domingo, 28 de agosto de 2016

Marcito,




                                                                                   14/7/2016 - nos 80 anos de seu nascimento.













Márcio Emanuel Moreira Alves de seu nome, 14/7/1936 - 3/4/2009, casado, três filhos, carioca, jornalista, político, empresário.


Para que conste meu primeiro e único patrão. Tinha criado um jornal síntese, 'a morning letter' para empresários, que consistia na súmula dos diversos jornais do dia sintetizados durante a noite e com as notícias transformados no que chamávamos de pílulas, que era a síntese de cada notícia do dia, uma 'news letter' abrangente com todos os jornais condensados, ótima ideia para a época. Não deve ter dado lucro, pagou-me em livros, alguns dos livros que tinha adquirido nos alfarrabistas de Lisboa e com o qual depois abriu o Sebo fino, era bibliófilo, tinha olho clínico e acumulou enorme coleção.

Marcito era um político da velha guarda, um perfil de gente que nunca mais existirá, e quando se re-candidatou, esperava ver reconhecido seu passado, o famoso discurso que há de ter motivado o AI-5, mas qual? O Brasil é um país sem memória, tudo passa com a velocidade de um raio, e na semana seguinte não se fala mais nisso. As pessoas se esquecem depressa demais, por isso há tantos ladrões e corruptos públicos por aí. Eu o devia ter acompanhado nessa empreitada da segunda candidatura, mas a grande onda do PDT, que vim a fundar, me levou para outras bandas.

Marcito sabia reconhecer o valor das pessoas na medida justa, minha capacidade para escrever foi ele o primeiro a reconhecer e aproveita-la. O problema é que para um cara escrever tem de ter miolos e informação, dois fatores que que bem trabalhados juntos podem resultar em alguma coisa que preste. A história foi assim, o conheci no escritório do Matta Machado, meu amigo e advogado nas causas que movia contra a ditadura militar, e Marcito tornou-se próximo, e eu o frequentava, mais no escritório evidentemente que em casa: Mas num belo meio de tarde num domingo resolvi ir visitar o Marcito, as coisas que me passavam pela cabeça, havia um enorme 'gap' etário, cultural, social, e econômico entre nós dois, mas eu nesta época não via nada disso, minha obstinação era derrubar a ditadura militar, e lá fui eu para a casa do Marcito no Parque Guinle, pensei encontra-lo só com a Princesa Marie, sua esposa. Chegando lá, a casa estava cheia de gente debatendo política econômica.(Tradição do Juca's bar?) Entre a dúzia de personagens presentes Luís Carlos Bresser Pereira, Maria da Conceição Tavares, com aquele seu jeito ríspido e agressivo de bota à baixo, muito típico da esquerda portuguesa, Carlos Lessa de quem fiquei amigo, com seu jeito conciliador, uns quantos deputados do PMDB, e uns professores de economia da UERJ. Ouvi parte da discussão que acabara por se centrar nas diferenças da economia entre Rio e São Paulo, foi quando meti meu bedelho, a expressão deve ser entendida literalmente, porque meus trunfos deveriam ser os menores que ali naquela roda poderia haver. Aliás o Marcito com aquela sua voz rouca e nasalada, virou-se para mim, muito assustado, por eu intervir em assunto tão específico para o qual ele havia convidado tanta gente para os ouvir, como costumava fazer; seu olhar deixava claro que eu devia ter ficado de boca calada, não que ele me repreendesse, não era esse o feitio do Marcito, um democrata nunca veta ninguém, era o espanto por ver meu atrevimento. Contradizendo a opinião que se formara eu afirmava que o capital no Rio é mais especulativo, mais agressivo que em São Paulo. Todos me olharam muito assustados, alguns não entendendo bem o que eu queria dizer, e eu querendo explicar, mas faltava-me cultura econômica (faltava-me cultura mesmo, quanto mais econômica, estávamos em 1979, eu tinha vinte e dois anos, e cursava engenharia em Petrópolis) não tinha as palavras, quando a Maria com seu jeito impulsivo disse em sua rouquidão lusitana em perfeito português: "O fedelho terá razão . . .  o capital mercantil flutuante será muito maior no Rio que em São Paulo!"  Estava tudo dito, o Marcito ria-se por eu passar a perna em tantas sumidades. E quem ousaria contradizer a Maria da Conceição Tavares, aquela trovoada rouca que jaspeava coriscos?

Logo me chamou para escrever algumas crônicas com ele, algumas editadas na Tribuna da Imprensa,  outras n'O Globo. Ele tinha essa qualidade rara de reconhecer valor nas pessoas, e abrir-lhes espaço, coisa que se acabou, principalmente na política.

Era gordo, lento, homem de gabinete, mas de uma coragem indesmentível. Arranjei um caso com o Doutel de Andrade, quando na sede do PDT ao ouvirmos as falas diárias dos diversos candidatos Doutel vendo o Marcito falar, o classificou com a expressão 'enfant gatée', alusão a ser bem nascido, herdeiro de uma máquina de fazer dinheiro chamada Hotel Ambassador,  isso era, mas sua coragem posta à prova várias vezes, mostrou o homem na sua totalidade, nunca um menino, muito menos mimado, e eu lembrei-lhe o caso passado às portas do Hotel Glória, em que ele queria ir preso com os demais que protestavam, o caso das visitas aos presos políticos de Juiz de Fora, e havia mais, muito mais, mas ficamos por aí.

Marcito foi um amigo que me marcou muito por ter-me introduzido na mais alta sociedade carioca, não serviu para nada, não era meu destino, mas ficou o gesto, mais que tudo porque seu apoio incondicional me fez concluir que eu devera ter algum valor, o que me fez sempre nunca ter medo e levar avante a minha ideia fixa na época de derrubar a ditadura militar. O que afinal conseguimos.

Passados oitenta anos de seu nascimento e sete que nos deixou, fica esse preito de amizade e saudade, testemunho de um tempo onde e quando as pessoas tinham outros valores, que se reconheciam  umas às outras, onde a amizade contava muito, e Marcito sabia como ninguém cultiva-las.

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