quarta-feira, 25 de maio de 2016

A dimensão da cidadania.




Que é cidadania? Como avalia-la?  Poderá ser medida? Por quais critérios? O que determinará a dimensão da cidadania?



A primeira questão que se coloca é sobre o ambiente onde ela se manifesta. Será mais cidadão aquele que se manifeste em democracia ou em ambiente de ditadura? Terá mais peso o cidadão numa ditadura que numa democracia? O que nos parece óbvio é que o risco agregado num ambiente de liberdade é pequeno, o que não dispensa o critério central que avaliamos como básico: o da participação. O primeiro critério para avaliar a dimensão da cidadania de um povo, como de uma pessoa é, certamente, a sua capacidade de mobilização, porque antes de tudo a cidadania deve ser vista, e sua visibilidade requer atitude, e só essa torna visível o cidadão.  O que não retira cidadania a nenhum cidadão que passe apenas sem manifestar-se, qualquer pessoa terá em princípio o mesmo grau de atuação cidadã que qualquer um, desde que seu objetivo seja o pluralismo democrático, mas tem de demonstra-lo.

Por isto a avaliação da cidadania dá-se em momentos difíceis, em situações adversas, em ações contra o status quo, em reação a ambientes adversos, e, sobretudo em nadar contra a corrente dominante, seja ela majoritária ou não, desde que  detenha os meios para refrear a participação cidadã, fica evidente que o outro polo que se insurja necessitará de maior ímpeto e força, características que em democracia são mais difíceis de se avaliar, mas existem indicadores, e devem ser apreciados. Haverá sempre sentimentos contrários, sentimentos de xenofobia, de superioridade racial, de racismo portanto, de pessoas e países que se julgam superior aos outros, e muitas vezes sem se darem conta de que sentem dessa forma errada, trazem consigo um divisor de águas que os presume ao menos mais efetivos que os demais, pelos resultados que conseguem, ignorando o esforço alheio pelo seu fraco resultado, ou o atribuindo a razões as mais excludentes possíveis, que inesperadamente se revelam em suas atitudes, mesmo acreditando serem politicamente corretos, há um vírus inoculado, sobretudo na gente do norte da Europa, que os faz acreditarem-se superior por seu progresso material alcançado. Na verdade há mais valores no mundo a ter-se em conta.

Por exemplo no doméstico, fica claro que as pessoas vêm perdendo sua eficiência cidadã, há menos família, há menos gente atenta e preocupada, caíram os níveis de responsabilidade doméstica, todos eles, a desagregação familiar leva a outros níveis de desagregação, aquela fórmula de se atribuir às famílias a condição de célula 'mater' da sociedade, segue vigorando.

Deixemos, por outro lado, aqui bem claro que em ambiente de ditadura todos os indivíduos sujeitos a ela devem reagir no sentido de extermina-la. Todo aquele que se omite nesse ambiente, não merece o título de cidadão. Depois temos que em democracia, que é uma construção permanente, deve sempre existir reivindicação e luta social, porque existem forças poderosas na sociedade que promovem seus interesses contra os interesses da maioria, e que todo aquele que se vir prejudicado ou restringido em seus direitos de qualquer modo que seja, deverá de manifestar-se contra essa situação até que ela se extinga.

Por exemplo o que se passa hoje na Síria, o que se passou na Alemanha Nazi, em Espanha, em Portugal, no Iraque, e o que se passa hoje na Coréia do Norte, onde ditaduras impuseram sua vontade ao povo, sem grande oposição, é o atestado de menoridade cidadã mais forte que se pode ter. Já com países como Angola, Rússia e China, onde um simulacro de democracia é apresentado, tendo, sob sua  capa, na verdade regimes autoritários, a reação é mais difícil, mas mais imperiosa.

Em países como Venezuela, o Brasil de Temer, a Turquia de Erdogan, onde os governos ascenderam democraticamente, mas não revelam legitimidade política para governar, a ação cidadã é necessária, mais sua manifestação só pode conter o germe do saneamento democrático a que chamamos eleições gerais, toda e qualquer outra manifestação é antidemocrática, logo não cidadã.

Portanto fica claro que a dimensão cidadã tem características muito diversas dependendo da situação. Por exemplo os portugueses que por décadas mostraram sua incapacidade cidadã sob Salazar, com honrosas excessões, hoje é um dos povos com maior índice de capacidade cidadã no mundo. O Brasil que se sujeitou a quase década e meia de ditadura militar, com muita oposição é verdade, mas com muita cumplicidade, porque todos aqueles que se calam são cúmplices, hoje dá exemplo ao mundo com manifestações pelo imenso país fora, reivindicando seus direitos nas mais diversas questões e tomando posição quanto a todas as situações da vida civil. Entretanto as atitudes russas, norte-coreanas, angolanas, venezuelanas e chinesas, para evocarmos situações muito diversas, onde a imensa maioria, para não dizer a totalidade, cala e aceita a vergonhosa opressão que sofrem à conta de um poder que não representa a maioria, ainda que em alguns casos, como o chinês possam estar promovendo o progresso econômico, como foi o caso do Brasil em ditadura militar, mas fica a pergunta: Poderá não haver progresso e desenvolvimento econômico em países como o Brasil e a China, seja sob que regime for? São fortes demais, ricos demais, poderosos demais para não avançarem, logo todo o desenvolvimento econômico que fizerem tem dever para todos, quando excluírem alguém estão a falhar.

Porém é isso que se tem passado historicamente, há segregação, há profundas diferenças de classe, e há racismo. Sendo essas mascaradas historicamente, ocultadas, dissimuladas, como se isto não os afetasse. Por exemplo em Portugal e Brasil, países marcadamente racista, por haver a latere um contingente populacional sem preconceitos, e haver também pouco preconceito sexual, havendo imensa miscigenação, querem-se crer não racistas, no entanto é só raspar um pouco a superfície e logo se revela um sentimento profundo, enraizado de discriminação de várias ordens.

O que aqui se discute é a participação cidadã, e esta é sinônimo de liberdade, onde esta falhe, seja porque razão for, como no caso da Venezuela, que um governo legitimamente eleito, com todas as condições para governar, não poderá permanecer,  e a dimensão cidadã deve exigir eleições para que ele seja mandado embora o quanto antes, porque não da repostas à liberdade do povo, e uma das primeiras liberdades, talvez a mais fundamental, mais que o direito de protestar, mais que uma justiça atuante e sem motivações outras que as de prover Justiça, é a liberdade de poder comer todos os dias, e encontrar alimentos para satisfazer a essa necessidade, liberdade intrínseca e manifesta.

Temos por fim o caso brasileiro, onde de apreciação institucional em apreciação institucional, democraticamente manifestas, sejam judiciais ou parlamentares, chegamos ao fato de termos um governo legitimamente democrático e politicamente absurdo, onde os interesses que se movimentaram dentro da normalidade democrática levaram a uma situação esdrúxula de ilegitimidade política manifesta, que só o banho lustral do ato eleitoral poderá sanear.

Como se vê a dimensão da cidadania é muito variada e variável, carecendo de coragem, força. ímpeto, ação e participação, mas sobretudo de discernimento, em cada caso.




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