terça-feira, 29 de outubro de 2013

Que dizer?

As palavras muitas vezes são fracas. Perderam sua energia pelo uso. E por outro lado os fatos são  tão eloquentes, que ultrapassam tão fortemente o poder descritivo e qualificador da expressão vernácula.Quais palavras usar para o caso da mãe que durante dois anos criou a sua filha bebé récem-nascida numa mala de um carro? Inimaginável? Intolerável? Incrível? Desumano? Absurdo? Impossível? Inacreditável? Qualquer expressão é fraca, e há ainda outras que me occorrem, mas são todas impotentes em face da violência do ocorrido. Uma bebé durante dois anos crescendo atrofiada, mas cresendo, mantendo-se viva, já que a vida tem muita força, numa mala de um automóvel? Foi encontrada imersa em fezes, o que prova que era alimentada, que a sua mãe a queria viva. Até quando? Para que? O que pretendia? Loucura? É mãe de outros três filhos, segundo todas as testemunhas, bem criados, amados, tratados, cuidados, com bom e normal desenvolvimento. Que dizer então desta pobre menina da mala, atrofiada, atrasada em seu desenvolvimento, reclusa logo ao nascer, dois anos de prisão sem condenação e sem pecado ou culpa....Que dizer?

Voltemos às palavras, que  sem elas não nos safamos, não nos comunicamos, não nos entendemos? Qual palavra será suficiente? Sugeri inimaginável e inacreditável. Sim a situação é inimaginável e olhamos para aquilo e não podemos acreditar, mas aconteceu, para além de todas as possibilidades e para além da nossa imaginação mais perversa, aconteceu! E o mais impensável é não ter havido intenção de maldade com a criança dois invernos e dois verões confinada na mala de um veículo de passseio, sem desenvolver suas capacidades  cognitivas, sem desenvolver sua musculação -um ser não ser- algo mais que Shakespeariano, mais que kafkiano, mais que Hitchcockiano, mais que inacreditável... Pois bem: absurdo é, mas aconteceu. Desumano foi, intolerável é, essa mãe que pode ser presa por 10 anos, que privarão seus outros três filhos e até mesmo esta bebé de seus cuidados, pois que era para o resto da família uma mãe normal, não podemos temer a palavra....normal, apesar do duplo comportamento oposto e antilógico. O que, mesmo sem temer e sem acreditar, não conseguimos definir é o que fez esta mulher. Que palavra classifica ou define esta mãe?

Então que dizer deste fato, fato indiscutível e incontornável, uma bebe dois anos numa mala de um carro, logo os dois primeiros anos de sua vida, crescendo, chorando, sentido frio, sentindo fome, querendo aconchego, querendo luz, querendo ar, querendo se movimentar...Não sei que dizer, Deus Pai !

Onde estão as palavras? Costuma se dizer que a arte imita a vida. E que às vezes, tragicamente, a vida imita a arte, mas a arte mais ousada, e para além de seus três ícones que citei, não foi capaz de imaginar,de engendrar trama mais horrenda e macabra, e mais (QUAL A PALAVRA?) absurda? Inverossímel? Irracional? Disparatada? Nada se pode exprimir, portanto explicar, a atitude desta mãe. Sabem, eu sinto, nesta condição de tomar conhecimento de que isto se passou, que me falta qualquer coisa, que me subtrairam uma parte da minha capacidade de entendimento. É-me incompreensível. E o que eu não consigo entender, não consigo expressar, portanto faltam-me palavras, não consigo dizer nada, pois nada posso dizer, a não ser a pergunta que dá título a este  texto.

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