sexta-feira, 5 de junho de 2015

Matando o último elefante.


















Já se sabia que haviam poucos, muito poucos mesmo. Para além de toda a previsão e para além de toda a lógica, esta ganância de fazer dinheiro com o comércio de marfim já acabara há muito com as grandes manadas, restaram pequenos bandos solitários, tornando o marfim deles cada vez mais raro e, dentro da lógica da oferta e procura, cada vez mais caro, estimulando a ambição do comércio e a consequente caça destes animais para chegarem ao material de suas presas.

Destes pequenos bandos também caçados passaram a haver animais solitários que vagueavam pelas planícies e logo à seguir refugiaram-se em montanhas longínquas, como que sabedores de sua situação precária, e que com sua graça característica, seu abanar de tromba, seu balançar de corpo, esquivaram-se cada vez mais, proscritos de seu modo de vida, banidos de toda parte, caçados de todos os modos, mortos de todas as maneiras.

Até que só restaram uns poucos isolados, como que furtivos, sobrevivendo longe, muito longe, de seus habitats costumeiros, para evitarem a presença humana que sabiam ser a razão e origem de suas mortes, razão de irem deixando de existir, primeiramente de existir naquelas alegres manadas, bandos pervagantes, quase irresponsáveis na alegria de viver, na felicidade de sua existência vadia e errante, como obra máxima da criação, uma montanha de carne com seus lindos dentes, sua tromba saliente, seu modo brejeiro, sua imensa alegria de viver, e viver era só o que pretendiam. Viver como testemunhas de sua magnificência, viver como verdades da vida, viver como prova de sua maravilha. Sim, cada um uma maravilha da natureza, um prodígio de beleza e graça, que pela desgraça de portarem presas de um material lindo e untuoso, matéria dúctil e própria a ser esculpida, prestando-se a assumir todas as formas, a figurar todas as coisas, guardando sua beleza eterna e manifestando sua graça infinita pela arte dos escultores, serão caçados até a extinção. Nesta desgraça sua morte, pois que às presas só se pode ter acesso matando o animal. Preço altíssimo a pagar: Toneladas de graça e vida, enormidade de presença e beleza, por alguns quilos de marfim.

Quando caçarem o último elefante, caçarão junto com ele uma coisa muito simples, mas extremamente preciosa, o Direito de existir por existir, e com isto roubarão grande parte da beleza da vida, que é bela por ser vida em si mesma, por ser manifestação, e só por isso bastar para preencher todas as lacunas da existência, e com isto provarão que não compreenderam a vida e este planeta cheio dela.

Pois, naquele dia, vagueava o gigante paquiderme nos confins onde se havia metido, furtivo, esquivando-se, escondendo-se, esgueirando-se, para uma única coisa, por uma única razão, manter-se vivo. Aquilo à que todos desejamos, razão por que todos trabalhamos, Direito inalienável a tudo que é vivo. Seu Direito de assim permanecer, seu Direito de existir. Mas naquele dia, naquela hora, estava fadado, pela ignorância, pela ganância, pela estupidez, a morte do último elefante.

Foi, como milhares de outras mortes, ocasionada por um tiro, um tiro apenas, o premir de um gatilho. Apontar uma arma, mirar num seu ponto vital e puxar o gatilho, e o animal cai sob si mesmo, cai por não haver mais vida que sustente aquele enorme peso, tomba o gigante, e cai levando consigo toda sua graça e maravilha, o último de uma estirpe, testemunho de uma existência plena, que só pelo fato de existir transformava nossas vidas em beleza, fazia-as mais ricas, plenas, e completas, porque tudo que existe nos faz falta quando deixa de existir.

Mas naquele dia fadado, naquela hora maldita, naquele lugar sagrado, onde a vida, como último testemunho desta maravilha da criação, passeava-se, como se passearam todos os seu iguais e ancestrais antes dele, como soíam fazer por seu turno e em seu modo de ser, em seu habitat  de enorme vastidão, agora restrito, malbaratado, amesquinhado, até uma dimensão diminuta, até já não mais poder, até, por fim, aonde só percorria este último animal, que passeava-se por existir, porque existindo, caminhava, e mostrava sua galhardia, até que aquele tiro o matou. Sem provavelmente saber que com ele matavam toda uma linhagem, o último de sua espécie caía, e com ele parte da beleza deste mundo, com ele caía muito da graça, com ele caía a inocência de ser grande, a impotência de ser majestoso, e a desgraça de carregar consigo matéria desejável e valiosa, preço de sua vida, passaporte para sua morte.

Em breve, muito em breve, esta história se transformará em verdade para a evidência de nossa estupidez, para a manifestação última de nossa ganância, pela impotência do homem conter ao homem, algoz da natureza, e para a pobreza eterna do planeta, que perdendo o seu gigante dentado, entrega-se, mais que à pobreza, à miséria da manifestação última de sua insânia, como testemunho fatal de sua incompreensão. 


O Greenpeace diz assim: (USE O LINK)

https://www.facebook.com/BligzDotCom/photos/a.438895749542336.1073741826.438527469579164/725407190891189/?type=


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