segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Pessoa censurado: Qualquer censura é inaceitável.





A Porto editora censurou um texto de  Fernando Pessoa, a palavra em questão que motivou a censura é masturbar  que aparece no poema Ode triunfal de Álvaro de Campos onde três versos foram suprimidos. São eles: "Cujos filhos roubam às portas das mercearias
                                     E cujas filha aos oito anos - e eu acho isso belo e amo-o! -
                                     Masturbam homens de aspecto decente nos vãos de escada"
Referindo-se "a gente ordinária e suja" "para quem nenhuma religião foi feita" (os excluídos) nessa maravilhosa "Ode triunfal" que clama e conclama as banalidades da vida numa cidade, e que  com isso denuncia todos e todas as misérias que por aí se apresentam, porque a suprema injustiça é que hajam excluídos, seja porque motivo for, todos os que não foram convidados à festa, que, por alguma razão insólita, não têm voz para representarem presença, e que serão sempre ausência e exclusão. E nós que somos "triturados por um motor" "atirados dentro da fornalha" apesar de o mar ser sempre "misericordiosamente o mesmo" não o é para todos, expressando o desejo inconfessado de todos os que o possam desejar: "Ah, como eu desejaria ser o chulo disto tudo!" desse mundo rico e proveitoso, que revelando sua inutilidade e seu proveito para uns quantos, para por fim redimensionar a grandeza relativa das coisas nesse parênteses que tudo resume e realiza: (Na nora do quintal de minha casa
                                                                                O burro anda à roda, anda à roda,
                                                                                E o mistério do mundo é do tamanho disto.
                                                                                Limpa o suor com o braço, trabalhador descontente.
                                                                                A luz do sol abafa o silêncio das esferas
                                                                                E havemos todos de morrer,
                                                                                Ó pinheirais sombrios ao crepúsculo,
                                                                                Pinheirais onde a minha infância era outra coisa
                                                                                Do que eu sou hoje...)

Porque nosso condicionalismo prende-se à nossa suposta importância exterior, avaliada por fatores fúteis e compromissados, desconsiderando todo e qualquer valor ou referência espiritual, baseando-se só em cálculos materiais mensuráveis, desprezando tudo o mais.     

Assim é o ato de censurar que também prende-se a condicionalismos de uma suposta importância, e mais grave ainda porque não mensurado, e muito mais agravado ainda porque resulta de pura presunção, e nesse pressuposto acham que deva ser excluído, deve ser restringido, condenando o que talvez não deva ser condenável, repreendendo o que talvez possa não ser repreensível, criticando o que não é criticável,. Poder que nasce de si mesmo e a si próprio basta, direito a que se arvoram uns quantos por presunção de o possuir. Assim podendo mutilar, podar, subtrair, e mais que tudo trair a verdade do texto, a integralidade das ideias e sentimentos do autor. Constituindo a censura sim, de fato, crime imperdoável, adulteração execrável, mentira condenável, porque engana, foge, falseia omite. A censura é a face mais criminosa do preconceito levada a ação, comportamento inaceitável porque criminaliza, prejulga, condena, e executa a pena para além da consideração de qualquer dúvida razoável.                             


Sem comentários:

Enviar um comentário