sábado, 27 de agosto de 2016

Tons da Primavera - VISEU.






Street art, arte urbana, grafiti, entre outras designações, é como chamam a expressão artística que ilegal (ainda o era em Portugal há duas décadas) e detestada a princípio, conquistou mundo e atingiu um patamar do universo artístico jamais esperado ou imaginado, conquistando uma capacidade de expressão nobre, inclusiva, forte, próxima e, hoje, incontornável da realidade urbana de toda a grande cidade, onde ocorre irregular e esporádica. Entretanto adquirindo uma dimensão própria que demorou a ser reconhecida por causa de seu nascimento clandestino, rebelde e fora-da-lei, vai agora sendo apreciada e louvada em seus novos contornos. Modificou-se a Lei, incorporou-se a expressão, eliminou-se a clandestinidade, revelou-se o artista, celebrizou-se-lhe o perfil, institucionalizou-se o excluído, e a sociedade engolfou o marginal, reconheceu-o, estimou-o, elogiou-o, condecorou-o. A arte das ruas veio para ficar.

É bem possível que entre meus leitores ainda se encontre alguém que só veja o lado vândalo original desta arte, mas certamente, meio século depois de seu início, todo mundo reconhecerá seu valor ilustrativo, quando menos, porém segue sua escala de valoração, passando pela dimensão política (Quantos muros pichei contra a ditadura?) pela sociológica, ao que se designou arte de fronteira, pela dimensão humana, pela dimensão simplesmente artística, que divide a arte urbana do grafite, e até pelo ativismo social que muda as vidas, tanto dos artistas como dos consumidores de sua arte, ainda que, entre esses últimos, alguns involuntária ou compulsivamente. Não deixo de reparar que esse aspecto decorativo, ilustrativo, como que transforma a cidade num grande objeto, num grande livro, onde artistas promovem ilustração.

Sempre tive atenção por essa arte, lembro-me de ainda nos anos setenta comprar um livro que certamente se incluirá entre os pioneiros que registram essa forma de expressão, chamava-se Italia grafitti, uma capa branca com essas duas palavras uma por cima da outra bem no meio, porém, como perdi-lhe o rastro, não sei qual seu ano exato de publicação, ficando também por saber se é anterior, contemporâneo, ou posterior aos dois primeiros livros que abordam esse assunto na sua manifestação nos Estados Unidos, que curiosamente são de autores italianos, o Grafitti a New York de Andrea Nelli, e outro que nunca vi que é de Los Angeles, ambos também dos anos setenta. Era um princípio de um reconhecimento que hoje é geral.

Viseu, desde o ano passado, com segunda edição este ano, montou um festival voltado para a rua, que merece atenção, e que, com certo interesse, revela muito do que acontece nesse universo que vai deixando de ser paralelo. Com o nome desse artigo, Tons da Primavera, o festival tendo se realizado por quatro dias, de 19 a 22 de Maio ano passado, onde seis artistas discutiram no mercado 2 de Maio a arte urbana. Repetiu-se este ano nas mesmas datas, com quinze artistas convidados, e com um concurso local, desta forma Viseu vai constituindo sua coleção de arte das ruas, e nas ruas, lentamente, como o fez Lisboa, o faz Loures, a Covilhã, Águeda, Coimbra e Cascais entre outras cidades portuguesas, coleção de uma arte que há três anos já tem galeria, e pode dizer-se que é oficial e reconhecida, mas que é mesmo espetacular quando nas ruas. Já tendo seu turismo próprio, seu circuito próprio, seus admiradores, todo um universo que se estabelece e se estrutura em torno dela. É o século XXI no seu melhor!

O outro lado a se destacar desta arte é sua face inclusiva, porque apresentada em bairros tidos como problemáticos, cria toda uma atmosfera de respeitabilidade e, logo a seguir de turismo, que impõe os bairros como um espaço de orgulho e cidadania, o que é certamente um fator de maravilha porque com a instantaneidade da realização artística transmudam seu entorno, dando-lhes outras valências, que, de outra maneira seria impossível conquistar, muito mais, como em Viseu, no confronto com seu centro histórico já rico antes da nacionalidade, e, hoje, impossível de ser suplantado por qualquer construção ou arte contemporânea, dando, desta forma, espaço a outras manifestações, pois a vida continua, e não ficando mal mesmo nesse centro histórico, como é o caso da rapariga com o cacho de uvas na mão, alguma dessa arte.

Agora que se vai terminar o verão, é bom que permaneçam, e porque não? Para alegria dos olhos, os tons da primavera.

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