sábado, 30 de setembro de 2017

Da Insubordinação Civil. "Todo el pueblo, a una."






A insubordinação civil destrói o Estado de Direito, mas não como a guerra o faz, onde por sua ação deixa de haver o próprio Estado, e deixa de haver Direito, podendo, terminada a guerra, haver qualquer outra coisa que os vencedores queiram que haja; nem o destrói como o crime, que corrompe o Estado de Direito, se o destruir, ao menos na aparência, e nem o desmonta, ou o anula, onde se manifesta, sendo mais como uma mancha punctual que logo desaparecerá, porque as forças da ordem e da legitimidade do Estado de Direito são mais poderosas que as do crime. Com a insubordinação civil temos igualmente a derrocada do Estado de Direito por sua ação, mas não como crime porque não sendo individual como é no crime, o Direito que questiona tem uma abrangência mais ampla, e que não é corruptora, mas efetivamente destruidora, portanto, mesmo com sua punição, é alvissareira e não como a guerra porque depois de  realizada não implantará novo Estado de Direito, como podem fazer os vitoriosos da guerra por terem força para tal. Aqui, com a insubordinação, sua força extingue-se em si mesma, como a vida, no ato de realizar-se, não indo para além disto; no entanto esta simples manifestação heróica é suficiente para alterar o Estado de Direito definitivamente, e qualquer perseguição que se lhe façam, a legitima ainda mais. Portanto é como um furacão que muda a paisagem definitivamente, já nada será como dantes, posto que houve aquele ato de insubordinação, alterando mesmo o próprio Estado de Direito.

Gandhi viu isto com clareza, advogado que era, e, com sua formação jurídica, foi destruir a supremacia do Império Britânico ao fazer sal. O Império decretara sua exclusividade na Índia em poder fazer sal, esse bem diário tão precioso e necessário à vida humana. Pois Gandhi com um grande número de seguidores foi ao mar, apropriou-se de uma quantidade de sua água e deixou-a evaporar ao calor intenso do Sol indiano, produzindo, destarte, sal, o que era proibido pelas leis do Império que governava a Índia. Era a insubordinação civil, a arma pacífica que Gandhi escolhera para derrubar o Império Britânico e libertar seu país. E derrubou-o! Sabia que corrompera a essência de uma supremacia iníqua, sabia que depois nada mais voltaria a ser como dantes, e sabia mais, que se os ingleses o perseguissem ou o prendessem, como aconteceu, mais ainda estaria legitimada sua causa.

Esta ocorrência ocasional em Catalunha, posto que os catalães, diferentemente de Gandhi, que o fez conscientemente como ato de insubordinação, foram levados por força da estupidez de Madrid, consubstanciada na posição de um homem sem grande visão, o sr. Rajoy, a cometerem a insubordinação, ou seja,  realizarem o Referendum contra a vontade espanhola, contra a letra dos dispositivos constitucionais, e contra a decisão do Tribunal Constitucional que a confirmou. É um ato de insubordinação civil que destruirá o status quo do Estado de Direito, criando nova realidade, um novo modo de estabelecer as coisas pela vontade, vontade renovada e modificada diferentemente do que tem prevalecido em Espanha até então. Tudo será diferente, ainda que Madrid creia impor sua vontade, punindo exemplarmente os líderes da revolta. A insubordinação civil, assim como um vírus para o qual não se conhece remédio, infectará o Estado de Direito, comendo-o vivo por dentro, e pondo em seu lugar algo diverso, uma realidade absolutamente diferente que revelará possibilidades infinitas, que, para quem as souber conduzir, serão as obreiras do futuro desejado, onde Novo Estado de Direito se irá assentar.

Diga-se como Lope de Vega: "Aqui a vontade do povo é só uma: Fuenteovejuna, Fuenteovejuna."

Está cada vez mais perto o dia de uma autonomia Catalã, que só poderá ser evitada com a oferta de a transformar em Reino-Unido, como foi com o Brasil, reino unido de Portugal quando D. João (que depois será o VI de Portugal) lá foi morar no Rio de Janeiro. Esse anseio Catalão tem muitos séculos de luta, e não desapareceu. Quando em 1640 Portugal era espanhol, a Espanha perdeu Portugal, e a sua outra metade do Império mundial, para manter Catalunha, não evitando a Restauração portuguesa com a aclamação de D. João IV, quando ficou muito evidente o quanto estava disposta a pagar para manter a província catalã. Porém a insubordinação civil que agora se deu, abre novas e inesperadas perspectivas imponderáveis.

A insubordinação Civil tem um poder desalentador, roubando mesmo o fôlego de quaisquer outras ações, porque além de desmoralizar o dito estado de Direito, expondo que não há esse Direito pretendido a manter o Estado, como faz desmoronar todo o edifício do Estado (do Governo) como até então estava estruturado, e desqualifica qualquer nova ordem pretendida a ser instituída. A combinação desses três fatores, mais, como nos lembra Lope de Vega, o de juntar as vontades populares, é fatal, derrubando total e  absolutamente o Edifício do Estado, que só poderá ser reerguido com outras pedras.




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