terça-feira, 23 de agosto de 2016

ENGANO AQUÁTICO.







Deixei pousar a muita poeira que levantou a polêmica com o jornalista do New York Times que disse ter detestado a comida brasileira que todo mundo gosta, sem exceção, agora nem a sua, esta riquíssima culinária que fascina, que é debitária e herdeira de grandes culinárias. A portuguesa e mediterrânica, a africana, a tupiniquim, a oriental e ainda tem muito de outras influências mais esparsas. Pois esse senhor jornalista pichou essa maravilha, e tudo à conta de um biscoito de polvilho que lhe desagradou ao paladar.

Uma vez confrontado com algumas especialidades gastronômicas populares brasileiras, comida de boteco, ficou logo maravilhado, e eu dou o assunto por encerrado, por encerradíssimo, que certamente não iria ser essa andorinha solitária que, remando contra a maré, evitaria nosso verão (para os portugueses que me lêem, primavera) de êxito gastronômico mundialmente reconhecido, o fato é que não vi mencionado, nas diversas defesas que surgiram do referido biscoito, sua origem, sua história, sua razão de ser.

Antes, muito antes de haver a Globo e seu quase monopólio do biscoito, existia uma variedade grande de ambulantes vendendo diversas marcas das pequeninas fábricas e fabriquetas que se dedicavam a confecção do biscoito salgado de polvilho, e que tinham, nas mãos dos ambulantes que
com elas trabalhavam, garantida sua distribuição praieira e o escoamento de sua produção.  Em diferentes praias se encontravam diferentes marcas, e variavam um pouquinho no gosto, mas era sempre o mesmo polvilho salgado de hoje, um bocado de nada, que a marca Globo produz atualmente em grande escala.

Naquele tempo, meio século atrás, eu frequentava muitas praias, e passava o dia nelas, e o trunfo para enganar a fome, que só seria saciada no final do dia com a volta à casa e o jantar, era o biscoito de polvilho salgado, denominado, então Engano Aquático, penso que talvez por esse seu poder de enganar a fome. Tradição nas praias, era de bom tom oferecer aos vizinhos de toalha biscoitos de nosso pacote. Nunca esquecerei uma vez que meu pai ofereceu a um senhor, penso que seu conhecido, e cometeu a tolice de deixar o pacote em suas mãos, voltou vazio, e eu que me defendia da fome com eles, porque frequentemente não almoçava, fiquei sem os enganos aquáticos, tive que procurar o ambulante para papai me comprar outro pacote.

Não tenho dúvidas que o biscoito, muito leve, ganhou fama por ser uma defesa dos estômagos vazios, cheios de suco gástrico, pela contínua ingestão de água (líquidos) debaixo do Sol abrasador, sendo necessário algo para preencher o enorme vazio criado com esse comportamento. Quem faz as termas em Karlovy Vary, na República Checa, mais conhecida como Carlsbad, de seu nome alemão com K, sabe que um biscoito desse gênero foi responsável pela riqueza de uma família, os Pupp, de quem o GrandHotel guarda o nome, sendo lá a razão da ingestão do biscoito, equilibrar a grande quantidade de águas que se bebe na estação termal para limpeza e desintoxicação do organismo, e curas de várias doenças, águas que são mais ativas em jejum, ou com pouco alimento ingerido.

A história do biscoito brasileiro é dessa época de minha meninice, um pouco antes segundo disse meu pai, a checa é bem anterior. No Brasil é dos anos cinquenta do século XX certamente. Os havia de vários formatos, até que se fixaram neste de rosquinha. Eu, sempre curioso, lembro-me ter perguntado a meu pai, se ele em menino, ou rapaz, comia do biscoito, disse-me que não existia no seu tempo. Meu Pai era de 1921, logo nos anos trinta e quarenta não existia, surge nos  cinquenta, não saberei dizer se no princípio ou final da década, mas os investigadores que consultarem os registros fabris brasileiros logo darão com a época em que tornam-se frequentes, bem como saberão quando o hábito se difundiu.

Entretanto, e é com isso que quero terminar, o biscoito é uma ideia (no Brasil poder-se-ia dizer sacação) genial. Terá sido inspirada, ou copiada do Sr. Pupp? Não se sabe, e penso que nunca se saberá, mas a sua razão de existir é a mesma. E as grandes ideias costumam ficar, e pela entranhada defesa que motivou a querela, seus fabricantes poderão estar tranquilos quanto às suas vendas, o consumo está assegurado, pois é uma arca registrada hoje, um ex-libris o, perdoem-me os leitores não o referir de outra maneira, e por manter  essa  lembrança incontornável, pois para mim será sempre o: Engano Aquático!



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