quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

As estatuas do Capitólio. À sombra...





Luz.

Havia uma luz antiga que brilhava intensamente, que forjou nações, criou identidades, demarcou continentes, postulou presenças eternas, gerou identidades perenes. Seu brilho manteve-se por séculos como clarão de vontades, como facho indicador de caminhos, como raio gerador de meios e presenças, que possibilitavam tudo, porque criavam padrões, estabeleciam valores, projetavam entendimentos e sensibilidades aclaradas em sua verdade imorredoura. Vacilante essa luz deixa de ser centro de convergência, perde seu fulgor, não mais agrega, porque seu poder de atração reside no fato dos homens que nela se projetavam, estarem dispostos à tudo para manterem seu vigor, a luz, porque essa era seu próprio vigor, sua verdade, porque pregando o que acreditavam, eram isso em que acreditavam, eram isso que eram, e brilhavam intensamente, não faziam cedências, e projetavam suas verdades no infinito das possibilidades.

" O caráter é como uma árvore e a reputação como uma sombra. A sombra é o que nós pensamos dela; a árvore é a  coisa real." dizia Abraham Lincoln, portanto quando para valorizar a reputação cedemos ante a possibilidade de podarmos um pouco da árvore para que a sombra tenha melhor aspecto, entregam-nos às aparências, e assim acabaremos por perder tudo... É a eterna luta entre a forma e a substância, Maquiavel afirmava que a substância determina a forma e a forma determina a substância, logo ceder em uma é amputar a outra.

Sombra.

"A vida é uma simples sombra que passa (...) é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa." William Shakespeare - Macbeth. A fugacidade da sombra depende da permanência da luz, posto que não há sombra sem luz. Logo quando aquela luz antiga  da qual falava, afasta-se a sombra se vai com ela, e a vida que é sombra, deixa de existir, porque  para que uma vida tenha consistência e significado, e passe projetando sua sombra, ainda que fugaz, é necessária a presença da luz, o que equivale a dizer que sem aqueles valores mais permanentes que aclaram a existência,  a vida, fica sem significado, como a vê Shakespeare. E é de um rei, Macbeth, que fala o imortal bardo, na circunstancia em que o rei está morto, e o outro vate imortal do mesmo sangue celta alertava que "o fraco rei faz fraca a forte gente", somos todos reis de nossas vidas e elas dependem de nossas escolhas.

A vida depende da luz para ser sombra, para existir como aquilo que é, e se manifestar como pode, se fosse autônoma, como o Sol, não conheceria essa relação, pois "Jamais o Sol vê a sombra" como ensinou Leonardo, pois a dimensão solar é outra, é a da luz somente, conosco não é assim, necessitamos de luz.

Luz e sombra.

"Não podes ver o que és, o que vês é a tua sombra" ensinava Rabindranath Tagore, e para que essa sombra se manifeste é preciso luz, esse binômio interdependente, pois para que se faça a luz, como no princípio, foi necessário haver escuridão, e mais que ela uma vontade, pois luz é feita dessa substância. E a luz se fez!  Sim a escuridão é em si mesma uma existência, a luz é uma manifestação, cedermos a escuridão é não nos manifestarmos. Assim quando cobriram-se as estátuas do Capitólio, símbolos daquela luz antiga, prenhe de vigor, que eram porque eram, como o Sol, e não faziam cedências, brilhavam tão somente, e nesse seu brilhar davam sentido a nossas vidas, sombras manifestas, sem princípios não somos nada, nem sombra, perdemo-nos na escuridão de todas as noites, a da ignorância e a da insensatez. Aquelas estátuas cobertas são a cedência à ignorância, e, portanto, são ação da insensatez. No jogo de luz e sombra há que se ter lealdade a fundamentos, aquela velha lealdade, manifestação da luz antiga, geradora dos princípios e das nações, geradora de verdade eterna, que, se se apaga, restará só a escuridão, e na escuridão não há lugar para sombras, não há lugar para nós.

