quarta-feira, 10 de junho de 2015

Mais iguais, mais distantes e mais sozinhas: O Mundo mudou, e mudou para pior.






Fatores como a institucionalização que vem muito de trás, mais o aumento populacional, exponencial no século XX, os meios que se foram estruturando, permitindo um afastamento cada vez maior entre os seres humanos, criando relações cada vez mais frias e distantes, com tudo isso foi se formando um sistema onde suas preocupações estão cada vez mais ligadas a números, estatísticas, projeções, tabelas, programas, cenários, ou seja uma série de novas formas de entendimento que escondem, cada uma delas, e todas elas em conjunto, o ser humano que está nesses números, nessas estatísticas, nessas tabelas, programas e cenários, que escondendo a parte humana do ser humano, apresenta apenas os seus valores quantificáveis como o quanto de trabalho foi realizado, sua produtividade, seus consumos, e sobretudo  sua conta bancária, e num patamar inferior suas necessidades humanas, nestas, compreendidas as suas necessidades sociais, as médicas, clínicas, educacionais, culturais, de informação a vários níveis, ou mesmo de  lazer, que acabaram por formar um bloco de valores só quantificáveis como despesas na maioria das vezes indesejáveis, como se a sociedade fosse apenas meios, ou mais corretamente, modos de produção.

Sempre houve e sempre haverá essa desmaterialização da sociedade em números com um propósito preconcebido, e este esteve e estará sempre ligado com os modos de produção, e como ensina Marx: "O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida material, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência."

Condicionados por esta realidade sempre estivemos e sempre estaremos, o que varia são os graus de condicionamento. E a primeira determinante do grau de condicionamento é a avaliação mais, ou menos, humana da situação que determinará a condicionante. Se quem faz essa análise vê os números apenas como números, por exemplo dois milhões de pessoas abaixo do limiar da pobreza, e considera esses dois milhões como pessoas a subtrair do número de pessoas que contam para o consumo, ou se essas pessoas devem ser recuperadas para o consumo, como numa campanha de vendas se faz a avaliação dos potenciais consumidores, desta pequena consideração da exclusão ou inclusão de um número no modelo macroeconômico que se vá utilizar, onde se incluídas no cenário, essas pessoas representarão uma contingência econômica com valores a acrescentar ou a retirar, que exigirão recursos para a sua inclusão, que depois irão representar retornos, ou se excluídas trabalha-se com um cenário de menor número, e se obtém, dentro desse cenário, respostas mais efetivas sem alocação de recursos e trabalhando só com o grupo menor que já está na categoria de consumidores. Desta diferença, daquela escolha, dessa opção pelo 'só', que exclui dois milhões de pessoas, vem toda a diferença do mundo.

A avaliação será mais ou menos humana dependendo do grau de envolvimento humano de quem faz a avaliação. Se o avaliador for exclusivamente técnico é expectável que os dois milhões sejam vistos apenas como números num determinado quadro econômico, se for político é mais provável que sejam considerados seres humanos. É por isso que o nosso sistema de governação é política e não técnica, por que fizemos esta escolha durante nosso processo histórico, porque queríamos ser considerados como aquilo que somos: seres humanos.

Com o passar do tempo histórico e com os desenvolvimentos dos meios tecnológicos, as sociedades ficaram mais iguais, há várias uniformizações perceptíveis, nos idiomas vão morrendo os regionalismos, diferenças que desapareceram,  por isto estamos todos mas iguais, por outro lado todas as pessoas ficaram mais distantes, ninguém pede ajuda mais ao vizinho do lado, telefona, manda um msn, envia um e-mail. Há outros meios eficazes de se gritar por socorro, e o vizinho do lado perdeu a importancia. Esta nova sociedade na qual estamos todos inseridos é, consequentemente, mais fria, mais distante, não depende mais de uma «boa vizinhança» e aqui quero dizer não depende mais de avaliações humanas, de valores baseados em prerequisitos de proximidade, há suportes tecnológicos que os substitui, e nesta substituição toda a desumanização que se criou. Retiremos a componente humana e estamos fritos, e o azeite já está fervendo!

Pagamos o preço destas armadilhas que criamos para nós mesmos, porque com essa desumanização toda a sociedade acabou por aceitar implicitamente um modelo mais individualista, mais distante, mais frio, supostamente mais profissional, que retirou a componente prima da humanidade: entender o próximo como alguém que sofre, que sente dor, que desespera, que tem limitações. Sofrimento que pode não me atingir, dor que eu posso não sentir, desespero que pode não me afetar, limitações que eu posso não ter, mas que amanhã podem ser minhas, de minha mãe ou de um filho meu. E prisioneiros deste trama nos enredamos cada vez mais na solução tecnológica, roubamos a proximidade, inclusive política, que se traduzia na política administrativa que nos servia. A falta de rostos aos agentes permite que o egocentrismo natural do ser humano se projete em sua forma mais intensa e cruel, bem como outros desvios do mesmo estilo.

Desservidos, desfigurados, com uma frieza cortante, sem um vizinho para quem pedir socorro por que o ignoramos ou o desconhecemos, unicamente apoiados no suporte tecnológico, vamos criando um mundo diferente, creio que um mundo de desumanidade, e o  mundo para que nos sirva deve ser humano na plenitude do termo, bondoso, benfazejo, compassivo. Tudo onde não há sentimento corre o risco de avaliações desumanas. Vê-se que o mundo mudou, e mudou, incontestavelmente, para pior.





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