O blog O Olho do Ogre é composto de artigos de opinião sobre economia, política e cidadania, artigos de interesse sobre assuntos diversos com uma visão sociológica, e poesia, posto que a vida se não for cantada, não presta pra nada. O autor. Após algum tempo muitas dessas crônicas passaram a ser publicadas em jornais e revistas portugueses e brasileiros, esporadicamente.
domingo, 6 de março de 2016
O Crime da Rua da Caldeiroa.
Na rua da Caldeiroa, no centro de Guimarães, há uma casa para amores passageiros, aqueles que só dependem da vontade, aqueles a que chamamos fazê-los, porém do fazer vem o gostar, e o amar pode não ser ligeiro, pode não passar, passageiro, e quando não passa espera algo mais, um não sei que de expectativa infundada, que espera também não se sabe o que, mas espera, e nesse esperar toda a desgraça do mundo, porque contradizendo o ditado popular muitas vezes é inalcançável o que se espera, porque para haver esperança possível tem de haver retribuição dessa esperança, porque só quando dois esperam a mesma coisa se alcança algo em comum, só um a esperar pode ser desesperar...
Ele tinha 39 anos, idade de grande decisões, ela 34, idade de grande desilusões para uma mulher que já não mais espera nada, ou pouco espera da vida, sobretudo na profissão que abraçara, profissão de poucas esperanças e menores expectativas, sobretudo no campo sentimental, pois quando o amor tem preço, sua concretização resume-se na sua realização mais carnal e nela se finda, que é o fazê-lo em toda a sua extensão, que começa e termina nisso, nesse objetivo e propósito que o consuma e realiza, nada mais.
Porém na rua da Caldeiroa a brasileira com seu dengo deu ao português esperanças, não se sabe de que, mas é certo que deu, e a esperança é a coisa mais tortuosa desse mundo quando não vai se concretizar. E nesse novelo em que se enrola o desejo e a impossibilidade, como duas constritoras que se esmagam mutuamente, havia um namoro, forma gentil de classificar a relação, mas que imputa a quem tem expectativas todo um universo de esperanças, que são aquelas possibilidades de futuro que cada um sonha para si no desejo de ter prosseguimento o presente em algo mais duradouro e realizável que materialize seus sonhos. E o homem da relação sonhou, talvez quando ela, a mulher da relação, fosse incapaz de sonhar, ou talvez quando não o quisesse mais, ou, sonhar, não estivesse mais em seus planos, ou mesmo não lhe restassem planos, pois em seu 'métier' é bem melhor não planejar, pois planejar importa possibilidades das quais já havia abdicado há muito nessa condição...
Foram pro quarto, câmara da tragédia, aposento do sonho, lugar de proximidade, intimidade, exclusividade, e distanciamento, onde só ele e ela sabiam de si e se revelavam, e nessa revelação mútua toda a tragédia, apesar de poderem ver satisfeitos ali todos e quaisquer desejos da carne, os do espírito não. E foi o espírito que falou nessa noite, falou de futuro, de possibilidades, de expectativas, e nesse digladiar da esperança com a recusa: a tragédia.
Ele desatinado agride-a, estrangula-a. Deixa a cena da tragédia, para, refletindo a seguir, vir se entregar mansamente à polícia.
Houve amor na rua da Caldeiroa? Houve paixão na rua da Caldeiroa? Houve certamente um crime na rua da Caleiroa...
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