Há um passarinho preso numa gaiola, talvez um quadro num fundo de um cofre, sem cumprir a sua primeira intenção: ser admirado!
Na minha visita a Cruzeiro Seixas em Vila Nova de Famalicão.
'Surrealisme', como diria Dali alongando o último esse e espocando a sílaba final do eme bilabial.
Surrealisss-me !
Como se dissesse: me 'surealise'.
Não traz solução. É um excelente bálsamo, desconvulsiona, redime a tensão, porém não a erradica.
O 'non-sense' tem esta capacidade maravilhosa de admitir e indicar saidas imprevisíveis, porém estas verifi-cam-se curtas ou portas falsas. É o momento liberador e libertador das experiências ou expectativas, que permite abrir uma porta, que, em verdade, está permanente fechada, ao promover uma atmosfera delirante que tem o poder de dissolver(mais que de abrir) as duras portas que conformam(comportam) a existência individual e solitária a que todos estamos destinados. Só somos com e em nós mesmos.
A fama, o brilho, os olofotes criam a fantástica ilusão de serem permanentes ( nesta mesma noite estarás sozinho- podereis continuar enebriado daquele brilho, porém quanto tempo durará esta ilusão?)
O homem comum é mais feliz, infinitamente mais feliz, têm a companhia diária do peso das suas responsabilidades: prover, trabalhar, preocupar-se e ocupar-se muito e pensar pouco.Sempre, e o mais cedo possível, voltar à casa, ao lar, às crianças, à mulher ansiosa e preocupada também: " Já voltastes querido? Ainda bem! E sucumbirá à fabulosa quantidade de problemas e expectativas do dia a dia que não são solução, resolvendo tudo porém. Já que resta a fenda, permanece a ferida, corrói-lhe a insatisfação: misto de não resolver os problemas e atender às expectativas que têm dele. Ou, noutra dimensão e perspectiva, um desejo diverso de ter outros problemas talvez, e de certamente ter outras expectativas. ( O socialismo, a riqueza, o comunismo, a religião promovem uma atmosfera diluente que também tem o poder de dissolver estas portas, gerando outras ilusões diversas.) A dissolução intensa do eu não traz solução, posto que permanece incólume uma parte deste eu, que se mantém, nunca atingindo a dissolução total, que talvez sobrevenha só com a morte, conservando a angústia. E, ao manter-se , o eu permanece em si, na expectativa central de felicidade, este corrosivo desejo humano jamais atingível, ou satisfeito, para logo se manifestar em nova expectativa.
E no foco central de tudo isto nossa condição de cão andaluz, se quisermos, ou de passarinho na gaiola, se formos mais brandos, porém lá está sempre a quixotesca expectativa de transmutar a realidade pelejando com ela, sem nunca aceitá-la ou incorporá-la.
Da manipulação dos dados sobrevivem os choques do possível com o desejado, que recriam sem-pre insatisfações, que todas juntas, ou cada uma delas de per si, são o agente opressor a coriscar e a corricar a insegurança da alma que quer sempre mais. O desejo é o único culpado! Porém como não desejar, se esta satisfação eu já tive? Outros horizontes alcançáveis ou possivelmente alcançáveis, surgem infrenes, insufragáveis e incontornáveis em contradição, impondo atenção, mais que exigindo.
E o passarinho preso na gaiola canta talvez, mas voar não pode, ao menos o voo longo, largo e libertador a que ele anseia.....(" O passarinho fez um buraquinho..voou, voou, voou...")
O horizonte sempre nos concita, e nesta situação redonda, ou esférica, sempre surge um horizonte mais além, sempre alcançável e sempre anterior aos sucessivos horizontes que surgirão quando, liberto da gaiola, voar, saindo o passarinho do ponto estático donde aquele horizonte único o instigava e convidava a todo instante, para, liberto, em voo alto buscar e encontrar o horizonte alargado e pleno e multiplicado que apresenta-lhe este voo intenso e libertador, longe da gaiola opressiva e opressora, para, finalmente livre, ser feliz.
Quanto mais voar, mais horizontes surgirão porém.
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