sexta-feira, 15 de julho de 2022

O carvalho, o salgueiro, a bétula, e o equívoco.

Do emprego correcto das palavras.
Muitas vezes até os opostos se confundem em sua ação, é verdade, mas não deixam de ser opostos em virtude dessa eventual confusão. Nós sabemos, como disse L-S Mercier, que: "Les extrêmes se touchent". Tudo mais disigual é apartado. Só a Arte em sua ação faz exceção, como diz Mario Cavaradossi no primeiro ato da "Tosca" (1), ao referir-se à "Recondita Armonia" posto que "... Le diverse bellezze insiem confonde..." o que não deixa de suscitar a indignação do sacristão que expulsa ao 'Satanás' que vê aí (Fuori, Satana, fuori.) e que segue avisando ao artista: "Scherza coi fanti e lascia stare i santi.", lembrando que há dominios intangíveis, que devemos respeitar. Só à Arte é permitida tal confusão, por puras razões artísticas, bem entendido. Muitos achando essa mescla positiva tornam-se promíscuos, temos pois, então, essa mania que se tem hoje de dizer resiliência por resistência, o que é no mínimo estultice.
Assim também disse o vento num ensejo: "Que você seja tão forte quanto o carvalho, mas flexível como a bétula, que você seja tão alto quanto a sequóia, viva graciosamente como o salgueiro e que você sempre dê frutos todos os seus dias nesta terra." (2) Não sei se foi bem assim que disse o vento, pois deveria crer o salgueiro ainda mais flexível que a bétula, elasticidade que confere enorme graciosidade ao salgueiro, às vezes a própria de um bailarino em movimento. Porém deixando de lado extamente o que terá dito, ou não, o vento, o fato é que a força e a solidez do carvalho em contraste com a flexibilidade do salgueiro, ambas características admiráveis, bem o sabemos, será muito difícil de as reunir e de as fazer conviver numa mesma entidade, exceto quando se o faça em espírito. Posto que nosso espírito deve ser forte e sólido em suas convicções, mas flexível na maneira de as colocar, para não ferir ou melindrar ninguém, porque sabe que poderá sempre as recuperar em sua totalidade original sem perder sua robustez por ter sido dócil, e sem ter imposto pela força sua opinião convicta, mesmo que só pela força das palavras, uma vez que sempre, diplomaticamente, a pode fazer valer. Acho boa essa atitude de juntar coisas diferentes formando um compósito, mas daí a extrapolar e misturar, e chamar preto ao branco, e branco ao preto, é algo que termina sempre num mundo muito cinza de cedências e mistificação, sem ser por brincadeira alguma, mas por desgraça própria, a do equívoco, desarmonia oculta para quem não quis ver.
Não negligenciemos o Vento em sua benção, nem Puccini em sua magia, mas há coisas que se não podem confundir, e não é engano misturá-las, é despropósito, é suspeito, é o próprio equívoco manifesto. A capacidade de recuperação após um revés, a de superar as situações de crise, admirável qualidade, não se pode confundir com a capacidade de resistir, de se opor, e de manter-se. Quando acabamos por jungir coisas tão dissemelhantes apenas por soarem parecido, estamos abolindo o sacrossanto valor do significado, numa negligência para levar a crer que as semelhanças fonéticas possam aproximar realidades distintas. NÃO PODEEM! Resiliência não tem nada a ver com resistência. Se temos convicção devemos sempre resistir e nunca resilir. Essa confusão que fazem, é bem um traço desse nosso duvidoso tempo de covardia ambígua, vivido nesse penitente segundo milenário que iniciamos há duas décadas. Por isso hoje os ucranianos têm causado tanta admiração em sua resistência firme, quando vemos tantos outros tão mais afeitos a transigir, a ceder, a capitular, a se submeterem, a voltar atrás, a escapar, a resvalar, a fugir. Sempre na esperança resiliente de se recomporem, que vejo já muito espalhada; prefiro a resistência. Sou dos que enfrenta, e não aceita nenhuma capitulação. Resistir é bravura, resilir covardia... Este é um indício denotativo agourento que agora temos, pois seguem usando a palavra resiliência, já até a dizem sem o 'i', "resilência", sem o (termo que não existe), insistindo no uso desta palavra como se soubessem o que dizem. (1)Tosca, a ópera com a magistral música de Puccini, tendo libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, a partir da peça homônima de Victorien Sardou. (2)"And the wind said: May you be as strong as the oak, yet flexible as the birch may you stand as tall as the redwood, live gracefully as the willow and may you always bear fruit all your days on this earth." Native American Prayer.

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