sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

EUTANÁSIA






NÃO EXISTE BOA MORTE! TODA MORTE É MÁ!


Eutanásia quer dizer boa morte, na antiga ideia grega de evitar o sofrimento e a dor. Há certamente mortes mais ou menos dolorosas, em melhores ou piores condições, e há mesmo os que morrem a dormir, e os que morrem subitamente, tão rapidamente, que nos deixam a impressão que não sentiram nada, não tiveram tempo para o sentir, poderemos então considerar as mortes, umas melhores que outras, mas nenhuma será boa num mundo voltado para a vida, para as energias, onde tudo mexe segundo tudo aquilo que é oposto à morte, logo essa é a negação de tudo que cultuamos e vivemos todos os dias, pondo o ponto final nesta longa sucessão de eventos a que chamamos vida, portanto nunca poderá ser boa.

Nunca esquecendo que a vida também poderá ter sido má, mas só no compito geral, nunca em si mesma. Uma vez que  todos e cada um, todos os dias terá tido momentos de alegria e prazer, desde quando sacia a fome, até quando dorme tranquilo e profundamente. Já a morte é má em si mesma. Não que sua sensação o deva ser, não sei, ainda a não experimentei, mas tudo que acaba deixa uma sensação de vazio, que é exasperante, portanto mau. E no caso da morte em particular maior por desconhecermos os detalhes, uma vez que ninguém voltou para os contar.

E, como sempre, a compreensão daquilo que é mau é difícil, e a aceitação do Mal, mais difícil ainda, o que nos leva a cultuar a vida e abominar a morte, temos uma relação difícil com a morte, essa feliz liquidação de contas que iremos inevitavelmente fazer. E desse sentimento de repulsa nasce o temor que as pessoas sentem à Morte. E esse temor tem servido para justificar muitas atitudes (seguros-de-vida, conhecem alguma expressão mais absurda? Contratação de serviços fúnebres segundo sua concepção de vanglória, etc...) algumas mesmos injustificáveis. Atitudes que vão desde a preocupação com o cadáver (mumificação, mausoléus, túmulos luxuosos, caixões de chumbo, etc...) até às, essas mais fidedignas, preocupações com a alma (extrema-unção, missas, reconciliações, pedidos de perdão, etc...), todas estas misérias do final, quando as atitudes que importam são as do dia-a-dia. 

Esse temor do final, do que possa ocorrer, tem aumentado muito com as possibilidades técnicas alcançadas, porque com mais tecnologia prolongando a vida, e justiça em cumprimento de contratos, podemos ter uma morte espetacular, com hora marcada e efeitos especiais fantásticos. Nenhum milionário ainda o fez, mas podia contratar uma grande sinfónica com mil Viáticos para o final, e o comparecimento de 500 estrelas de Hollywood para o velório, e 5.000 carpideiras para o enterro, era um must! (A must see!)

 Meus caros: A Morte deve ser acarinhada como uma boa visita inesperada, venha quando vier, deve ser bem vinda. Depois, acabou. Que me importa se um milhão de ratos roerem meus ossos, e vermes em profusão devorarem minha carne, eu já estarei morto, não vai me incomodar nada, e quanto mais depressa desaparecer, melhor. Essa tanatofobia generalizada é um contra-senso, uma vez que devemos aceitar com tranquilidade tudo que não consigamos evitar, e a morte é inevitável. Tudo o mais é palermice.

Outra realidade é a dimensão do sofrimento, esse que muita vez acompanha a morte, para enfrentá-lo a química moderna nos deu infinitas moléculas que o extirpam, e como é o fim, logo acabará. Contestarão uns quantos que pode prolongar-se, sim, mas com os medicamentos de hoje é muito suportável. Entretanto sempre haverá os presumidos que o quererão evitar, antes ou tarde, e considerarão uma indignidade passar por isso, presunção, apenas presunção.

MATOU-SE PARA NÃO MORRER.

Para aquele que sabe da aproximação do final, é sempre uma solução matar-se, sobretudo para evitar todos os inconvenientes associados a esse acontecimento. Covardia, pura covardia, que atinge cada vez maior intensidade, sendo homologada por lei em cada vez mais países, guiados pela ideia de serem complacentes, misericordiosos e dignos. Três adjetivações muito relativas, uma vez que a benevolência, a misericórdia e a dignidade, são sempre dependentes do sentimento de cada um, logo interpretação muito subjectiva e particular, que não deve ser tomada como regra, pois que atender ao desejo de suicídio de uns quantos, legitimá-lo, e fazer o Estado responsável por isso, é uma distorção do significado daqueles três adjetivos, e apenas uma homologação do temor.

NEM CONTRA NEM A FAVOR.

Pelo que afirmei no ponto anterior, meu benévolo leitor crerá que eu sou contra a morte assistida, não sou, como não sou a favor, pouco me importa. Sei que vou morrer, aceito isso com a naturalidade com que aceito um convite para jantar. Tudo o mais é circunstância. Toda aquela exasperação e pugna de 'dignidade' que exortou o galego Ramón, com quem me relacionei, é pura presunção. Apoliticamente, inconscientemente, espiritualmente, estou preparado para a jornada, venha quando vier, e o quanto mais tarde melhor, evidentemente. Se dolorosa, viva a química que me livrará das dores, se feia, no mundo não só podem haver coisas bonitas, e devemos conhecê-las todas. Se exasperador, muita das minhas inquietações da vida o foram, porque não pode também ser a da morte?

INCONFORMISMO.

Poderá interpretar o meu descuidado leitor como conformismo tudo que afirmei, longe disso, sou um inconformado, quero um mundo melhor, quero que todas as vidas sejam vividas melhor, mas estou-me nas tintas pra Morte.

 


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