quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Na missa de sétimo dia de Ferreira Gullar em minha alma.











Passado o espanto, canto que não sei cantar
Desse dia de pranto, devo então relembrar
Que de seu timbre permanece como signo
Que não padece, e que se deve lembrar
Marca que não desaparecerá
Pois se morre o homem fica a insígnia
Eterno é Ferreira Gullar.

Limpou o poema, desconcretizou-o
Na humanização perplexa de seu sentimento
Ainda vejo as peras no fruteiro
Será que perdem-se mesmo no vazio de estarem prontas para nada?
Ou o nada é frutífero e ultrapassa o fruteiro?
Só Ferreira o saberá, a correr ainda dentro da noite veloz,
Em alguma parte, em parte alguma, não como quem busca,
Mas como quem dá!

Lembro-me do homem, carne e ossos, em sua secretária na Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, tantas vezes lá fui. E aprendi que "Não há vagas" porque "O poema, senhores, não fede nem cheira." Via o tipo comprido, mãos, braços, pernas, e dedos, a secretária era pequena, sua magreza grande, seus dedos pareciam nunca mais acabar no  contraluz de quem entrasse com as janelas ao fundo, aquela mancha marrom de tão moreno, e a calma maranhense de um homem aflito concentrado em seu ofício, a palavra, a irremediável palavra para dizer, para cantar, para gritar, para denunciar e, mais que tudo para revelar, sua eterna vontade, sua máxima força. Causava-me aflição o jeito com que ele mexia a  boca longa boca em falar lento com os longos lábios a dizer das coisas, desvendando-as como se dissesse segredos, todos sem medos, todos revelação. Sinto saudades, sinto vazios, sinto-me como as pêras, pronto para nada, vazio, lembro-me de quantas vezes fui encontra-lo ao Café Lamas em Botafogo, onde estava sempre cercado de gente, ou ir andando com ele pela sua Ipanema amada, sempre simples, levava mochila, vestia sandalhas de couro, tinha vários cadernos dentro da mochila e canetas de várias cores, era muito singelo o meu poeta, nós falávamos de política, quando eu adoraria ter falado mais de poesia, mas os tempos nos obrigavam a isso e Ferreira, sempre engaje como se tudo fosse amanhã. Deve ser muito bonito estar em sonho permanente, não como fantasista, mas como construtor do próprio sonho, de um sonho comum que se espera, que se deseja, e pelo qual se trabalha...

Sua São Luís, onde o culto das palavras é Lei, fica abandonada, Ipanema desfigurada, onde seu mar não o levou, o Rio sem o incêndio das palavras tão necessárias, a imprensa perde a presença constante do inusitado, e as pêras perdem-se mesmo no vazio de estarem prontas para nada.

Adeus meu poeta.

  Lembro-me do homem, carne e ossos, longos ossos, em sua secretária na Folha de São Paulo no Rio de Janeiro, tantas vezes lá fui. E 

aprendi que "Não há vagas" porque "O poema, senhores, não fede nem cheira." Via o tipo comprido, mãos, braços, pernas, e dedos, a 

secretária era pequena, sua magreza grande, seus dedos pareciam nunca mais acabar no  contraluz de quem entrasse com as janelas ao 

fundo, e visse aquela mancha marrom de tão moreno, e a calma maranhense de um homem aflito, concentrado em seu ofício, a palavra,

a irremediável palavra para dizer, para cantar, para gritar, para denunciar e, mais que tudo, para revelar, sua eterna vontade, sua

máxima força. Causava-me aflição o jeito com que ele mexia a  boca, longa boca em falar lento com os longos lábios a dizer das coisas, 

desvendando-as como se dissesse segredos, todos sem medo, todos revelação. Sinto saudades, sinto vazios, sinto-me como as pêras, 

pronto para nada, vazio imenso, e lembro-me de quantas vezes fui encontra-lo ao Café Lamas em Botafogo, onde estava sempre 

cercado de gente para ouvir ao pregador, ou de ir andando com ele pela sua Ipanema amada, sempre simples, levava mochila, vestia 

sandalhas de couro, tinha vários cadernos dentro da mochila e canetas de várias cores, era muito singelo meu poeta, nós falávamos de 

política, quando eu adoraria ter falado mais de poesia, mas os tempos nos obrigavam a isso, e Ferreira, sempre ‘engagé’, como se tudo 

fosse amanhã. 


Deve ser muito bonito estar em sonho permanente, não como em fantasista, mas como construtor do próprio sonho, de um sonho comum 

que se espera, que se deseja, e pelo qual se luta e trabalha...


Sua São Luís, onde o culto das palavras é Lei, fica abandonada, Ipanema desfigurada, onde seu mar não o levou, o Rio sem o incêndio 

das palavras tão necessárias, a imprensa perde a presença constante do inusitado, e as pêras perdem-se mesmo no vazio de estarem 

prontas para nada. 


Adeus meu poeta.

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