terça-feira, 12 de agosto de 2014

Lugares no fim do mundo: Um país com 36 pessoas e um país onde não se pisa em terra.








        Há lugares onde muito provavelmente nunca iremos, onde a vida, como a conhecemos, não é, onde as referências temporais são outras, onde poderíamos nos crer em outro planeta.  Lugares onde o tempo flui com intensidade diversa, onde as referências são de tal ordem diferentes que lembram a do calendário dos Kagwahiva, onde os meses, ou épocas do ano, eram divididas segundo as circunstâncias do(s) rio(s) junto ao qual (is) moravam, sendo um mês, chamado Tem peixe, outro Águas altas, outro ainda  Águas turvas, estabelecendo assim as referências locais, como se todo o mundo fosse a sua pequena casa, não havendo mais nada para além disto. Lugares onde expressivas partes do país não têm população, muitas das localidades ou não são habitadas ou só o são temporariamente. Países que em seu território têm locais tão distantes como Rio e Manaus, mas que só têm uma área de bem menos de um mílésimo da do Brasil, que tem um potencial para refugiados do clima, distorções geográficas incríveis, onde podemos, mesmo, nos sentir no fim do mundo.

      As Ilhas Pitcairn junto à Polinésia francesa são Britânicas, mas usam o  dólar neozelandês e não a libra, o que é bem uma evidência que são uma unidade autônoma, um país, assim como as  Filipinas, que  sendo pertença americana, não o são. Pitcairn, Cucie, Henderson e Oeno, quatro  ilhas que tiveram uma brutal redução populacional desde 1936, tendo caído a sua população a menos de 15% dos seus originais 250 habitantes, são hoje 36.  Com a famosa revolta do Bounty, os seus marinheiros em 1767 foram  esconder-se lá, para fugir à 'Royal Navy' que os procurava por deserção.  Eram desabitadas nesta época e  foram eles que as colonizaram, escondendo-se lá. Pitcairn é um pico de um vulcão muito antigo, tendo sido habitada na idade da pedra, foram encontradas evidências, inclusive encontraram templos, e depois foram habitadas pelos polinésios durante sua expanção, sendo novamente abandonadas. Adamstown, a  sua capital, é, às vezes, uma cidade fantasma, quando a sua diminuta população faz um pequinique por exemplo. Se alguém for a Adamstown durante o pequenique, não encontrará ninguém na cidade. Será bom morar num país com 36 habitantes? Você quereria ser o trigésimo sétimo?

    Já quinze vezes maior é outro país desta mesma região, Kiribati, este relativamente muito populoso, mais de cem mil habitantes, 1% da população portuguêsa, 0,05% da brasileira, 0,005% da chinesa, divida por 33 ilhas com uma particularidade que fez um amigo meu ir para lá morar: não têm terra. O nosso planeta que se designa por este nome, se fosse levado ao absoluto, as deveria escluir. Kiribati, o país mais oriental do planeta, não é deste mundo, não há agricultura, é todo em coral, por isto lá não se pisa terra e foi por isto que o meu amigo, o Dr. Rafael Soane, um espanhol da Galícia, foi para lá morar em12/12/12, data aquando não deveria mais pisar sobre terra, como ainda não se pode viver na Lua ou numa estação orbital, mudou-se para Kiribati. Não sei até quando poderá lá morar, já que todo o país, as 33 ilhas, corre o risco de desaparecer com o aquecimento global e o consequente aumento do nível dos oceanos, tendo levado a seu presidente a querer comprar terras nas Fiji para deslocar a população se necessário. Esta república é certamente instável, porque poderá passar a constituir apenas um grupo de refugiados do clima, deixando de existir enquanto país.

    Neste próximo Dezembro se vão completar três anos que não sei de meu amigo, espero que esteja feliz, partiu sem deixar contacto, tendo avisado que assim seria, sem deixar rastro, como gostariam de fazer alguns ladrões e golpistas que a polícia procura. Meu amigo, Rafael, não fez nada, já lhe citei o nome completo, era e é um homem brilhante, apenas com uma enorme desilusão do mundo, mundo que conhece como pouca gente, tendo viajado aos mais longíncuos lugares na sua busca civilizacional, estudava arqueologia, fez imensas coleções, das quais adquiri algumas, fomos juntos a muitos lugares do planeta, era uma adorável companhia, buscou seu caminho de solidão, certamente o irá encontrar, espero. ( Deveria ter dito desilusão das pessoas, o mundo não desilude, seus habitantes sim.) Por isto meu amigo partiu para um desses lugares que pertencem a outro mundo, que, estando neste, nós dizemos que são do fim do mundo



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