terça-feira, 7 de julho de 2015

Não sei se é conversa, não sei se é carta. É pra D. Maria Barroso.

                                                                                                                                                 7/7/15.


Acordei hoje com a notícia de sua morte. Maldito tombo! Que buraco você me abre no peito, quando não mais vou ter seu jeito incisivo a me empurrar ou sua imensa doçura a me estimular, coisas tão opostas para um mesmo fim, pensando agora tenho a ideia perfeita do que estava por detrás de tudo isso, sua imensa generosidade que queria ver todo mundo bem, inclusive esse seu humilde amigo.

Estive vendo as declarações de toda gente, gente que não podia ver o seu homem nem pintado, já em relação a si foram todos unânimes, só viam a sua grandeza, viam a sua capacidade estrema de esquecer a desavença política em detrimento da relação pessoal, e você se relacionou com todo mundo com enorme fraternidade, aliás, fraternidade é seu segundo nome, diz-se isso como figura de linguagem, no seu caso é literal, pois foi esse de fato seu segundo nome, travestido no nome da essência da fraternidade que alguma vez pisou nesse planeta.


Com isso lembro-me da cruz, não a d'Ele, a vermelha, que entre tantas que você carregou com a força indomável de que sempre foi dotada, o fez com a ação de conciliação humana que era seu privilégio mais que característica, porque a si atendiam, mais que tudo pelo estatuto emocional que sua presença imediatamente gerava. Quando ouvi a Senhora dizer que não gostava do seu título de Primeira Dama, fiquei a pensar porque, sei você era o que era por si mesma, mas por mais que eu busque um título que lhe assente melhor, não encontro, a Senhora é mesmo e será eternamente a Primeira Dama de Portugal, porque a Senhora, com seu jeitinho, para além de sempre ter feito o país à sua dimensão, fez um Portugal com uma dimensão maior para todos, porque essa era sua verdadeira dimensão, que é mesmo grande.

Lembro ainda do dia que nos conhecemos, a Manela Felipe nos apresentou e a Senhora logo meteu uma pergunta, primeiro pensei que era por educação e pelo seu traquejo social para deixar as pessoas confortáveis, depois pensei que era generosidade, tal a intensidade da conversação, hoje sei que era por real interesse, seu interesse genuíno nas coisas e nas pessoas, sobretudo nessas últimas, como faz falta isso no mundo, num mundo cada vez mais superficial, onde são cada vez mais raras as Donas Maria Barroso! Sabe, nunca dei fé da sua idade, lembrei-me que poucos anos depois de tê-la conhecido comemoramos seus oitenta anos, mas para mim a Senhora era uma menina de 25. Mesmo quando teve aquele período ruim, que lhe abateu um bocado, sua jovialidade, sua pureza estavam lá, intactas. Depois quando lhe mostrei alguma da minha poesia seus olhos diziam que gostava dela sinceramente, o que sua boca também dizia, e que era mesmo de dentro, do fundo, mas as pessoas dizem coisas por conveniências... Sabe D. Maria, acredito que a Senhora tenha dito algumas coisas por inconveniência, ao contrário não, nunca, contornava, seguia em frente e perdoava, ou esquecia, ou sepultava debaixo da pedra enorme da sua generosidade e do seu bem querer.

No Brasil o poeta Manuel Bandeira fez um primor de poesia para uma empregada sua chamada Irene, em que destacava a bondade e o bom humor desta, que quando chegava no céu e pedia licença para entrar a resposta pronta de Deus era: "Entra Irene, você não precisa pedir licença." Imagino você agora, Deus nem vai dizer nada, vai fazer o mesmo que você fazia com a gente: Vai lhe pegar pelo braço e abrindo de par em par as portas do céu vai levá-la para dentro.

E como um poeta puxa outro, lembrei também uma coisa de Vinicius, ele dizia que "a vida é a arte do encontro, malgrado haja tanto desencontro nessa vida", acho que sua maior arte foi essa, a do encontro, e com isso, pensando melhor, entendi tudo, sua maior arte foi a vida! Foi a vida foi!



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