Combater o bom combate.

Desses  valores que nos foram legados, há um que ficou pelo exemplo, a melhor forma de ensinar, que dentro em pouco, 2019, completará dois milênios e meio que reluz naquilo que foi. No contexto das guerras Médicas, deu-se num desfiladeiro à sombra do monte Kalidromo, uma batalha desigual onde trezentos enfrentam dez mil, dez mil e sempre dez mil, porque suas reservas re-completavam esse número, parecendo que eram imortais, pois seriam sempre dez mil. Porém as doris desconhecem a imortalidade, e fisgam e trespassam e matam, porque a guarda de Leônidas desconhecia a escuridão e não temia as sombras, iluminados pela luz de seu dever, defender seu país, e com ele,  defender os princípios em que criam, e que nos legaram para sempre, pois somos tributários dessa cultura, grega, e logo greco-romana, porque os romanos a quiseram, e souberam respeitá-la em tudo, na filosofia e na coragem, no saber e nos princípios, que é tudo que resta a uma pessoa quando ela está nua, como as estátuas, que só brilham pelo valor que representam, despossuídas de tudo o mais.

Quando o emissário do mais poderoso exército que o mundo conhecera até então, por coincidência também um persa, como o outro de agora, em virtude da qual presença se taparam as estátuas, aquele, evidenciando a impossibilidade de vitória a seus oponentes, em face da desproporção numérica entre as forças beligerantes, uma diferença abismal, propõe que estes entreguem as armas, os gregos desafiantes respondem: "Venham busca-las." O que motiva o aviso que, eterno, soará para sempre em nossas almas, não pelo temor que infunde, mas pela clareza da resposta, dissera então o emissário: "Estejam prontos para morrer. Nossa flechas são tantas que escondem a luz do Sol."E no destemor, consciente do papel que desempenhavam, pois eram herdeiros de Hércules, herdeiros da civilização em que Heracles pudera existir, traz a altiva e pronta resposta, que ressoará para sempre: "Melhor, combateremos à sombra!"


A sombra não é luz.

Diferentemente do que afirmava uma personagem de Susane Tamaro no seu "Um companheiro inesquecível" pedindo para que não tenham medo: "Não receiem, a sombra é apenas uma outra forma de luz." Que, acertando, erra, porque a sombra embora tenha aquele quanto de luz, tem uma quantidade de escuridão que a inviabiliza como luz, porque a luz existe como contra-elemento da escuridão, e por oposição a esta se manifesta, já a sombra existe como decorrência da luz, e só se opõe a ela parcialmente, manifesta-se e existe como decorrência da vontade da escuridão em se manifestar, não o conseguindo totalmente, gerando a sombra, pela presença forte da luz. Assim é com a ignorância, que é a falta de saber, na sua forma total é escuridão, na sua forma pontual é sombra, mas em ambos os casos é falta de luz, neste caso daquela luz antiga, quase uma proto-luz, que aclarava os espíritos, e o fazia  de forma demarcada, de forma vincada,  separando luz e sombra, e eliminando a escuridão. Quando, por qualquer razão que seja, abre-se mão de seus valores, escondendo seus signos, suas manifestações, está-se apagando aquela luz antiga, primeva, que nos deve guiar, porque dela advimos. Se se faz isso por vinte e três dracmas ou vinte e três mil milhões de euros, tanto faz, é igual crise cultural, é perda de identidade, é dispensa do orgulho de se ser quem é. Orgulho que não é soberba, e não é pecado, é dignidade. Seja com Rohani ou Khamenei, seja em Itália ou na Polônia, ceder princípios é perder a dignidade.

À sombra.

Quem não buscar a claridade, e se deixar enganar por concessões a valores que não são os seus, não combate o bom combate, está entregue à ignorância, perde-se na escuridão, e embrenha sua alma na mais tortuosa vereda, desconhecendo a grande lição das Termópilas, que nos ensina nunca ceder, por nada, por nenhuma razão, que é melhor combater à sombra.

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