Refluxo da maré/
Poema de Lisboa.
Quando o cheiro da maré adentra pelas vielas
é como um despertar de antigas mazelas, repelir.
De um grande susto que tive
um grande bocejo, um retesamento de coluna
que se convertem em alvíssaras e madrigais,
a dizer à grande cidade compacta: Vive !
Há sempre que viver.
Maré alta, maré cheia, vento norte,
noroeste, cheira a rio, cheira a lodos,
cheira a vida, cheira a morte
Vísceras em ais, acorrem todos
a lugar algum e a algum lugar.
A gentinha mexe-se, cochicha, conversa,
diz lá historinhas, dá notícias, conta piadas.
Vão com pressa ou vão com calma
suas conversas boas, suas conversas fiadas,
pois sempre há um lugar n’alma
que nos diz: aí é.
É todo um amanhecer!
De coisas essenciais e coisas banais, assim são.
E vem e vão,
sabem que são, por este acordar.
E que é do mar!
Ai que é!
Alvíssaras e madrigais,
vísceras em ais,
saudades viscerais,
vêm do mar coisas que tais,
pois que hão de vir.
E ao lado desta cidade lenta, corre a cidade louca
de gente que busca gente, de gente que vive doida
sem pensar,
mas param um pouco, um 'pouquichinho' a lembrar,
tocados pelas brisas que lhes traz
sabor a mar.
Lembram que o mar é signo de seus destinos,
Estreitam-no ao peito sem outro jeito que o aceitar,
com quem convivem desde meninos,
hão sempre de o saber amar.
Sabem à mar, já nos escolhos visíveis e temíveis,
que a maré a baixar vem revelar,
sabor a mar vem-lhe às mesas
nos peixes e mariscos e outras surpresas
de gosto peninsular.
É sempre o mar, é sempre o mar.
Fico eu cá a dizer tais coisas
que bem sabem a alfacinhas,
coisas cantadas já em versos e prosas,
mas que também são coisas minhas.
Que então compete-me dizer?
Pois se é só para fazer saber
que cá percebe o brasileiro,
que um pouco deste cheiro
é pra se guardar
como testemunho verdadeiro
de que há um só mar.
Se quiser diga como Vinicius:
“A nos unir e separar”.
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