ergueram contra a tortura enquanto ela era praticada. Quanto aos senhores mencionados como sendo ou não torturadores, não há a menor dúvida para ninguém que são, e mesmo aos que possam querer dissimular essa sua condição, só resta a esse alguém que tem plena consciência da prática da tortura por essas figuras, ser a favor ou contra a tortura como procedimento, sem apologia possível, no mais tudo é conhecido, apesar de anistiado.

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