sábado, 16 de janeiro de 2016

Numa atmosfera brasileira, emigração.







Hoje, tempo de todas os preconceitos, querem pôr uma barreira à emigração em muitos países, estupidez maior não pode haver. Fui revolver o baú da memória recheado de emoções, bondade que recebi e saudades que sempre hei de sentir, para com exemplos contestar esse sentimento de exclusão que se alastra, e revivendo uma atmosfera brasileira de um tempo de encantamento que vivi, recordo os bons frutos que nos dão a presença de estrangeiros entre nós.

A emigração deu tudo de bom ao Brasil, mesmo a forçada trouxe gente de primeira linha para o nosso país, como todos esses negros fabulosos que construíram o país, e que nos deram seus ritmos, seus ofícios e suas artes, sua estupenda culinária, suas crenças, e sua cor que se traduziu em inúmeros matizes e gradações de beleza e sensualidade, como tos esses europeus que encontraram aqui sua segunda pátria, também tão ricos culturalmente, gente que só acrescentou, gente que com o poder civilizacional de sua sociedade veio somar no Brasil, cada um pondo mais um ingrediente no caldeirão do melting pot, tornando-o mais rico. Diversidade é riqueza, e quem teme a diversidade se empobrece, quem rejeita o diferente se diminui. Desde  muito cedo fiz amizade com todo tipo de gente de toda parte do mundo, o primeiro de que me lembro era um sírio-libanês que vinha vender halawi, e que nos corrigia dizendo ser só sírio, como o doce que nos trazia, porque separava bem os dois países que nós juntávamos, gostava de conversar, falava das belezas de seu país, e certa vez que eu gabei Baalbek, no Líbano, disse que maravilha era Palmira, ensinando-me a amar  sua terra  natal, e que amar a terra onde nascemos é algo muito forte e importante.

Havia Mr. Pitt, como eu o chamava, Lionel de seu nome, um homem que vinha do tempo de meu avô Frederich, inglês como ele, que no Rio Cricket destacava-se como jogador excelente já com seu mais de noventa anos, quando eu percorria o extenso muro da Fagundes de Varela para ir ao Club pensava sempre encontrar Mr. Pitt para dele poder ouvir alguma história inglesa sobre a grandeza do Império.
Haviam muitos ingleses interessantes, Mrs. Edith, inquilina do meu tio Ernani Do Couto lá no final da Estácio de Sá numa vila de casas que era toda sua, ela vivia na terceira da direita da vila, e eu lá ia conversar com ela, que me mostrava e ensinava coisas, e que um dia deu-me um anel de rubi datado de 1870, jóia vitoriana que despertou meu gosto pelas gemas.

Havia Mademoiselle Rinaut, que me fazia ler livros improváveis, Nais Micoulin foi um, e desde que fui tocado  pelo Mistral nunca mais deixei a cultura francesa, riqueza em minha vida: Merci Mademoiselle Rinaut.

Havia o Senhor Montenegro que morava no mesmo prédio de meu padrinho o General Manoel Hemetério de Oliveira Paraná na Mariz e Barros, há cinquenta metros da praia, no prédio dos fundos do número trinta e três, que guardava no nome o de seu país de origem, sendo da nobreza desse pequeno país balcânico que a Jugoslávia do General Tito incorporou, tendo de se exilar. Era mito reservado e discreto, com um ar superior, muito culto, deu-me vários mapas, e pediu-me que quando o viesse visitar marcasse com antecedência, porque era assim que se devia proceder, gostava do formalismo, da distância e da discrição, nunca deixou essa forma de estar, e em respeito a meu tio e padrinho, ia depois de cada visita relatar o que tínhamos feito, mito típico o Sr. Montenegro, nome que eu dizia num misto entre seu nome e o nome de seu país como se dissesse que era o Sr. Montenegro do Montenegro. Nunca lhe perguntei se seu nome era por descendência dos antigos príncipes que governaram o país.

Haviam alemães, dinamarqueses, suecos, checos, russos, gregos, da família do meu colega Demetrius, que sempre quiz me ensinar o idioma, polacos, suíços, indianos e chineses, mas os que me marcaram mais foram sempre os italianos, gente de uma força interior e uma presença que nunca deixarão de habitar minha alma, gente tão diversa como os calabreses, os napolitanos ou os do norte, milaneses, turinenses (piemonteses) e por oposição os genoveses, mar e montanha em meu sonho idílico, que lá estando vi que não é nada assim, são países num país, paisanos que são. Gente encantada que só nos fizeram bem, em que destaco a família Visconti, que também inclui uma francesa, a mãe Visconti, que o grande pintor Eliseu foi buscar a Versailles. E deles toda aquela música maravilhosa que me entrava pelos poros, pelos ouvidos, pela cabeça, pela alma, anima mia de non trovarmi più...

Encontro-me no Duomo da Piazza Antelminelli, a Catedral de Lucca, junto do Volto Santo, ouço outra vez contar a história do lenho que Nicodemos entalhou, é a voz de Elena que me transporta, e vem a minha mente como se estivesse a meu lado, nunca poderei esquecer aquela voz, pois todo o amor que nos é dado sem pedir nada em troca, toca-nos de tal maneira que nos prende, nos agarra para toda a vida, não havia ido a Florença, tão importante, e fui logo a Lucca, conduzía-me a amizade à pequena cidade amuralhada, La cittá comme l'Opera d'arte, em  San Martino com a cortina nas portas para evitar a força dos raios solares brilhantes no verão, para deixar a nave mais sombria, como soem ser todas as naves de todas as igrejas antigas, onde choro feito criança, é saudade, saudade daquela família que me acolheu, os Lucchesi, lucheses que são, Egidio, e Elena, e il mio fratello Marco, que por força da vontade de Elena assim se fez. Lembro-me das tardes passadas no apartamento da Comendador Queirós, onde ia ver meus amigos, o fagiolini regado a azeite e com pimenta do reino moída por cima, as boas histórias, como da vez que presentearam os Lucchesi com uma jaca, Dr. Egidio era o diretor técnico da Rádio Tupi, o engenheiro de telecomunicações que cuidava das antenas da Rede Tupi, e deixaram a jaca na mesa da sala. D. Elena ( Diz.se Élena) quando chegou, que nunca havia visto uma jaca na vida, viera de Itália casada por procuração, o que levava Dr. Egidio a dizer que ela se casara com seu pai, que de fato o representara na cerimônia, ele já estava no Rio trabalhando, pois vendo a jaca no meio da mesa, pensa ser um bicho, e com a vassoura a tenta enxotar. Outra feita foi a mercearia encomendar alguns produtos que necessitava para sua deliciosa culinária, isso, aquilo. Ah, o Senhor põe meio quilo de burro (manteiga), e o português da venda ofendido: Minha Senhora burro não se come, nós não vendemos burro.

Os estrangeiros deram muito ao Brasil, os braços abertos a os acolher pelo temperamento afetuoso de nossa gente, foi a melhor oportunidade de importar cultura, de criar conhecimento, de promover progresso, desde os sírios e libaneses do Saara com seu comércio, até Dr. Egidio com suas antenas, toda essa gente tornou o Brasil muito mais rico, e todos os povos que acolhem os emigrantes só têm a ganhar. Deixemo-nos portanto de preconceitos tolos.

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