terça-feira, 14 de agosto de 2018

EM QUAL DOS OITO MINUTOS E MEIO?





Já abordei esse assunto duas vezes nas crônicas pelo prisma político do tema, em  Que será do Brasil? e Terrível retrato do Brasil, no ano passado e nesse respectivamente, analisando os homicídios constantes, ilógicos, estúpidos, parecendo que seu absurdo número se fixou agora (*) nas 175 mortes diárias, como um paradigma da ocorrência da guerra que se trava no Brasil, expressando sua intensidade, entretanto, aqui, quero analisar o seu lado humano, com suas implicações sociais futuras, se esse número se mantiver.

Sou brasileiro, amo estar no Brasil, mas agradeço a Deus, hoje, não viver no Brasil. Não falemos por ora dos riscos, comecemos pelo incômodo da existência de uma mortalidade generalizada, que por azar pode nos atingir inesperadamente. Só o fato de convivermos com a possibilidade gera um mal estar danoso a nossa saúde psicológica. Como nas antigas ordenações dos tempos dos reis, quando o legislador afirmava que pelo só efeito da lei, ou seja em virtude da sua existência, todos estavam compelidos a sua observância, assim pelo só efeito dessa mortandade nos sentimos constrangidos de termos uma vida normal, o desgaste de termos de estar alertas, a energia nervosa despendida, a infelicidade dessa condição, rouba-nos qualidade de vida. Os reflexos dessa situação no turismo traz prejuízos reais (**), quem é o doido que quer ir passear num país onde se mata sete vezes por hora? QUEM DESEJA ESTAR SOB O STRESS DE PODER SER ATINGIDO POR UM HOMICIDA?

A vida no Brasil vale pouco, esta, o bem mais precioso, posto que dela, para todos e para cada um, deriva tudo o mais, a riqueza ou a pobreza, a sorte ou o azar, as alegrias ou as tristezas (sem o dom da vida cada um não existe, para o melhor e para o pior) e sendo assim, num lugar onde a vida pouco vale, nada mais tem valor. A razão de lutar por melhores condições se esboroa, como uma taça de cristal lançada com violência contra um bloco de pedra, tudo fica em cacos. E num país onde haja qualquer constrangimento ao ímpeto que move o mundo, que é nosso constante desejo de melhorarmos, como ocorria durante a ditadura, que criava uma realidade paralela, uma falsa sociedade, que apesar de gerar riquezas no país, apesar de impor a ordem, dois valores tão estimáveis que estão assinalados em nossa bandeira nacional, roubava a integridade ao Brasil, amputando-lhe partes indispensáveis. Essa condição de desassossego, de instabilidade social, de impunidade para quem a pratica,  gera um ambiente também desfalcado, que entrava o progresso, que limita as relações humanas e sociais, que empobrece o desenvolvimento econômico, que amesquinha a vida.

Num ambiente de comiseração constante, que para além da piedade é motivado pelo pavor de sermos a próxima vítima, onde a injustiça conflagra a ruína dos valores absolutamente necessários à vida cotidiana, valores que vão desde a tranquilidade emocional à expectativa de justiça, passando por outros sentimentos de expectativa dos mais diversos foros. Para quem não conhece outra realidade, ou para quem tem baixa consciência política, como para quem já perdeu a auto-estima se conformando com a perversão e a perversidade reinantes é o toca a andar, mas mesmo esses se sentem mobilizados quando o desvario lhes atinge, e protestam, e manifestam-se. Essas quase duas centenas de mortes diárias, que se fixaram na faixa de ocorrência de uma a cada oito minutos e meio, numa constante infinita, posto que se vão renovando a cada oito minutos, e vão envolvendo cada vez mais gente quando atingem o filho, a filha, o pai, a mãe, o amigo, a amiga, o colega de trabalho, o vizinho, onde ninguém está a salvo, como uma doença, uma peste que se espalha, um surto que a todos contagie.

Nessa situação de generalização que levou a existirem anormalidades que vão desde carros blindados e helicópteros para uso diário, seguranças pessoais, até grades em todas as janelas, e criou um Brasil feio, um Brasil cheio de medos, que acentua as desigualdades, que entrava o progresso com altos custos não contabilizados, que rouba a paz de espírito, que, em certas localidades, aterroriza, e que exclui, e o faz seletivamente, escolhendo aos mais pobres e desprotegidos como vítimas preferenciais, onde a cor da ele é determinante para o processo de mortandade, onde existem zonas, bairros e cidades sem lei, numa excepcionalidade inaceitável, gerando um país destroçado como se estivesse em guerra, fragmentando cada vez mais sua sociedade, nos cacos daquela taça partida que rouba o ânimo de progredir ao país como um todo, de melhorar aos cidadãos como partes desse todo, e de viver feliz a todos nós nesse ambiente em que não sabemos em qual dos oito minutos e meio poderá chegar nossa vez.

(*) Estatísticas dos últimos três anos. (Que indicará ter atingido o auge?)
(**) O peso na economia dessa situação ainda não foi mensurado. (É como as perdas de uma guerra.)

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